Tornar geométrica a representação, isto é, delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência, eis a tarefa primordial em que se afirma o espírito científico. 07
O pensamento científico é então levado para “construções” mais metafóricas que reais, para “espaços de configurações”, dos quais o espaço sensível não passa, no fundo, de um pobre exemplo. 07
O primeiro período, que representa o estado pré-científico, compreenderia tanto a Antiguidade clássica quanto os séculos de renascimento e de novas buscas, como os séculos XVI, XVII e até XVIII. O segundo período, que representa o estado científico, em preparação no fim do século XVIII, se estenderia por todo o século XIC e início do século XX. Em terceiro lugar, consideraríamos o ano de 1905 como o início da era do novo espírito científico, momento em que a Relatividade de Einstein deforma conceitos primordiais que eram tidos como fixados para sempre. 09
Já que todo o saber científico deve ser reconstruído a cada momento, nossas demonstrações epistemológicas só têm a ganhar se forem desenvolvidas no âmbito dos problemas particulares, sem preocupações com a ordem histórica. 10
Em sua formação individual, o espírito científico passaria necessariamente pelos três estados seguintes...:
1. O estado concreto: é exaltada a Natureza do fenômeno.
2. O estado concreto-abstrato: ao espírito é acrescida a experiência geométrica. Caminha timidamente para a abstração, mantendo-se ligado a intuição sensível.
3. O estado abstrato: o espírito se desliga da experiência meramente sensível transpondo os limites do plano real.
Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. 17
O conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato e pleno. As revelações do real são recorrentes. O real nunca é “o que se poderia achar” mas é sempre o que se deveria ter pensado. 17
No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimento anterior, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização. 17
Para o espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído. 18
Costuma-se dizer também que a ciência é ávida de unidade, que tende a considerar fenômenos de aspectos diversos com idênticos, que busca simplicidade ou economia nos princípios e nos métodos. Tal unidade seria logo encontrada se a ciência pudesse contentar-se com isso. Ao inverso, o progresso científico efetua suas etapas mais marcantes quando abandona os fatores filosóficas de unificação fácil, tais como a unidade de ação do Criador, a unidade de organização da Natureza, a unidade lógica. 20
Só a razão dinamiza a pesquisa, porque é a única que sugere, para além da experiência comum (imediata e sedutora), a experiência científica (indireta e fecunda). Portanto, é o esforço de racionalidade e de construção que deve reter a atenção do epistemólogo... O epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. 22
Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da reflexão. 23
O educador não tem o senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem ensina manda. Daí, a torrente de instintos. 24
Na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada entes e acima da crítica – crítica esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico. 29
Os livros de física, que há meio século são cuidadosamente copiados uns dos outros, fornecem aos alunos, uma ciência socializada, imóvel, que, graças à estranha persistência do programa dos exames universitários, chega a passar como natural....Peguem um livro científico XVIII e vejam como está inserido na vida cotidiana. O autor dialoga com o leitor coma um conferencista. Adota as preocupações naturais. Por exemplo: quer alguém saber a causa do trovão? Começa-se por falar com o leitor sobre o medo de trovão, vai-se mostrar que esse medo não tem razão de ser, repete-se mais uma vez que, quando o trovão reboa, o perigo já passou, que só o raio mata. 31
A ciência moderna, em seu ensino regular, afasta-se de toda referência à erudição. E dá pouco espaço à história das idéias cientificas. 34
O pensamento pré-científico não se fecha no estudo de um fenômeno bem circunscrito. Não se procura a variação, mas sim a variedade. E essa é a característica bem específica: a busca da variedade leva o espírito de um objeto para outro, sem método; a espírito procura apenas ampliar conceitos... 38
No século XVIII, a ciência interessa a todos os homens cultos. A idéia geral é que um gabinete de história natural e um laboratório são montados como uma biblioteca, pouco a pouco... 40
Para que, de fato, se possa falar de racionalização da experiência, não basta que se encontre uma razão para um fato. A razão é uma atividade psicológica essencialmente politrópica: procura revirar os problemas, variá-los, ligar uns aos outros, faze-los proliferar. Para ser racionalizada, a experiência precisa ser inserida num jogo de razões múltiplas. 51
A ciência, na íntegra, não tem necessidade de ser comprovada pelo cientista. Mas o que acontece quando a experiência desmente a teoria? Há quem continue a repetir a experiência negativa, achando que houve apenas um engano de procedimentos. Foi o caso de Michelson, que repetiu muitas vezes a experiência que, a seu ver, devia mostrar a imobilidade do éter. Mas enfim, quando o fracasso de Michelson tornou-se inegável, a ciência teve de modificar sues princípios fundamentais. Assim nasceu a ciência relativista. 62
Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quando a falsa doutrina do geral, que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua sendo, para muitos, uma doutrina fundamental do saber. 69
A tradicional divisão entre a teoria e sua aplicação ignorava esta necessidade de incorporar as condições de aplicação na própria essência da teoria. 76
Para o espírito pré-científico, a unidade é um princípio sempre desejado, sempre realizado sem esforço. Para tal, basta uma maiúscula. As diversas atividades naturais tornam-se assim manifestações variadas de uma só e única Natureza. Não é concebível que a experiência se contradiga ou seja compartimentada. O que é verdadeiro para o grande deve ser verdadeiro para o pequeno, e vice-versa. A mínima dualidade desconfia-se de erro. Essa necessidade de unidade traz uma multidão de falsos problemas. 107
O espírito filosófico é, assim, o brinquedo do absoluto da quantidade, como o espírito pré-científico é o brinquedo do absoluto da qualidade. 112
Logo o verdadeiro deve ser acompanhado do útil. O verdadeiro sem função é um verdadeiro mutilado. E, quando se descobre a utilidade, encontra-se a função real do verdadeiro. 117
O ser humano é naturalmente um fator de interiorização privilegiado. Parece que o homem pode sentir e conhecer diretamente as propriedades íntimas de seu ser físico. 159
Um conhecimento objetivo imediato, pelo fato de ser qualitativo, já é falseado. Traz um erro a ser retificado. Esse conhecimento marca fatalmente o objeto com impressões subjetivas, que precisam ser expurgadas; o conhecimento imediato é, por princípio, subjetivo. 259
O excesso de precisão, no reino da quantidade, corresponde ao excesso de pitoresco, no reino da qualidade. A precisão numérica é quase sempre uma rebelião de números como o pitoresco é, no dizer de Baudelaire, “uma rebelião de minúcias”. 261
A doutrina da sensibilidade experimental é uma concepção bem moderna. Antes de qualquer empreendimento experimental, o físico deve determinar a sensibilidade dos aparelhos. É o que o espírito não-científico não faz. 268
O pensamento científico é então levado para “construções” mais metafóricas que reais, para “espaços de configurações”, dos quais o espaço sensível não passa, no fundo, de um pobre exemplo. 07
O primeiro período, que representa o estado pré-científico, compreenderia tanto a Antiguidade clássica quanto os séculos de renascimento e de novas buscas, como os séculos XVI, XVII e até XVIII. O segundo período, que representa o estado científico, em preparação no fim do século XVIII, se estenderia por todo o século XIC e início do século XX. Em terceiro lugar, consideraríamos o ano de 1905 como o início da era do novo espírito científico, momento em que a Relatividade de Einstein deforma conceitos primordiais que eram tidos como fixados para sempre. 09
Já que todo o saber científico deve ser reconstruído a cada momento, nossas demonstrações epistemológicas só têm a ganhar se forem desenvolvidas no âmbito dos problemas particulares, sem preocupações com a ordem histórica. 10
Em sua formação individual, o espírito científico passaria necessariamente pelos três estados seguintes...:
1. O estado concreto: é exaltada a Natureza do fenômeno.
2. O estado concreto-abstrato: ao espírito é acrescida a experiência geométrica. Caminha timidamente para a abstração, mantendo-se ligado a intuição sensível.
3. O estado abstrato: o espírito se desliga da experiência meramente sensível transpondo os limites do plano real.
Quando se procuram as condições psicológicas do progresso da ciência, logo se chega à convicção de que é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado. 17
O conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato e pleno. As revelações do real são recorrentes. O real nunca é “o que se poderia achar” mas é sempre o que se deveria ter pensado. 17
No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimento anterior, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização. 17
Para o espírito científico, todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído. 18
Costuma-se dizer também que a ciência é ávida de unidade, que tende a considerar fenômenos de aspectos diversos com idênticos, que busca simplicidade ou economia nos princípios e nos métodos. Tal unidade seria logo encontrada se a ciência pudesse contentar-se com isso. Ao inverso, o progresso científico efetua suas etapas mais marcantes quando abandona os fatores filosóficas de unificação fácil, tais como a unidade de ação do Criador, a unidade de organização da Natureza, a unidade lógica. 20
Só a razão dinamiza a pesquisa, porque é a única que sugere, para além da experiência comum (imediata e sedutora), a experiência científica (indireta e fecunda). Portanto, é o esforço de racionalidade e de construção que deve reter a atenção do epistemólogo... O epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. 22
Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida. Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da reflexão. 23
O educador não tem o senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem ensina manda. Daí, a torrente de instintos. 24
Na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada entes e acima da crítica – crítica esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico. 29
Os livros de física, que há meio século são cuidadosamente copiados uns dos outros, fornecem aos alunos, uma ciência socializada, imóvel, que, graças à estranha persistência do programa dos exames universitários, chega a passar como natural....Peguem um livro científico XVIII e vejam como está inserido na vida cotidiana. O autor dialoga com o leitor coma um conferencista. Adota as preocupações naturais. Por exemplo: quer alguém saber a causa do trovão? Começa-se por falar com o leitor sobre o medo de trovão, vai-se mostrar que esse medo não tem razão de ser, repete-se mais uma vez que, quando o trovão reboa, o perigo já passou, que só o raio mata. 31
A ciência moderna, em seu ensino regular, afasta-se de toda referência à erudição. E dá pouco espaço à história das idéias cientificas. 34
O pensamento pré-científico não se fecha no estudo de um fenômeno bem circunscrito. Não se procura a variação, mas sim a variedade. E essa é a característica bem específica: a busca da variedade leva o espírito de um objeto para outro, sem método; a espírito procura apenas ampliar conceitos... 38
No século XVIII, a ciência interessa a todos os homens cultos. A idéia geral é que um gabinete de história natural e um laboratório são montados como uma biblioteca, pouco a pouco... 40
Para que, de fato, se possa falar de racionalização da experiência, não basta que se encontre uma razão para um fato. A razão é uma atividade psicológica essencialmente politrópica: procura revirar os problemas, variá-los, ligar uns aos outros, faze-los proliferar. Para ser racionalizada, a experiência precisa ser inserida num jogo de razões múltiplas. 51
A ciência, na íntegra, não tem necessidade de ser comprovada pelo cientista. Mas o que acontece quando a experiência desmente a teoria? Há quem continue a repetir a experiência negativa, achando que houve apenas um engano de procedimentos. Foi o caso de Michelson, que repetiu muitas vezes a experiência que, a seu ver, devia mostrar a imobilidade do éter. Mas enfim, quando o fracasso de Michelson tornou-se inegável, a ciência teve de modificar sues princípios fundamentais. Assim nasceu a ciência relativista. 62
Nada prejudicou tanto o progresso do conhecimento científico quando a falsa doutrina do geral, que dominou de Aristóteles a Bacon, inclusive, e que continua sendo, para muitos, uma doutrina fundamental do saber. 69
A tradicional divisão entre a teoria e sua aplicação ignorava esta necessidade de incorporar as condições de aplicação na própria essência da teoria. 76
Para o espírito pré-científico, a unidade é um princípio sempre desejado, sempre realizado sem esforço. Para tal, basta uma maiúscula. As diversas atividades naturais tornam-se assim manifestações variadas de uma só e única Natureza. Não é concebível que a experiência se contradiga ou seja compartimentada. O que é verdadeiro para o grande deve ser verdadeiro para o pequeno, e vice-versa. A mínima dualidade desconfia-se de erro. Essa necessidade de unidade traz uma multidão de falsos problemas. 107
O espírito filosófico é, assim, o brinquedo do absoluto da quantidade, como o espírito pré-científico é o brinquedo do absoluto da qualidade. 112
Logo o verdadeiro deve ser acompanhado do útil. O verdadeiro sem função é um verdadeiro mutilado. E, quando se descobre a utilidade, encontra-se a função real do verdadeiro. 117
O ser humano é naturalmente um fator de interiorização privilegiado. Parece que o homem pode sentir e conhecer diretamente as propriedades íntimas de seu ser físico. 159
Um conhecimento objetivo imediato, pelo fato de ser qualitativo, já é falseado. Traz um erro a ser retificado. Esse conhecimento marca fatalmente o objeto com impressões subjetivas, que precisam ser expurgadas; o conhecimento imediato é, por princípio, subjetivo. 259
O excesso de precisão, no reino da quantidade, corresponde ao excesso de pitoresco, no reino da qualidade. A precisão numérica é quase sempre uma rebelião de números como o pitoresco é, no dizer de Baudelaire, “uma rebelião de minúcias”. 261
A doutrina da sensibilidade experimental é uma concepção bem moderna. Antes de qualquer empreendimento experimental, o físico deve determinar a sensibilidade dos aparelhos. É o que o espírito não-científico não faz. 268
Um comentário:
"Logo o verdadeiro deve ser acompanhado do útil. O verdadeiro sem função é um verdadeiro mutilado. E, quando se descobre a utilidade, encontra-se a função real do verdadeiro."
Esta verdade precisa, porque tão real e oportuna, virar epidemia no Congresso Nacional. Quem sabe, depois de adoecidos, nossos dirigentes (Salve Democracia) sejam mais rasoáveis no furto.
Passa lá, Nilton
e se deixa uma palavra
Abraço
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