A época em que vivemos deve ser considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um novo paradigma, de cuja emergência se vão acumulando os sinais, e a que, à falta de melhor designação, chamo de ciência pós-moderna. Indiquei então, ainda que muito sucintamente, alguns dos princípios que presidem a construção do novo paradigma. 11
A reflexão hermenêutica torna-se, assim, necessária para transformar a ciência, de um objeto estranho, distante e incomensurável com a nossa vida, num objeto familiar e próximo, que, não falando a língua de todos os dias, é capaz de nos comunicar as suas valências e os seus limites, os seus objetivos e o que realiza aquém e além deles... 13
...enquanto prática social, as ciências sociais são subjetivadas pela sociedade na medida em que esta cria as condições de emergência e fortalecimento, tanto dos sujeitos individuais da ciência (os cientistas), como dos sujeitos coletivos (as universidades, as disciplinas científicas, os centros e os projetos de investigação). 15
A compreensão do real social proporcionada pelas ciências sociais só é possível na medida em que estas se autocompreendem nessa prática e nô-la devolvem, duplamente transparente, a nós que somos o princípio e o fim de tudo o que se diz sobre o mundo. 16
A verdade é que, de um ponto de vista epistemológico, o discurso científico é hoje, em face do cidadão comum, um discurso anormal no seu todo e, por isso, [...] só será socialmente compreensível se, perante ele, adotarmos uma atitude hermenêutica. 27
O “senso comum”, o “conhecimento vulgar”, a “sociologia espontânea”, a “experiência imediata”, tudo isto são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para que se torne possível o conhecimento científico, racional e válido. 31
O senso comum é um “conhecimento” evidente que pensa o que existe tal como existe e cuja função é a de reconciliar a todo custo a consciência comum consigo mesma. É pois, um pensamento necessariamente conservador e fixista. 32
A epistemologia bachelardiana representa o máximo de consciência possível do paradigma da ciência moderna. Como tal, ela não representa a consciência real da comunidade científica ou de uma qualquer comunidade científica num qualquer momento dado, representa, isso sim, “o campo do interior do qual os conhecimentos e as respostas podem variar sem que haja modificação essencial das estruturas e dos processos existentes. A epistemologia bachelardiana é uma epistemologia de limites, dos limites dentro dos quais o paradigma origina, gere e resolve crises sem ele próprio entrar em crise. 35
Os preconceitos são constitutivos do nosso ser e da nossa historicidade e, por isso, não podem ser levianamente considerados cegos, infundados ou negativos. São eles que nos capacitam a agir e nos abrem à experiência e, por isso, a compreensão do nosso estar no mundo não pode de modo nenhum dispensa-los. 39
A hermenêutica crítica tem de começar por analisar a ciência que se faz para que seja compreensível e eficaz a crítica da ciência que se faz, do mesmo modo que uma teoria crítica tem de começar por analisar a sociedade que existe para que seja compreensível e eficaz a crítica da sociedade existe. 47
Só existe ciência enquanto crítica da realidade a partir da realidade que existe e com vista à sua transformação em uma outra realidade. Mas a crítica será, por sua vez, ilusória se for só isso (crítica), se não se souber plasmar no processo de transformação da realidade, e a tal ponto que este se transforme no seu critério de verdade. 48
A verdade não é assim uma característica fixa, inerente a uma dada idéia. A verdade acontece a uma dada idéia na medida em que esta contribui para fazer acontecer os acontecimentos por ela antecipados. 49
Anthony Giddes é um dos sociólogos que mais atenção tem dedicado às relações entre as ciências sociais e naturais e é, em meu entender, quem melhor sintetiza o unilateralismo epistemológico. 57
O modelo de explicação hipotético-dedutivo (formulação de leis) do positivismo lógico é demasiado restrito deve ser substituído por um outro mais amplo e aberto. No seguimento de Kuhn, deve-se entender por explicação todo o “clearing-up of puzzles or queries”. 57
Teixeira Fernandes acentua em especial a autonomia do estatuto epistemológico das ciências sociais. As ciências sociais não são “ciências naturais”, se este termo for usado com o mesmo sentido que tem nas ciências naturais; mas “se ao contrário, por ele se entender uma forma sistemática de abordagem da realidade que visa obter conhecimentos dotados de um suficiente grau de rigor e verificamos pelos fatos com o uso de um método adequado, então poderemos dizer que [a sociologia] é uma ciência. 59
A verdade é o que resulta do “consenso científico” obtido na comunidade científica, e por isso quem quer que fale da ciência no sentido corrente e com a aprovação do costume aceita que este consenso organizado determine o que é científico e o que não é científico. 60
No âmbito da discussão nesta seção interessa, tão-só, realçar a dualidade epistemológica que Elster estabelece entre a biologia e as ciências sociais, assentada na distinção absoluta que intercede entre o comportamento humano e comportamento animal. 61
A tese do unitarismo mitigado pressupõe a hegemonia da forma lógica das ciências naturais: é em função dela que define, como especificidade, o estatuto epistemológico das ciências sociais. 62
A teorização das relações epistemológicas entre as ciências sociais e as ciências naturais deve ser feita em dois registros diferentes: a teoria do objeto e a teoria de justificação do conhecimento. 65
No plano sociológico, a concepção moderna da natureza é um expediente de mediação de relações sociais, um expediente oculto que usa a natureza para ocultar a natureza das relações sociais. Mas o processo de identificação homem/natureza desenvolve-se a outros níveis. 66
Por outras palavras, as ciências sociais proporcionam a compreensão que dá sentido e justificação à explicação das ciências naturais. Sem tal compreensão não há verdadeira explicação e, por isso, as ciências sociais são epistemologicamente prioritárias em relação às ciências naturais. 68
A crítica da constituição dos dois universos científicos, ciências sociais e ciências naturais, sob a dominância destas últimas, é a precondição teórica para que a ciência, no seu conjunto, compreenda o sentido da sua inserção num mundo contemporâneo que não desiste do futuro, uma inserção feita de autonomia relativa e provisória como passo indispensável para a constituição de uma nova prática de conhecimento mais democrática e emancipadora. 71
Teoria é, não só o conhecimento que se produz (teoria substantiva), como o modo como se produz (teoria processual, o método). 72
O conhecimento é sempre falível, a verdade é sempre aproximada e provisória. 72
Todo o conhecimento é contextual. O conhecimento científico é duplamente contextualizado, pela comunidade científica e pela sociedade. 77
Mais concretamente, a sociologia reflexiva é uma sociologia moral que parte do princípio de que o sujeito e o objeto são mutuamente constituídos e o seu programa implica que: 1. realizar a investigação é uma condição necessária mas não suficiente para a maturação da sociologia. O que é necessário é uma nova práxis que transforme a pessoa da sociologia; 2. o objetivo último da sociologia reflexiva é aprofundar o autoconhecimento do sociólogo, de quem e do que ele é, numa dada sociedade num dado momento histórico, e de como o seu papel social e a sua práxis pessoal afetam o seu trabalho de sociólogo; 3. a sociologia reflexiva procura aprofundar não só o autoconhecimento do sociólogo, como a capacidade deste pra produzir informação válida e crível sobre o mundo social dos outros; 4. por isso, a sociologia reflexiva requer informação válida sobre o mundo da sociologia e da metodologia e recursos técnicos para obter , requer também uma adesão persistente ao valor do autoconhecimento que se exprime em todas as fases do trabalho e requer ainda aptidões e técnicas auxiliares que tornem o sociólogo aberto á informação hostil. 81-82
A prática sociológica não é uma prática social como qualquer outra, e muito menos o é se entendida na versão construtivista racionalista do paradigma positivista. 86
A “humanização” dos cientistas é um dos aspectos da complexidade da ciência. A complexidade produz vibrações que se repercutem em todo o edifício teórico e metodológico da ciência. 89
Toda a ciência é interpretativa, e as ciências sociais são duplamente interpretativas. A verificação ou a falsificação das explicações causais ou das regularidades nomotéticas estão sempre subordinadas à avaliação do sentido da interpretação (do contexto da abstração e da generalização) que lhes subjaz. 90
Nas ciências sociais é mais difícil do que nas ciências naturais determinar o distinguir os vários estratos de sentido. As relações internas e necessárias, as estruturas, e os seus poderes emergentes dão decisivos para explicar as ações dos indivíduos e das instituições ... 91
A luta pela interpretação é constitutiva de nossa prática social, e a ampliação ou a restrição do campo da interpretação é o aspecto mais importante dessa luta. 95
A teoria crítica só confirma o existente na medida em que o existente confirma o futuro. Tenderá por isso a levar mais tempo a ser avaliada positivamente e, nesse sentido, a convencionalizar-se. Para os adeptos da teoria, porém, o erro dela é o efeito do erro do mundo nela. 96
O cientismo é um dos pressupostos ideológicos do paradigma da ciência moderna. Para além da afirmação do caráter privilegiado do conhecimento científico, o cientismo defende que os fatos falam por si e que os métodos só são científicos se puderem ser utilizados impessoalmente. 102
O processo de investigação é para o cientista um processo de autoconvencimento, ou seja, um processo argumentativo em que ele, por assim dizer, encarna a comunidade científica sem juízo antecipa. 105
O conceito de anarquismo metodológico é ainda inadequado, porque nenhum cientista “se vê” como anarquista. É que na investigação concreta nunca vale tudo. Há argumentos mais ou menos válidos, mais ou menos convincentes, quer para o cientista naquele tipo de investigação. 109
No domínio da sociologia, os métodos quantitativos dominaram quase desde o início. A proximidade entre o objeto e o sujeito (membros da mesma sociedade) foi, neste caso, considerada excessiva, e a quantidade serviu para criar a distância julgada essencial à produção de conhecimento objetivo. 110
A distinção entre o público e o privado pode ser uma ilusão ontológica mas, uma vez adotada e consagrada socialmente, torna-se mais real do que se fosse simplesmente verdadeira. 111
A paixão é incompatível com o conhecimento científico, precisamente porque a sua presença na natureza humana representa a exata medida da incapacidade do homem para agir e pensar racionalmente. 117-118
A sociologia da ciência pode estudar não só a estrutura cultural da ciência, como o impacto da sociedade na criação dos focos de interesse, na seleção dos problemas, no ritmo do desenvolvimento, etc. Os critérios de validade e as demais condições teóricas e metodológicas serão objeto da filosofia da ciência ou da teoria da ciência, mas nunca da sociologia da ciência. Do ponto de vista da perspectiva positivista em que esta divisão do trabalho intelectual assenta, pode-se dizer que pertence à sociologia da ciência o estudo daquilo que na ciência não é científico. 125
A sociologia da ciência é assim essencialmente apologética da ciência e do seu modo de produção dominante na sociedade capitalista. 129
O processo do conhecimento é também um processo de desconhecimento a um nível muito mais real do que a antecipações filosóficas (Kant, por exemplo) deixavam prever. A ciência pode ser alternativamente analisada (e usada) como sistema de produção de conhecimentos ou como sistema de produção de ignorância. 139
O poder que a ciência exerce na sociedade é o “produto” dialético da relação entre o poder que a sociedade exerce sobre a comunidade científica e o poder que se exerce no seio desta. 142
O conhecimento científico é produzido num contexto específico, a comunidade científica, em que se cruzam determinações de alguns dos contextos estruturais... 155
A reflexão hermenêutica torna-se, assim, necessária para transformar a ciência, de um objeto estranho, distante e incomensurável com a nossa vida, num objeto familiar e próximo, que, não falando a língua de todos os dias, é capaz de nos comunicar as suas valências e os seus limites, os seus objetivos e o que realiza aquém e além deles... 13
...enquanto prática social, as ciências sociais são subjetivadas pela sociedade na medida em que esta cria as condições de emergência e fortalecimento, tanto dos sujeitos individuais da ciência (os cientistas), como dos sujeitos coletivos (as universidades, as disciplinas científicas, os centros e os projetos de investigação). 15
A compreensão do real social proporcionada pelas ciências sociais só é possível na medida em que estas se autocompreendem nessa prática e nô-la devolvem, duplamente transparente, a nós que somos o princípio e o fim de tudo o que se diz sobre o mundo. 16
A verdade é que, de um ponto de vista epistemológico, o discurso científico é hoje, em face do cidadão comum, um discurso anormal no seu todo e, por isso, [...] só será socialmente compreensível se, perante ele, adotarmos uma atitude hermenêutica. 27
O “senso comum”, o “conhecimento vulgar”, a “sociologia espontânea”, a “experiência imediata”, tudo isto são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para que se torne possível o conhecimento científico, racional e válido. 31
O senso comum é um “conhecimento” evidente que pensa o que existe tal como existe e cuja função é a de reconciliar a todo custo a consciência comum consigo mesma. É pois, um pensamento necessariamente conservador e fixista. 32
A epistemologia bachelardiana representa o máximo de consciência possível do paradigma da ciência moderna. Como tal, ela não representa a consciência real da comunidade científica ou de uma qualquer comunidade científica num qualquer momento dado, representa, isso sim, “o campo do interior do qual os conhecimentos e as respostas podem variar sem que haja modificação essencial das estruturas e dos processos existentes. A epistemologia bachelardiana é uma epistemologia de limites, dos limites dentro dos quais o paradigma origina, gere e resolve crises sem ele próprio entrar em crise. 35
Os preconceitos são constitutivos do nosso ser e da nossa historicidade e, por isso, não podem ser levianamente considerados cegos, infundados ou negativos. São eles que nos capacitam a agir e nos abrem à experiência e, por isso, a compreensão do nosso estar no mundo não pode de modo nenhum dispensa-los. 39
A hermenêutica crítica tem de começar por analisar a ciência que se faz para que seja compreensível e eficaz a crítica da ciência que se faz, do mesmo modo que uma teoria crítica tem de começar por analisar a sociedade que existe para que seja compreensível e eficaz a crítica da sociedade existe. 47
Só existe ciência enquanto crítica da realidade a partir da realidade que existe e com vista à sua transformação em uma outra realidade. Mas a crítica será, por sua vez, ilusória se for só isso (crítica), se não se souber plasmar no processo de transformação da realidade, e a tal ponto que este se transforme no seu critério de verdade. 48
A verdade não é assim uma característica fixa, inerente a uma dada idéia. A verdade acontece a uma dada idéia na medida em que esta contribui para fazer acontecer os acontecimentos por ela antecipados. 49
Anthony Giddes é um dos sociólogos que mais atenção tem dedicado às relações entre as ciências sociais e naturais e é, em meu entender, quem melhor sintetiza o unilateralismo epistemológico. 57
O modelo de explicação hipotético-dedutivo (formulação de leis) do positivismo lógico é demasiado restrito deve ser substituído por um outro mais amplo e aberto. No seguimento de Kuhn, deve-se entender por explicação todo o “clearing-up of puzzles or queries”. 57
Teixeira Fernandes acentua em especial a autonomia do estatuto epistemológico das ciências sociais. As ciências sociais não são “ciências naturais”, se este termo for usado com o mesmo sentido que tem nas ciências naturais; mas “se ao contrário, por ele se entender uma forma sistemática de abordagem da realidade que visa obter conhecimentos dotados de um suficiente grau de rigor e verificamos pelos fatos com o uso de um método adequado, então poderemos dizer que [a sociologia] é uma ciência. 59
A verdade é o que resulta do “consenso científico” obtido na comunidade científica, e por isso quem quer que fale da ciência no sentido corrente e com a aprovação do costume aceita que este consenso organizado determine o que é científico e o que não é científico. 60
No âmbito da discussão nesta seção interessa, tão-só, realçar a dualidade epistemológica que Elster estabelece entre a biologia e as ciências sociais, assentada na distinção absoluta que intercede entre o comportamento humano e comportamento animal. 61
A tese do unitarismo mitigado pressupõe a hegemonia da forma lógica das ciências naturais: é em função dela que define, como especificidade, o estatuto epistemológico das ciências sociais. 62
A teorização das relações epistemológicas entre as ciências sociais e as ciências naturais deve ser feita em dois registros diferentes: a teoria do objeto e a teoria de justificação do conhecimento. 65
No plano sociológico, a concepção moderna da natureza é um expediente de mediação de relações sociais, um expediente oculto que usa a natureza para ocultar a natureza das relações sociais. Mas o processo de identificação homem/natureza desenvolve-se a outros níveis. 66
Por outras palavras, as ciências sociais proporcionam a compreensão que dá sentido e justificação à explicação das ciências naturais. Sem tal compreensão não há verdadeira explicação e, por isso, as ciências sociais são epistemologicamente prioritárias em relação às ciências naturais. 68
A crítica da constituição dos dois universos científicos, ciências sociais e ciências naturais, sob a dominância destas últimas, é a precondição teórica para que a ciência, no seu conjunto, compreenda o sentido da sua inserção num mundo contemporâneo que não desiste do futuro, uma inserção feita de autonomia relativa e provisória como passo indispensável para a constituição de uma nova prática de conhecimento mais democrática e emancipadora. 71
Teoria é, não só o conhecimento que se produz (teoria substantiva), como o modo como se produz (teoria processual, o método). 72
O conhecimento é sempre falível, a verdade é sempre aproximada e provisória. 72
Todo o conhecimento é contextual. O conhecimento científico é duplamente contextualizado, pela comunidade científica e pela sociedade. 77
Mais concretamente, a sociologia reflexiva é uma sociologia moral que parte do princípio de que o sujeito e o objeto são mutuamente constituídos e o seu programa implica que: 1. realizar a investigação é uma condição necessária mas não suficiente para a maturação da sociologia. O que é necessário é uma nova práxis que transforme a pessoa da sociologia; 2. o objetivo último da sociologia reflexiva é aprofundar o autoconhecimento do sociólogo, de quem e do que ele é, numa dada sociedade num dado momento histórico, e de como o seu papel social e a sua práxis pessoal afetam o seu trabalho de sociólogo; 3. a sociologia reflexiva procura aprofundar não só o autoconhecimento do sociólogo, como a capacidade deste pra produzir informação válida e crível sobre o mundo social dos outros; 4. por isso, a sociologia reflexiva requer informação válida sobre o mundo da sociologia e da metodologia e recursos técnicos para obter , requer também uma adesão persistente ao valor do autoconhecimento que se exprime em todas as fases do trabalho e requer ainda aptidões e técnicas auxiliares que tornem o sociólogo aberto á informação hostil. 81-82
A prática sociológica não é uma prática social como qualquer outra, e muito menos o é se entendida na versão construtivista racionalista do paradigma positivista. 86
A “humanização” dos cientistas é um dos aspectos da complexidade da ciência. A complexidade produz vibrações que se repercutem em todo o edifício teórico e metodológico da ciência. 89
Toda a ciência é interpretativa, e as ciências sociais são duplamente interpretativas. A verificação ou a falsificação das explicações causais ou das regularidades nomotéticas estão sempre subordinadas à avaliação do sentido da interpretação (do contexto da abstração e da generalização) que lhes subjaz. 90
Nas ciências sociais é mais difícil do que nas ciências naturais determinar o distinguir os vários estratos de sentido. As relações internas e necessárias, as estruturas, e os seus poderes emergentes dão decisivos para explicar as ações dos indivíduos e das instituições ... 91
A luta pela interpretação é constitutiva de nossa prática social, e a ampliação ou a restrição do campo da interpretação é o aspecto mais importante dessa luta. 95
A teoria crítica só confirma o existente na medida em que o existente confirma o futuro. Tenderá por isso a levar mais tempo a ser avaliada positivamente e, nesse sentido, a convencionalizar-se. Para os adeptos da teoria, porém, o erro dela é o efeito do erro do mundo nela. 96
O cientismo é um dos pressupostos ideológicos do paradigma da ciência moderna. Para além da afirmação do caráter privilegiado do conhecimento científico, o cientismo defende que os fatos falam por si e que os métodos só são científicos se puderem ser utilizados impessoalmente. 102
O processo de investigação é para o cientista um processo de autoconvencimento, ou seja, um processo argumentativo em que ele, por assim dizer, encarna a comunidade científica sem juízo antecipa. 105
O conceito de anarquismo metodológico é ainda inadequado, porque nenhum cientista “se vê” como anarquista. É que na investigação concreta nunca vale tudo. Há argumentos mais ou menos válidos, mais ou menos convincentes, quer para o cientista naquele tipo de investigação. 109
No domínio da sociologia, os métodos quantitativos dominaram quase desde o início. A proximidade entre o objeto e o sujeito (membros da mesma sociedade) foi, neste caso, considerada excessiva, e a quantidade serviu para criar a distância julgada essencial à produção de conhecimento objetivo. 110
A distinção entre o público e o privado pode ser uma ilusão ontológica mas, uma vez adotada e consagrada socialmente, torna-se mais real do que se fosse simplesmente verdadeira. 111
A paixão é incompatível com o conhecimento científico, precisamente porque a sua presença na natureza humana representa a exata medida da incapacidade do homem para agir e pensar racionalmente. 117-118
A sociologia da ciência pode estudar não só a estrutura cultural da ciência, como o impacto da sociedade na criação dos focos de interesse, na seleção dos problemas, no ritmo do desenvolvimento, etc. Os critérios de validade e as demais condições teóricas e metodológicas serão objeto da filosofia da ciência ou da teoria da ciência, mas nunca da sociologia da ciência. Do ponto de vista da perspectiva positivista em que esta divisão do trabalho intelectual assenta, pode-se dizer que pertence à sociologia da ciência o estudo daquilo que na ciência não é científico. 125
A sociologia da ciência é assim essencialmente apologética da ciência e do seu modo de produção dominante na sociedade capitalista. 129
O processo do conhecimento é também um processo de desconhecimento a um nível muito mais real do que a antecipações filosóficas (Kant, por exemplo) deixavam prever. A ciência pode ser alternativamente analisada (e usada) como sistema de produção de conhecimentos ou como sistema de produção de ignorância. 139
O poder que a ciência exerce na sociedade é o “produto” dialético da relação entre o poder que a sociedade exerce sobre a comunidade científica e o poder que se exerce no seio desta. 142
O conhecimento científico é produzido num contexto específico, a comunidade científica, em que se cruzam determinações de alguns dos contextos estruturais... 155
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