sábado, 16 de agosto de 2008

BOHN, Hilário Inácio & SOUZA, Osmar. Faces do saber: desafios à educação do futuro, organizadores. Florianópolis: Insular, 2002.

Ø A atribuição de sentidos (de significados) a textos escritos difere de sujeito a sujeito, apesar das restrições ensaiadas pelos autores em sua textualização. P. 08.
PAZ E A NECESSIDADE DE REPENSAR A EDUCAÇÃO - Ubiratan D'ambrosio
I. PAZ
Ø a problemática da PAZ deve ser o centro de nossas reflexões sobre o futuro. Violações da paz não se resumem em confrontos militares, que são as guerras. Na verdade, a paz é um conceito pluridimensional. Nosso objetivo deve ser atingir um estado de PAZ TOTAL, sem que o futuro da humanidade estará comprometido.
Por PAZ TOTAL entendo a paz nas suas várias dimensões:
. PAZ INTERIOR - estar em paz consigo mesmo;
. PAZ SOCIAL - estar em paz com os outros;
. PAZ AMBIENTAL - estar em paz com as demais espécies e com a natureza em geral;
. PAZ MILITAR - a ausência de confronto armado.
Paz não é apenas a inexistência de divergências e conflitos. As diferenças e, conseqüentemente, as divergências e conflitos são parte da diversidade que caracteriza todas as espécies, e são, portanto, intrínsecas ao fenômeno vida. Cada indivíduo é diferente do outro. A homogeinização da espécie humana é algo que contraria frontalmente as leis biológicas e(p.9) tem como resultado a anulação da nossa vontade individual, em outros termos, causa a subordinação da nossa consciência e a eliminação dos traços culturais. Essa homogeneização é hoje uma ameaça efetiva em vista das possibilidades atuais de manipulação genética. Ps. 08/10.
II. A CONDIÇÃO HUMANA
Ø A existência de diferenças é natural e o encontro com o diferente são, em todas as espécies vivas, essenciais para a continuidade da espécie. Mas é incrível como, num curto tempo de sua presença neste planeta, a espécie humana tornou esse encontro um ato sujeito à arrogância, à inveja, à prepotência, à ganância e à agressividade. A ética tem como grande objetivo transcender esse comportamento. P. 10.
Ø Minha visão de homem repousa sobre a análise das seguintes categorias:
. COSMOS
. PLANETA
. VIDA, COMO A RESOLUÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE CADA INDIVÍDUO, OUTRO(s) E A NATUREZA
. SOBREVIVÊNCIA DO INDIVÍDUO E DA ESPÉCIE
. HOMEM, COMO UMA ESPÉCIE DIFERENCIADAS
. TRANSCENDÊNCIA(p.10)
. INTERMEDIAÇÕES, CRIADAS PELO HOMEM, ENTRE INDIVÍDUO, OUTRO(s) E NATUREZA
. COMUNICAÇÃO
. COMPORTAMENTO
. CONHECIMENTO
. CONSCIÊNCIA E ÉTICA
O problema fundamental é entender a relação entre o indivíduo e o seu comportamento, isto é, entre O SER HUMANO (substantivo) e SER HUMANO (verbo). Ps. 10/11
Ø Procurando entender que é, o que é, como é, o homem constrói sistemas de explicações que se organizam como história, ciência, arte. E na explicação do quanto pode, concebe o poder. Essas explicações determinam a construção de modos de comportamentos e de conhecimento. P. 11.
Ø As violações da dignidade humana na civilização moderna, que chegam até à exclusão e mesmo eliminação de indivíduos, levam alguns a duvidar da viabilidade de uma sociedade eqüitativa. A agressividade desmesurada a natureza põe em risco a continuidade da espécie.
As distorções da maneira como o homem tem se acreditado induziram poder, prepotência, ganância, inveja, avareza, arrogância, indiferença. P. 11.
Ø O comportamento e o conhecimento se constroem sobre crenças intelectuais basilares, por muitos chamadas paradigmas. Comportar-se e conhecer são identificados com o fazer e o saber. Na filosofia ocidental, que culmina com a chamada filosofia moderna, fazer e saber comparecem como ações distintas. O fazer está associado ao material, ao corpo, ao manual, ao colarinho azul. O saber está associado ao espiritual, à mente, ao intelectual, ao colarinho branco. P. 12.
Ø Quem sabe manda e o fazer é interpretado como um ato de obediência. P. 12.
A VIDA COMO UMA TRÍADE
Ø Os três componentes, o INDIVÍDUO, o OUTRO e a NATUREZA, são mutuamente essenciais. Vida significa a resolução desse triângulo indissolúvel. Nenhum dos três componentes tem qualquer significado sem os demais.
O indivíduo é um organismo vivo, complexo na sua definição e no funcionamento de seu corpo, que age em coordenação com o cérebro, órgão responsável pela organização e execução de suas ações. Um corpo e um cérebro mutuamente essenciais, uma só entidade. P. 13.
Ø Em todas as espécies, na busca de sobrevivência, o indivíduo se sujeita a comportamentos vitais básicos (meios)(p.13)
. reconhece o outro,
. aprende,
. é ensinado,
. adapta-se
. e cruza
com os objetivos (fins) de sobreviver e de dar continuidade à espécie.
Uma questão maior, ainda não respondida, é "Quais as forças que levam os seres vivos a esses comportamentos vitais?".
O homem, como todo organismo vivo, é complexo na sua definição e no seu funcionamento, e está sujeito aos mesmos comportamentos vitais básicos de todo ser vivo. Busca sobrevivência. A sobrevivência depende da resolução do triângulo da vida, que se dá no momento e no local. É uma ação no presente espacial e temporal, uma resposta à pulsão de sobrevivência que se dá aqui e agora.
Mas, diferentemente dos demais seres vivos e mesmo das espécies mais próximas, o homem busca algo além da sobrevivência. Algumas vezes até rejeita sua sobrevivência..
AS INTERMEDIZAÇÕES CRIADAS PELA ESPÉCIE HUMANA.
Ø Onde se situa a diferença de comportamento entre a espécie humana e as demais espécies?
O comportamento humano resulta de duas grandes pulsões:
a sobrevivência, do indivíduo e da espécie que, como em toda espécie viva, se situa na dimensão do momento;
a transcendência do espaço e do tempo que, diferentemente das demais espécies, se situa numa outra dimensão, levando o homem a indagar "por quê?", "como"?", "onde?", "quando?".
Sobrevivência e transcendência guardam uma relação simbiótica e distinguem o ser humano das demais espécies. Na resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência surgem intermediações nas relações essenciais do indivíduo coma natureza e com o(s) outro(s) e o homem incursiona no passado, buscando explicações, e no futuro, buscando predições. Nesse incursionar gera conhecimento, que é reconhecido nas habilidades, nas técnicas, nos mitos e nas artes, nas religiões e nas ciências. No encontro com o outro, que também estás em busca de sobrevivência e de transcendência, desenvolve-se a comunicação, o que permite compartilhar o conhecimento gerado pelo indivíduo. O conhecimento compartilhado por um grupo e por uma sociedade vai dar um dos componentes básicos do que se chama cultura.
A diferença essencial entre a espécie humana e as demais espécies é o fato de termos criado, ao longo da nossa evolução, instrumentos, comunicação, principalmente a linguagem, e um sistema de produção, que servem de intermediações para a resolução do triângulo da vida.(p.15)
INDIVÍDUO - instrumentos/tecnologia - NATUREZA

Comunicação produção
Emoções trabalho

OUTRO(s) SOCIEDADE Ps. 15/16.
Ø Embora usualmente identificada como a mente, a consciência é uma realidade inerente à condição humana, que subordina o instinto. A consciência é responsável pela integração da pulsão de sobrevivência com a pulsão de transcendência.
O conceito de consciência é de maior importância para um novo pensar. Mais uma vez ouvimos Sri Aurobindo:
"Consciência não é apenas o poder de percepção das coisas, é ou possui também uma energia dinâmica e criativa. Pode determinar suas próprias reações ou abster-se das reações; pode não apenas responder a forças, mas criar ou lançar forças de si própria." P. 16
VALORES
Ø O comportamento de cada indivíduo é aceito pelos seus próximos quando subordinados a parâmetros, que denominamos valores, e que determinam os acertos e equívocos na(p.16) produção das intermediações criadas pelo homem para sua sobrevivência e transcendência. Ps. 16/17.
Ø Uma excursão pela história revela que novos meios de sobrevivência e de transcendência fazem com que valores mudem. Mas, alguns valores permanecem:
. respeito pelo outro (diferente),
. solidariedade com o outro,
. cooperação com o outro.
Esses valores constituem uma ética maior, sem a qual a qualidade de ser humano se dilui. P. 17.
Ø A transdisciplinaridade, assumindo a inconclusão do ser humano, rejeita a arrogância do saber concluído e das certezas convencionais e propõe a humildade da busca permanente.
O comportamento humano responde às pulsões de sobrevivência e de transcendência, que estão intimamente ligados. Vai além de comportamento orientado pelo cérebro. Existe algo mais: a mente, que tem intrigado os filósofos desde a antigüidade, e a consciência, igualmente intrigante.
Mas e o corpo? Serão corpo e mente desvinculados? Vejo corpo e mente como mutuamente essenciais. O maior equívoco da filosofia ocidental tem sido considerar o homem como um corpo MAIS um mente, e separar o que sentimos do que somos. O conhecimento tem focalizado corpo e mente, muitas vezes privilegiando um sobre o outro.
. PENSO, LOGO EXISTO?
. NÃO! EXISTO PORQUE RESPIRO, BEBO, COMO, EXCRETO, INTUO, CHORO e RIO, e PENSO.
E faço tudo isso diferentemente das demais espécies vivas, porque sou ao mesmo tempo sensorial, intuitivo, emocional, místico e racional. P. 18.
OS PARADIGMAS NEWTONIAMOS E OS CHAMADOS NOVOS PARADIGMAS
Ø No século XVII, Galileo Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) criaram as bases conceituais sobre as quais Issac Newton (1642-1726) produziu seu trabalho monumental, que explica certos fenômenos naturais, e que foi rapidamente ampliado para explicar o comportamento humano. Esse sistema de explicações repousa sobre uma matemática muito equilibrada, principalmente o Cálculo Diferencial, que se estabeleceu como a linguagem por excelência do paradigma científico proposto por Newton. A matemática se tornou protótipo das chamadas ciências exatas ou ciências duras.
Alguns dos importantes valores aceitos pela modernidade, tais como precisão, rigor, certeza, verdade, estão intimamente associados ao pensar matemático. São, portanto, valores vulneráveis. Na busca de um conhecimento mais amplo não será possível rejeitar outros modos de pensar e outras visões da natureza do mundo mental, físico e social que são parte de "outras" maneiras de formular e organizar conhecimento. P. 20.
Ø As sociedades humanas modernas são grupos de indivíduos que se comportam em conformidade com normas e(p.20) valores estabelecidos ao longo da história, resultado de tradições e eventos.
III. UMA PROPOSTA EDUCACIONAL
Obediência e ética
Ø A obediência é muitas vezes resultado de temor de represálias pela autoridade legítima. Poder é muitas vezes identificado associado à obediência. Desde o temor de punição eterna, num cenário místico, até o temor de punições físicas, como suplício, mutilação e morte, materiais, como multas e confiscos, e morais, como censura, confinamento e exclusão.
A ameaça de represálias geralmente não está explícita no discurso que respalda o poder. A obediência se obtém de maneira mais sutil, sem recursos às ameaças. Muitas vezes se dá através de recompensas, tais como prêmios, distinções e cooptação nos círculos de poder. A cooptação é a estratégia mais forte de manutenção do poder e repousa na aceitação de um sistemas de valores.
No sistema de valores estão incorporadas as atitudes com relação ao outro, que se estendem a grupos de outros identificados por características étnicas, culturais e religiosas. A partir daí se constroem os fundamentalismos, comuns nas sociedades, com os mais variados graus de intensidade.
A percepção, pelo outro, de uma ameaça, é o ponto de partida para a intolerância, e a partir daí se parte para a defesa preventiva, que leva inevitavelmente ao ataque. P. 22.
Ø Devemos subordinar o sistema de valores a uma ética maior, uma ética que cruze culturas e que coloque prioridade na sustentação do triângulo da vida. Uma proposta é a ética da diversidade:
RESPEITO pelo outro com todas as suas diferenças;
SOLIDARIEDADE com o outro na satisfação das necessidades de sobrevivência e transcendência;
COOPERAÇÃO com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum.
Essa é uma ética que conduz à PAZ INTERIOR, à PAZ SOCIAL e à PAZ AMBINTAL, e conseqüentemente, à PAZ MILITAR. Atingir essa PAZ TOTAL é o objetivo maior da educação. Como organizar os sistemas educacionais em função desse objetivo maior?
SOBRE CURRÍCULO
Ø Currículo é a estratégia para a ação educativa.
O ponto crítico é a passagem de um modelo de currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sócio-cultural e a prática educativa nele inserido. O currículo, assim como a educação em geral, tem privilegiado o racional. A ponto de se identificar inteligência com desempenho intelectual, e atribuir a indivíduos um QI (quociente de inteligência), baseado em testes e medidas de natureza estatística, que seria como um(p.23) indicador de talentos, e de seu desempenho em situações futuras, tomadas de decisão e solução do inúmeros problemas que o cotidiano nos oferece. A utilização do QI como selecionador teve conseqüências funestas na educação e se tornou um importante instrumento discriminatório.
Na década de 60, alguns psicólogos, particularmente Carl Rogers, propuseram maior ênfase no afetivo e emocional. Ps. 23/24.
Ø Recentemente, uma abertura significativa foi dada por Danh Zohar e Ian Marshall, ao reconhecer uma inteligência espiritual, como
"a inteligência com que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor, a inteligência com a qual podemos pôr nossos atos e nossas vidas em um contexto mais amplo, mais rico, mais gerador de sentido, a inteligência com a qual podemos avaliar que um curso de ação ou caminho na vida faz mais sentido que outro."
Assim, vamos caminhando para reconhecer que o comportamento humano é, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo sensorial, intuitivo, emocional, místico e racional. P. 24.
Ø O currículo dinâmico parte do reconhecimento que nas sociedades modernas as experiências e interesses dos indivíduos são distintas e, portanto, as classes são heterogêneas, tendo alunos de interesses variados e detentores de uma enorme gama de conhecimentos prévios. Todos esses alunos têm potencial criativo, porém orientados em direções imprevisíveis e com as motivações mais variadas. O currículo, isto é, a estratégia da ação educativa, depende de facilitar a troca de informações, conhecimentos e habilidades entre alunos e professor/alunos, através de uma socialização de esforços em direção a uma tarefa comum. Essa tarefa comum pode ser um projeto, uma discussão, uma reflexão e inúmeras outras modalidades de ação comum, em que cada indivíduo contribui com o que sabe, com o que tem, com o que pode, levando ao máximo o seu empenho na concretização do objetivo comum. Sintetizando, o currículo dinâmico é uma estratégia de ação comum e repousa sobre três etapas que se desenvolvem simultaneamente:
. motivação, resultado de condições emocionais e da interface passado/futuro;
. elaboração de novo conhecimento mediante troca/construção/reconstrução de conhecimentos;
. socialização mediante a realização de tarefas comuns. P. 25.
Ø A visão holística, ou da transdisciplinaridade, ou da complexidade e tantas outras denominações apontam, essencialmente, para a integralidade do homem, como entidade inserida numa ampla realidade cósmica, e cujo comportamento é resultado de fatores sensoriais, intuitivos, emocionais, místicos e racionais. As implicações dessa visão ampla para a educação são promissoras.
No comportamento humano está implícito um sistema de valores. Vivenciar esse sistema de valores no cotidiano é o código de conduta que pode redimir o ser humano.
Esse vivenciar implica, muitas vezes, desobediência a ordens e normas de conduta. Alguns se sentem encorajados a essa desobediência numa ação de grupo. São transgressões que, mesmo sujeitas à repressão, deflagram os grandes movimentos sociais. P. 27.
Ø A conduta que pode conduzir o ser humano à redenção resulta de se atingir o estado de consciência, quando conhecimento e comportamento estão solidários.
NOTAS
Ø A espécie humana é a única a praticar suicídio. Há uma forma de suicídio de células cancerosas e mesmo prática individual do suicídio em algumas espécies, mas obedecendo a mecanismos fisiológicos. Suicídio sem o objetivo maior de dar continuidade à espécie é conhecido somente na nossa espécie. P. 29.
Ø Basta atentar para o fato que um dos crimes mais execráveis, que é o seqüestro para retirada de órgão, só é possível com a participação de médicos e engenheiros com formação especializada. P. 30.

EPISTEMOLOGIA SOCIAL - Possível origem e alguns momentos de seu percurso
Adolfo Ramos Lamar
A POSSÍVEL ORIGEM DA EXPRESSÃO "EPISTEMOLOGIA SOCIAL"
Ø Para entender, o contexto no qual apareceu essa expressão, devemos assinalar que nos anos 50, diversos estudiosos da Biblioteconomia estavam preocupados, entre(p.33) outras coisas, em estabelecer qual deveria ser a sua Filosofia, e em particular em identificar qual deveria ser a função social da Biblioteca e do bibliotecário e como deveria ser educado. Nesse sentido, S. MUELLER (1984) ressalta que M. EGAN (1978) - num trabalho publicado em 1955 - sob a influência do evolucionismo de H. Spencer, assinala que a biblioteca é uma instituição social que evolui interagindo com a estrutura social na qual está e ajuda ao desenvolvimento social. A sociedade e suas instituições, e, portanto, a biblioteca, evoluem de forma semelhante aos organismos vivos já que estão continuamente se adaptando, diferenciando e coordenando passando do simples ao complexo. A biblioteca é uma instituição social, uma agência cultural que tem como função organizar o conhecimento, difundir os produtos culturais e gerenciar o fluxo do conhecimento registrado. Ps. 33/34.
Ø Na opinião de SHERA (1977), 0 aumento do volume e da complexidade do conhecimento humano promove sua interdependência, fragmentação, centrifugação, ou seja, estimula a especialização, sendo necessário estudar as formas de coordenar e integrar o conhecimento numa organização social complexa. Tal tarefa seria realizada pela "Epistemologia Social". A grande afinidade entre esta e a Biblioteconomia deve-se a que esta última - que tem por objetivo aumentar a utilidade social dos registros gráficos - precisa muito do gerenciamento do conhecimento - tem fundamentos epistemológicos, ainda que alguns não aceitem isso. P. 34.
Ø Na idéia de FULLER (1997), a "Epistemologia Social" defende uma maior participação dos não cientistas nas discussões sobre a ciência e o aprofundamento nas condições sociais de produção de conhecimento. A "Epistemologia Social" se preocupa com as questões políticas e éticas da metateoria normativa do conhecimento científico, o qual não foi quase abordado pela filosofia analítica. P. 38.
Ø A "Epistemologia Social" está inserida nos "Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia", junto com a Sociologia, Economia Política, Retórica, História e Filosofia da Ciência, e os Estudos de Ciência-Tecnologia-Sociedade e Análise de Discurso. Nesse sentido, ele postula uma visão interdisciplinar da Ciência que poderá permitir reorganizar internamente a academia e suas relações com a sociedade. Ao mesmo tempo defende a idéia de uma maior participação da sociedade nas discussões sobre a ciência, e não deixar isso só com os "experts". Isso contribuirá para uma "prática emancipatória".
EPISTEMOLOGIA SOCIAL DA EDUCAÇÃO
Ø Com relação ao aparecimento na pesquisa educacional de trabalhos relacionados com a "Epistemologia Social", é importante fazer referência a Thomas Popkewitz, que é um dos autores que mais trabalha essa posição na área da Educação. A posição dele está muito influenciada pela Sociologia Política, já que considera a escolarização, inclusive as reformas educacionais, como muito impregnada de relações de poder. Nessa linha, ele, analisando particularmente a Reforma Educacional nos Estados Unidos da América, diz:
"Este estudo considera a mudança como um problema de Epistemologia Social. a Epistemologia proporciona o contexto dentro do qual devem ser consideradas as regras e os modelos através dos quais o mundo é formado, as distinções e categorizações que organizam as percep-(p.39) ções, as formas de responder ao mundo e o conceito do self. Ao mesmo tempo, a Epistemologia Social toma os objetos que compõem o conhecimento da escola definindo-os como elementos da prática institucional, dos padrões de poder historicamente formados que fornecem estrutura e coerência aos caprichos da vida diária. Considerando, por exemplo, os conceitos variáveis de reforma, profissionalismo e ciência educacional como componentes de um contexto material que os conceitos tanto descrevem como incorporam. Essas palavras adquirem significado no contexto de um complicado conjunto de relações que se combinam para produzir a escolarização. Uso a frase Epistemologia Social para fazer do conhecimento da escolarização uma prática social acessível ao questionamento sociológico; a intenção é enfatizar a inserção social e relacional do conhecimento nas práticas e aspectos do poder." (POPKEWITZ, 1997:23). Ps. 39/40.
Ø Desde a perspectiva de FULLER, a Epistemologia tem que ter como um de seus princípios o caráter social do conhecimento e rejeitar a distinção entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação. Sua "Epistemologia Social" está ancorada na defesa de uma grande interpenetração entre ciência e sociedade, daí que defende a maior participação da sociedade na agenda da ciência, portanto, esta não seria só consumidora. P. 43.
Ø Da mesma forma, devemos destacar que na pesquisa educacional existe luta entre diversas visões sobre como atua o social nos critérios de cientificidade, nas estratégias de pesquisa, na avaliação do planejamento, no andamento e término da pesquisa, na discussão sobre a existência não de verdade, na relação teoria e prática, na relação teoria e experiência, na definição do conceito de racionalidade. P. 44.

POLÍTICAS DE MODERNIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL - A Reforma Universitária de 1968 e a LDB/96
Stela Maria Meneghel
1. INTRODUÇÃO
Ø Este trabalho tem por objetivo analisar a Reforma Universitária de 1968 (RU/68) e a LDB/96 que alteram a legislação do Ensino Superior no Brasil. O foco da análise é a associação das atividades de ensino e pesquisa, que caracteriza o 'modelo moderno' de Universidade. P. 47.
2. MODERNIZAÇÃO E UNIVERSIDADE MODERNA
Ø Os conceitos de modernidade e modernização são foco de discussão e controvérsia no âmbito das Ciências Sociais. É freqüente a associação entre modernidade e capitalismo, uma vez que o início da Era Moderna é concomitante à formação e organização dos Estados-nação deste que se formou o capitalismo nacional (atualmente internacionalizado e sem território). Mediados com sua relação com o Estado, modernidade e modernização são termos utilizados como reflexo de características relacionadas ao capitalismo - tais como capacidade de desenvolvimento tecnológico e industrial, acumulação e concentração de capital.
A idéia de modernização seria, originalmente, uma referência ao processo de 'ocidentalização' ou 'europeização' por que passaram Alemanha e Japão, na primeira metade do século XX, ao buscarem, via industrialização, assimilar e incorporar ao seu desenvolvimento a tecnologia de países paradigmaticamente adiantados - Inglaterra e França. Modernização refere-se, portanto, ao caminho ou processo que conduz à modernidade. Pode haver vantagens no 'atraso' da(p.48) modernização: queimam-se etapas sem pagar, em termos sociais e econômicos, o alto preço da liderança. Mas o atraso também pode revelar um 'enfermidade': a incapacidade de a modernização atingir a modernidade. É na forma de uma 'patologia' que este fenômeno, próprio de países em desenvolvimento, como o Brasil, tende a ser visto (FAORO, 1992:7). Ps. 48/49
Ø O conceito de Universidade como instituição voltada à ciência e à pesquisa surgiu, portanto, na Alemanha. Seu caráter moderno verifica-se em contraposição à Universidade cuja herança/tradição medieval impunha organização e temas limitados aos interesses da Igreja. A instituição universitária, segundo o novo conceito, foi idealizada...
"...para reelaborar e criar novos conhecimentos, para elaborar cultura. A ela coube integrar, em sua própria origem, as funções de pesquisa e ensino e não apenas fazer o comentário, a eventual reelaboração e a transmissão dos conhecimentos existentes e da verdade constituída..."(FAVERO, 1977:83).
3. BREVE HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL
Ø Mas a criação da primeira Universidade brasileira deuse apenas em 1920, por Decreto do Governo Federal, pela justaposição de três escolas superiores já existentes (Medicina, Direito e Engenharia), sem pontos em comum entre si e sem preocupação com a investigação científica - sequer mencionada no decreto que a instituiu. Ela "em nada modificou as escolas superiores existentes e a Universidade recém-criada passou a ter existência apenas nominal. Sua criação processou-se sem debates e discussões, tendo sido recebida sem nenhum interesse e entusiasmo" (FÁVERO, 1977: 28-29). P. 51.
Ø Mas, ao mesmo tempo em que a comunidade acadêmica buscava implementar medidas modernizadoras, o Congresso aprovou, em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases número 4.024 (LDB) que, partindo da heterogeneidade existente entre as IES do país, facultava a realização da pesquisa e facilitava a disseminação de escolas isoladas. Desta forma, regulamentava a expansão do setor (especialmente pela iniciativa privada) sem estimular a investigação científica. Segundo a LDB, as Universidades seriam exceção, devendo caracterizar-se pela universidade de conhecimento e, também pela associação ensino e pesquisa. P. 53.
4. LDB/96: UNIVERSIDADE NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO E DO NEOLIBERALISMO
Ø A partir da década de 80, a globalização do capitalismo e sua repercussão nos Estados nacionais levou à passagem do modelo de Estado intervencionista e de bem-estar para(p.55) neoliberal, atuando como 'regulador' do mercado e promotor da competividade (TORRES, 1995:113). Na educação, as influências da globalização implicam novos espaços e meios de acesso ao conhecimento, mas também atingem, de forma substantiva, a determinação dos seus objetivos/fins. Considerada porta de acesso ao conhecimento tecnológico e base da III.ª Revolução Industrial, a educação é primordial, pois as alterações no modo de produção capitalista contemporâneo demandam a formação de um novo tipo de profissional:
"... a nova economia reclama por trabalhadores com grande capacidade de aprender a aprender, capazes de trabalhar em equipe não só de maneira disciplinada, mas criativa..." (TORRES, 1995:120).
No Estado neoliberal, os fornecedores de serviços, inclusive na área educacional, passam a competir livremente em busca de clientes, pois, a princípio, o aumento da oferta proporciona maior qualidade. Mas, em um país de economia periférica como o Brasil, em que a tecnologia utilizada na produção de bens é importada pelas empresas multinacionais nele estabelecidas, o papel reservado às escolas é de meras formadoras de mão-de-obra qualificada para o mercado. A capacitação em pesquisa, a produção de conhecimento e o desenvolvimento em C&T feitos nas Universidade tornam-se desnecessários, do mesmo modo que a transmissão de cultura e a formação de cidadãos. E proposta de diferenciação de instituições (de acordo com a 'necessidade dos clientes') e diversificação de fontes de financiamento (aporte de recursos do setor produtivo e poupança familiar ) são sinônimos de ajuste à nova fase de desenvolvimento do capital e passam a ser objetivos de reformas no setor. A 'modernização' da Universidade, neste contexto neoliberal, significa torná-la apta a atender demandas do mercado e da 'clientela' (ávida por treinamento que a torne competitiva no mercado), com menor 'custo' para o Estado. Ps. 55/56.
Ø Deste modo, verifica-se que a atual crise na Universidade brasileira (RISTOF, 2000), visível na falta de recursos, no elitismo e na sua 'incapacidade' (desinteresse do Estado) de realizar pesquisa de qualidade, não pode ser considerada exclusivamente uma conseqüência do 'esgotamento do modelo moderno', tal como ocorreu nos países centrais. Trata-se, na verdade, da crise de uma instituição que não mais contribui para um 'projeto' de país e que deve 'adaptar-se' a um Estado que não quer 'pagar a conta' de serviços 'caros', como a pesquisa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø Uma análise da trajetória da Universidade, ao longo dos séculos, mostra a capacidade que esta instituição cultivou de adaptar-se ao contexto em que está inserida, atendendo às(p.58) necessidades deste. Sua sobrevivência manteve-se alijada ao princípio de transmitir e produzir conhecimentos e, através destes, responder a questões que afligiam a sociedade. Mas tal capacidade não se deveu ao fato dela manter-se à procura de soluções para problemas específicos, e sim ao espírito científico, ao princípio de busca do conhecimento.
Em países como o Brasil, onde a limitação de recursos para o desenvolvimento científico é maior e a crise econômica é agravada por enormes desigualdades sociais, as transformações em curso nas IES trazem preocupações adicionais aos dos países centrais. Mais que uma adaptação, exige-se uma reflexão/'refundação' da Universidade em termos dos seus objetivos institucionais e sociais. Faz-se preciso analisar, profunda e globalmente, seus propósitos e ações, dar perspectiva aos seus problemas e repensar objetivos, de modo a corrigir desperdícios, falhas de gestão, eliminar interesses corporativos. Do mesmo modo que a Universidade é crítica com relação à sociedade, deve sê-lo consigo mesma. P. 59.
Ø Neste sentido, a utilização de recursos como a avaliação, interna e externa, estímulo à auto-reflexão, pode ser fundamental. Não a avaliação regida por critérios limitados à lógica empresarial e economicista, fragmentadores e redutores da realidade, visando maior produtividade e rentabilidade. Mas à voltada à construção de novos tipos de sociedade, com condições mais justas, preocupada com a construção de atitudes, conhecimentos (não 'instrumentalidades') e valores nos indivíduos (DIAS SOBRINHO, 2000:70-71). P. 60.
NOTAS
Ø Os modelos universitários alemão e francês, os de maior influência sobre as reformas do ensino superior em todo mundo, privilegiaram, respectivamente, Razão e Estado como idéia mestra (GOERGEN, 2000:106-107). P. 60.
Ø As escolas superiores no século XIX, eram organizadas formalmente "...como um serviço público, mantidas e controladas pelo governo e voltadas, sobretudo, para a preparação de profissionais liberais... para uma sociedade essencialmente agrária e dependente... serviam de instrumento para a ascensão social, manutenção e consolidação do regime" (FÁVERO, 1980:31-32).

KEIM, Ernesto Jacob. A complexidade do saber, das certezas e da condição humana: ser como ser. In: BOHN, Hilário Inácio & SOUZA, Osmar. Faces do saber: desafios à educação do futuro, organizadores. Florianópolis: Insular, 2002.


Ø O saber e a certeza são parte significativa da natureza e da organização da condição humana, somo Ser, único insubstituível.
A educação é parte substancial para a construção destas condições e como tal, deve ser encarada em sua dimensão de pluralidade, de singularidade, de não linearidade e de permanente transformação e integração, através de inúmeras e sucessivas desinstalações e interações.
A educação, neste contexto, pode ser vista como agente de desarmonização e da desequilibração e não de harmonia e equilíbrio social como muitos autores a ela se referem. Através destas sucessivas mudanças a educação pode animar, facilitar e promover a integração dos diferentes, do inusitado e do inesperado. A harmonia e o equilíbrio como fim da educação podem conduzir os humanos para uma perigosa acomodação que contraria sua condição de Ser inquieto e portador de pluralidade e individualidade ímpar, inserido em um meio que a todo momento se altera e se organiza de forma caótica e casual.
Todos os humanos como o meio no qual estão imersos se caracterizam por incorporar, como sendo sua natureza e(p.63) identidade funcional, uma dimensão de não linearidade o que, em princípio, impede que exista previsibilidade em suas ações e reações. Este perfil, casual e também quântico e relativo, e por isso complexo, permite que se considere a atividade humana e suas relações com seu meio interno e com o meio externo no qual estão imersos, como uma dinâmica auto-eco-organizativa. A organização da sociedade através da cultura e da educação interfere sobremaneira neste processo, moldando e adaptando os humanos às suas regras, exigências e particularidades.
Temos aí um primeiro e fundamental confronto de identidade. Somos o que somos, somos o que nos fazem ser ou somos o que permitimos que façam conosco?
Esta questão nos remete a outra que trata da identidade de Ser que trazemos do útero. Quais são as atitudes dos humanos que se caracterizam como expressão de sua animalidade e quais são reflexo do contexto cultural e social que lhe foi impingido? Estas questões ocupam muitos estudiosos e são também origem de muitos desastres que se manifestam através de preconceitos e imposições étnicas. Ps. 63/64.
Ø Vivemos numa sociedade em permanente conflito entre o que somos e o que permitimos que façam conosco. É urgente que se tenha consciência do que estamos permitindo que façam de nossas vidas. P. 66.
Ø A educação neste contexto ocupa papel de grande relevância, à medida em que ela é assumida na radicalidade de sua condição como instância política.
Ela é política pelo fato de "navegar" a todo o tempo no universo dos inúmeros poderes que permeiam a condição de humano que tem vontade e desejo e faz julgamentos apoiados em valores, apesar de estar inserido em contexto social que possui seus próprios valores. Como humanos temos poder de pensar, reagir, interferir, seduzir, comprar, vender, atuar, omitir, avançar, recuar, etc...e como humanos inseridos num meio histórico e social estamos submetidos também a inúmeros poderes como as regras, as leis, os preconceitos, as tradições, os costumes, etc... . Entendo, assim, que a política é a(p.66) consciência dos poderes que possuímos e aos quais estamos submetidos, é a discussão em torno destes poderes e é o conhecimento dos compromissos que selamos e honramos em função dos poderes que possuímos e dos poderes aos quais estamos submetidos.
O Homo como Ser é eminentemente político, é histórico e não pode ser por isso harmônico nem equilibrado. O Humano em sua condição de animalidade pura é apolítico, pois lhe falta a consciência e a capacidade de se comprometer com valores e por não conseguir projetar o futuro considerando a lembrança e as experiências acumuladas do passado. O Homo como Ser tem consciência de sua condição como agente dinâmico que mantém e transforma tudo que está à sua volta. Esta condição o faz consciente de que é impulsionador inteligente e movido por desejos e paixões na dinâmica auto-organizativa do meio em que atua, em suas dimensões biológica, psicológica, social e transcendente. Ps. 66/67.
Ø Reforçando esta posição, volto a Lutero, quando disse que, se soubesse que morreria no dia seguinte, se apressaria naquele momento para plantar uma macieira. Esta postura de liberdade e autonomia temporal mostra o compromisso com o futuro, hoje comi a maçã de uma macieira que alguém plantou, por isso devia ao futuro uma ação equivalente.(p.68)
Ø Esta dimensão de posicionamento e de compromisso com a vida podem ser referenciais interessantes para que se pense a forma como a educação pode questionar as certezas e os saberes transformando-os em novos problemas como propôs A. Einstein. É papel da escola consolidar a postura de enunciar questões apoiadas nos saberes a partir de discussão e do fazer comprometido com a partilha e com a inclusão. Considero importante analisar as certezas como- O que vem a ser nascer? Nós de fato nascemos...: durante a penetração do espermatozóide no óvulo que nos originou; no momento em que a mórula que fomos passou a ter células diferenciadas; quando passamos de embrião para feto; quando saímos do útero; quando nos tornamos adultos ou foi quando nos tornamos economicamente ativos?
- Uma roseira proveniente de um galho enterrado. Ela nasceu quando foi enterrada; quando a roseira original se formou a partir de uma semente ou quando surgiram as primeiras radículas?
- O que caracteriza o desenvolvimento de um vivente?(p.70)
Será o cumprimento de um código previsto no DNA das células do vivente?
- Crescer significa ficar mais complexo ou com maior quantidade?
- Reproduzir é fazer outro igual? Será que existem dois iguais? Será possível que uma célula ao se partir ao meio se reproduziu ou passa a ser duas partes ao invés de apenas uma?
- Morrer. Quando um humano pode ser considerado morto? Será quando o coração pára de bater ou será quando o cérebro deixa de decodificar estímulos e produzir respostas?
Estes questionamentos nos fazem refletir sobre a multiplicidade que vem a ser saber e que, por extensão, nos remete ao que significa conhecer. Ps. 70/71.
Ø Tanto saber como conhecer são dois conceitos que devem ser estudados e discutidos a partir da historicidade do tema, do contexto aso qual está inserido o objeto do estudo e do cotidiano no qual está imerso o que se pretende pesquisar. Saber e conhecer devem ser vistos a partir de uma dimensão não linear que contempla sucessivas construções e desconstruções. P. 71.
Ø Temos de substituir o ensino que vai das partes para o todo e do simples para complexo, por um ensino que parta do complexo para o simples e do todo para as partes. Não tem sentido estudas as moléculas para entender a vida das células. Estudar os elementos sem ver o todo e sem partir do todo é um conhecimento cego para surdos. P. 72.
Ø - Temos clara dimensão política do que ensinamos e ao considerar os poderes inerentes aos conteúdos, à nossa postura, à ordem do que ensinamos, à escolha da bibliografia?
- consideramos a dimensão histórica como processo de inserção e integração do objeto de estudo e das pessoas envolvidas?
- Valorizamos a dimensão dos valores e dos julgamentos implícitos ao tema em estudo?
- Discutimos a inserção social do que ensinamos numa perspectiva de qualidade de vida que promova partilha e inclusão?
Ø Há que se assumir a postura de criticidade como forma de estudo que promova a reflexão dos saberes, dos conhecimentos e das certezas, numa perspectiva de transformação dos sujeitos envolvidos considerando a capacidade e a dinâmica auto-organizativa, não linear, efetiva e emocional e, portanto, complexa dos humanos que se dispõem a optar pela condição de serem Ser e não apenas objeto de consumo e manipulação de ideologias espúrias e anti-vida que muitas vezes a educação e os educadores se colocam como agentes contaminados e(p.73) transmissores muitas vezes inconscientes e não conhecedores de sua condição de agente infectante deste vírus que é a ignorância disseminada pela educação movida apenas por bons costumes, bons sentimentos e boas intenções. Ao educador não pode ser permitida ignorância sobre sua condição e sobre sua importância como agente esclarecido da condição humana. ps. 73/74.
Ø Hoje produzimos alimento para alimentar 11 bilhões de bocas, mas 800 milhões de pessoas passam fome, do total da população mundial, constituída por 6 bilhões de pessoas.
Devemos pensar sobre a importância do progresso. Será que necessitamos transgênicos para produzir mais alimentos? Será que os carros atuais são melhores que os de 50 anos atrás pelo fato de produzirem menos poluentes, terem menor durabilidade e maior segurança? P. 74.
Ø A ciência com esta aura de impunidade e imputabilidade assume cada vez mais poderes de vida e de morte e sobre a vida e a morte. O desenvolvimento sem controle das interações da ciência, da técnica e dos conhecimentos, leva o planeta a uma situação de imprevisibilidade e de insegurança sobre o que pode se pensar como seu futuro tanto pela poluição, quanto pela degradação múltipla da biosfera. Nós os humanos que usufruímos o que a ciência faz, que desenvolvemos a ciência e as técnicas e que deixamos que tudo aconteça sem controle, somos diretamente responsáveis por tudo que acontece. Esta é uma posição política que deveria ser parte da consciência e do dia a dia de cada cidadão ocupante da biosfera. O estado que deveria ser um agente de controle é muitas vezes o agente financiador dos agentes que promovem e provocam a morte e ações anti-vida.
As conferências internacionais soam sempre como alguma luz no fundo do túnel, mas infelizmente pouco acontece além da assinatura de protocolos de compromissos que nunca deixarão os papéis onde foram impressos. Os habitantes conscientes do mundo e amantes da vida deveriam se empenhar na cobrança da execução desses protocolos. P. 76.
Ø Todas estas posições de sociedade, de ciência e de educação frente ao saber e às certezas, deveriam passar pelo crivo rigoroso e radical da ética vista como ações radicais a favor da vida, sem se importar com os padrões e critérios sociais. A radicalidade a favor da sociedade e de seus contratos é matéria de moral.
Atualmente, o controle ético das ações humanas e governamentais está subordinado aos interesses políticos de diferentes grupos multinacionais ou paranacionais. Assim cabe a pergunta sobre qual é o espaço viável para a condição humana integrada como vida plena, neste contexto dominado por estes saberes e estas certezas?
A Bioética teria, em tese, de dizer se um experimento deve ter continuidade ou se as pesquisas devem ser paralisadas, mas, infelizmente, ela está acuada e restrita aos debates acadêmicos não lhe sendo dada a devida importância,(p.77) mantendo-a imponente como valor e ação restrita apenas como argumentos em debates e discussões.
Nossa educação vive sob a predominância do mercado e o quadro descrito acima interessa à economia, pois tem parceiros voltados para o lucro e não para a vida dos Seres, mas para a saúde das empresas e dos contratos como ressaltou muito bem Hayeck, o pai do neoliberalismo, ao alertar sobre os perigos do que acabava de formular.
Tudo é calculado e previsto pelos detentores do poder. A criticidade da população é controlada aos limites de seus interesses, dificultando que a educação altere o estado de alienação da sociedade, a fim de impedir que ocorra alguma alteração no quadro de previsibilidade necessário para a ação da economia. Estes cálculos e esta previsibilidade restringem os limites da vida sem considerar referenciais como felicidade, sentimentos, prazer, compaixão, solidariedade e cumplicidade a favor da vida.
A racionalidade econômica não estuda o sofrimento, a alegria e a dor para superá-la, mas pode ser que a economia se engendra em estudar esses aspectos para entender e conhecer quais são os limites suportáveis, de dor e sofrimento para estabelecer seus limites de ação. Ps. 77/78.
Ø A humanização é uma aventura de sobrevivência e como tal deve ser analisada numa perspectiva caótica, quântica, relativista, casual e complexa.
Somos animais que criam culturas e linguagens. A cultura gera as mente que pode ser comparada à energia de criação de novas habilidades. P.79.
Ø As sociedades existem porque os indivíduos interagem e decidem. A sociedade está no indivíduo e vice-versa.
A sociologia deve mostrar o social com suas implicações junto ao religioso, ao imaginário e ao mito. Também a literatura e a poesia não são luxos, mas precisam ser encarados como importantes agentes para o entendimento da natureza dos sujeitos na dimensão de sua intimidade e de sua natureza afetiva e emotiva.
A poesia e as demais formas de manifestação artística podem dar uma nova e mais profunda característica do todo humano. P. 79.
Ø - Será que conseguiremos implantar a tempo um nível de consciência através de um processo de elevação do nível de consciência para se poder preservar a humanidade?
- Uma reforma do ensino e do pensamento se fazem urgentes e imprescindíveis, mas qual é a vontade política em nível mundial para que ela seja executada?
- De que forma nossa cultura, de forma como está, possibilitará a determinação do que é bom, necessário e possível para a vida e a plenitude dos humanos como Seres?
- Quais são as melhores utopias? Sobre quais referenciais faremos esta reflexão? O pensamento complexo, por ser não linear, poderá se apresentar como uma alternativa geradora de uma ética global? P. 81.
Ø Não se pode esperar que o progresso seja anúncio obrigatório de melhorias. O progresso não é tudo. Mas devemos perguntar se o mundo resistirá à força da barbárie que se agiganta a cada dia.
A meu ver a esperança está na melhoria e no progresso das mentes e dos espíritos, que entendo, poderá advir de uma educação que tenha como propósito desenvolver cada vez mais o Humano que todo mundo traz dentro de si desde sua concepção para que possa alcançar sua plenitude como Ser integrado e comprometido com o bem estar da vida e dos humanos na plenitude de todos os potenciais inerentes e integrados pela biosfera. P. 82.

WITTMANN, Lauro Carlos. Educação e o devir humano: a dimensão sócio-histórica da prática social da educação In: BOHN, Hilário Inácio & SOUZA, Osmar. Faces do saber: desafios à educação do futuro, organizadores. Florianópolis: Insular, 2002.

INTRODUÇÃO
Ø A prática social da educação é determinada pelo contexto sócio-histórico do qual emerge e sobre o qual incide. Ela é da mesma tessitura da totalidade da qual é parte. A educação, no sentido amplo, é o próprio processo de produção histórica da existência humana. a educação, como prática social, é uma intervenção neste processo.
A educação não é um metereolito idealístico iluminados, de origem extrínseca ao cotidiano das pessoas. Não é uma intervenção salvacionista ou redentora, nem é uma intervenção pré-determinada como, por exemplo, um maniqueísta 'aparelho ideológico do Estado'. Nem é um trator que arrasa liberdades, nem uma sementeira que só planta o bem. A prática social da educação não independe das conquistas e dos limites históricos nos quais de realiza nem se confunde com o momento e o tempo nos quais acontece. Tem uma identidade construída na multiplicidade das determinações sociais. P.85.
1. SENTIDO SÓCIO-HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
Ø Somos frutos e sujeitos do 'art-fato' humano, historicamente construído. Neste processo inalienável de transcendência humana, produzimos a cada momento o futuro de nós mesmos e nos surpreendemos 'mais gente' na construção sócio-antropológica da 'ex-sistência' humana. hoje, entretanto, nos ronda a perplexidade da ilusão da perda de direção e horizontes. E, pior, nos ameaça a aplastante impostura do mandarinato do mercado. Até em nossas trincheiras encontramos a inútil angústia de aposentados de si mesmos e da militância. e, pior, encontramos demissionários do sonho e do futuro. É fácil zombar da cidadania, desqualificando críticos e indignados cidadãos como 'neobobos', 'fracassomaníacos', 'fascistas' etc. vivemos um tempo ameaçador, resultado da construção da tragédia avassaladora da apoteose do terrorismo de grupos e do terrorismo de estado.
Nesse contexto é fundamental o adensamento das atividades teórico-práticas na educação. Em especial, é fundamental que os profissionais da educação, aqueles que fazem e pensam a educação nossa de cada dia, mantenham e fundamentem as críticas e reinventem utopias como impulsos na construção do novo, no processo de emancipação sócio-antropológica. O avanço da lógica do capital, com sua barbárie, sua insensibilidade, sua arrogante empáfia de onipotência e, em suam, da exclusão exigem o 'co(m)-prometimento' na(p. 86) reconstituição da sabedoria. A resistência à tonitruante empulhação exige rigor e seriedade na construção teórica que norteia, direciona, fundamenta e dá consistência a prática. Ps. 86.87.
Ø Vivemos a clivagem mercadológica-emancipadora. Uma tendência coisifica as pessoas, mercantiliza a cultura e o amor, privatiza a vida e arranca do futuro seu sentido e do presente o direito de sonhar. A outra tendência impulsiona o processo, aposta na surpresa e, no encanto, tem a vida como fundante radical da ética e vive a utopia como inédito viável, construindo o futuro como sujeito da história. Uma expressão clara da contradição desses dois mirantes antagônicos, na educação, é a forma e o caráter do processo avaliativo. Do mirante possessivo, marcadológico e reitificador, a avaliação é do ensinador, é um mecanismo de exclusão ou de negação da educação; é um mecanismo do mandarinato professoral e uma guilhotina de reprovação. Do mirante da formação humana, a avaliação é do educador, é um instrumento de inclusão social; é um instrumento de impulso para o futuro e uma base para a celebração da aprendência.
O núcleo, o sentido, a razão de ser d prática social da educação é a contribuição que ela oferece para a construção histórica do devir humano. As pessoas constroem-se historicamente. Em sua origem há uma base biológica que permite que estes seres (natureza/dado) se produzam devires (cultura/transcendência). Somos natureza e vivemos no reino da(p.87) necessidade e do programado, pelo que nos é dado naturalmente. Somos transcendência e vivemos no reino do desejo e da surpresa, pelo que fazemos de nós mesmos culturalmente. Não somos humanos pelo equipamento inato, mas pelo historicamente construído. Embora este construído, segundo alguns, possa, em parte ser legado geneticamente, ele não é natural, mas cultural. Este legado seria produto da autuação histórica de antepassados. No sentido amplo, educação é o processo concreto de produção histórica da existência humana. tudo o que fez com que nos tronássemos quem somos é nossa educação. A rigor não somos 'seres' humanos, mas 'devires' humanos. Só somos humanos na medida em que nos construímos, em que nos ultrapassamos a nós mesmos, nos tornando mais gente. Nenhum animal torna-se mais animal do que já é. "com gente é diferente"; os humanos não se repetem. Filho de professor não nasce professor, filho de marginal não nasce marginal. Mas é muito mais fácil produzir um marginal: basta não fazer nada.
Nossa construção histórica dá-se na relação. A humanização é um processo intersubjetivo, compartilhado, plural. Na convivência com os outros construímos nossa identidade. Construímos o nosso rosto pelo rosto dos outros. Somos quem somos em decorrência das relações com o mundo, com os outros e conosco mesmo. Somos, na realidade, o feixe das relações que vivemos. Estas relações, nas quais estivemos e estamos envolvidos e que nos construíram e constituem, tiveram e têm níveis diferentes de participação consciente e voluntária. Elas abrangem tanto s relações das quais fomos 'autores' quanto aquelas das quais fomos 'vítimas'.
Educação, no sentido estrito, enquanto práticas social, é uma intervenção intencional neste processo concreto, histórico, de produção das pessoas. É uma intervenção no sentido de atualização histórica do devir humano. Construímo-nos a partir do dado, do ser que nasce natureza e, pela mediação de outros seres humanos, impulsionamo-nos como devires humanos. Profissionais da educação são pessoas que contribuem para que outros se apropriem de algo que milhões e milhões de pessoas contribuíram para construir. P. 88.
Ø O lugar e sentido da educação estão no cerne do processo sócio-antropológico de produção da existência humana. Neste processo, hoje, dois determinantes são decisivos: o estágio da evolução do trabalho, na sua concretização histórica de produção de bens materiais, e o estágio da evolução do fundante das relações sócio-antropológicas. Estas evoluções desenham uma nova função sócio-histórica para a educação. As transformações no mundo do trabalho e a evolução do determinante histórico das relações sócio-antropológicas constituem uma nova base e levantam novas perspectivas para a Educação. P. 89.
2. O TRABALHO E A EDUCAÇÃO
Ø As pessoas, primeiro, integram-se no mundo sócio-cultural de seu tempo e espaço e, segundo, desenvolvem, produzem ou constroem as condições subjetivas de intervenção(p.89) original na evolução dos acontecimentos. Este ir além do já posto ou construído caracteriza a essencialidade humana como ser histórico. Para as pessoas o mundo não é indiferente, é nele que se forjam. Este processo é um processo de emancipação, de construção da liberdade.
O princípio educativo, a fonte originante desta construção é o trabalho. Trabalho, no sentido simples e profundo da palavra, é a relação inteligente da(s) pessoa(s) com o mundo com os outros e consigo mesma(s). Esta relação toma configurações diferentes na evolução da humanidade. Os elementos essenciais do trabalho são o projeto e sua execução. O elemento 'projeto' significa a elaboração mental, 'inteligente', não natural ou instintiva, não previsível de uma alteração no curso natural ou instintiva, não previsível de uma alteração no curso dos acontecimentos ou na 'ordem' ou 'regulação' das coisas. Esta características do trabalho lhe confere o caráter cultural, original, novo e inesperado, caráter de distanciamento do natural. Esta interioridade determinante do agir humano confere à ação humana o caráter de prática. A prática implica um fazer pensado. O trabalho, portanto, além de um 'projeto', que confere originalidade ou surpresa ao acontecimento ou à coisa, exige sua execução, ou uma intervenção, ação modificadora. No processo de 'humanizar o mundo' construímos nossa própria humanização. Paulo Freire insistia: transformando o mundo, transformamo-nos a nós mesmos.
A relação inteligente das pessoas com o mundo é o princípio educativo. O trabalho consiste nesta relação. O trabalho é essencial para a sobrevivência da humanidade. Esta sobrevivência demanda a intervenção da humanidade na produção de bens tanto para satisfação das necessidades naturais, quanto das necessidades historicamente construídas. P. 90.
Ø No atual contexto histórico, vivemos um momento de mudanças profundas nas relações de produção. no chão da fábrica começam a surgir necessidade e interesses objetivos de participação inteligente, co-responsável e partilhada dos agentes envolvidos com a produção de bens materiais. Isto significa que estão sendo construídas as condições objetivas para a implosão das relações de dominação e subordinação, porque os novos processos de produção exigem, cada vez mais, a parceria co-responsável e o trabalho em equipe, tornando caduca a ex-necessária divisão entre quem manda e quem(p.91) obedece. Está em questão a divisão entre, de um lado, quem planeja, decide, controla, no exercício do trabalho intelectual, e, de outro lado, quem produz, executa e faz, no trabalho manual, rotineiro, desumanizador, da produção em série.
As máquinas automáticas substituem com vantagem de tempo e de qualidade o trabalho humano manual. O progressivo descarte do trabalho manual está trazendo a precarização das condições para os trabalhadores manuais, o aviltamento do emprego e o desemprego estrutural, e, com o descarte das pessoas, com sua formação reduzida ao trabalho manual, estão surgindo os chamados 'inempregáveis'. Cresce a necessidade de pessoas mais 'qualificadas' para a nova configuração do trabalho no campo, na indústria e nos serviços.
Para se inscrever neste novo mundo do trabalho é indispensável a capacidade de pensar e de trabalhar em equipe. As aptidões cognitivas e atitudinais requeridas neste novo mundo do trabalho rompem com as aptidões de subordinação política e submissão ideológica.
Em decorrência, a dimensão sócio-política da educação torna-se mais exigente e complexa e exige parceria e co-responsabilidade. A tradicional função de esfriar as aspirações da maioria para ser obediente e esquentar as aspirações da minoria para dirigir está superada e não faz mais sentido, num mundo em que todos são conclamados a uma competente participação. P. 92.
3. A BASE MATERIAL DAS RELAÇÕES HUMANAS
Ø As relações entre as pessoas, grupos e povos se fundavam no músculo ou na força, na capacidade de impor sua vontade, pelo seu poder de punição e castigo. Esta base de relação foi substituída pela riqueza, que além de potencializar e agigantar o poder de impor, podia e pode premiar, pelo poder de recompensa. Estas bases de relação são desgastantes e(p.92) perigosas porque se esvaem na medida de sua utilização. O uso da força ou da riqueza implica a diminuição da posse. Quanto mais alguém as usa, menos as terá. Além disso, ninguém é tão forte que pode impor sua vontade a todos que quiser e pelo tempo que quiser; e ninguém tem tanta riqueza que pode comprar tudo o que quiser. P. 92/93.
Ø Entretanto, com o avanço do conhecimento na base da produção material, a humanidade está construindo a exclusão social de um crescente número de pessoas. Vem crescendo o desemprego, a miséria, a marginalidade, o seqüestro, a droga, e a humanidade constrói a barbárie ou o seu 'suicídio coletivo'.
De outro lado, o conhecimento como base das relações constitui uma real e objetiva oportunidade para a construção de uma nova sociedade, fundada num estatuto de parceria ou 'companheirice', uma vez que não traz consigo o risco de diminuição com seu uso. Esta alternativa, que se opõe à barbárie e ao "suicídio coletivo', implica a transformação estrutural da sociedade e a produção histórica de pessoas humanas não demitidas de si mesmas ou alienadas aos interesses objetivos da acumulação capitalista. Exige pessoas sujeitos da acumulação e não predicados do senhor nosso deus capital. P. 93.
Ø Portanto, a função sócio-política da educação está diretamente vinculada ao cerne ou eixo ou base da relação no mundo novo que emerge. A função sócio-política da educação, hoje, é trabalhar competentemente seu próprio objeto de trabalho. A elaboração, execução e avaliação dos Projetos Políticos Pedagógicos demandam envolvimento co-responsável. O eixo da prática educativa está na relação aprendente, na ecologia cognitiva, na qual professores e alunos ampliam seu conhecimento e, ao mesmo tempo, em todos e em cada um, se produzem, as aptidões cognitivas e atitudinais necessárias para este emergente mundo novo, humanamente cada vez mais exigente. P. 94.
Ø Em resumo, com tempo livre, as pessoas e a sociedade se defrontam com o desafio da alternativa entre o suicídio e a metamorfose. Ou não tolerarão a vida porque o oceano da miséria crescente invadirá e destruirá as pequenas ilhas de fartura; ou a humanidade constrói uma nova sociedade, com nova estrutura e as pessoas se transformam em novas pessoas humanas. Está posta a possibilidade de ter tempo para que as pessoas sejam sujeitos e não predicados; sejam gente, devires livres, pensantes, companheiros e com sentido para viver, e não objetos, como recursos, instrumentos ou mercadorias do capital. Esta metamorfose exige a ruptura com a mediocridade da educação presa ao conhecimento já produzido, porque demanda a competência da produção e criação compartilhada e co-responsável.
CONCLUSÃO
Ø Como a educação é uma prática radicalmente comprometida com a construção sócio-antropológica das gentes, com a humanização e a emancipação históricas, seus profissionais devem estar atentos, detectar e comprometer-se com o novo humanizante e emancipador, presente como fato e como tendência nos limites e potencialidades do hoje. Apontamos para dois aspectos decisivos na construção social e pessoal na atualidade. A inegável mudança radical no mundo do trabalho, com o progressivo descarte do trabalho humano vivo, constitui um dos aspectos relevantes do novo. A progressiva instauração do conhecimento como base material das relações sociais constitui um segundo fator. Ambos são ambíguos e tendem para configurações opostas.
Uma perspectiva indica para o recrudescimento da exploração, dominação e opressão, características do sociedade vigente. A globalização uniformizadora, a impostura anti-ética da divinização do mercado, a precrarização do trabalho e a privatização do saber produzem a barbárie e a exclusão social, o terrorismo de grupos e de estado. Este é o caminho para a barbárie ou para o suicídio coletivo da humanidade.
Outra tendência indica para profundas mudanças sócio-culturais, que implicam a transformação radical da estrutura social vigente. A perspectiva globalitária plural, de uma unidade que expressa e impulsiona a diversidade, a ética fundada na vida e no direito, o tempo livre como expressão(p.96) suprema do trabalho humano e a democratização do saber possibilitam a parceria e a inclusão universal, a convivência cidadã, respeitosa e plural. Este é o caminho da emancipação humana.
Urge reinventar a educação, o sonho, a alegria, nas construção do novo, da parceria e da emancipação. Ps. 96/97.

CULTURA DE SALA DE AULA E DISCURSO PEDAGÓGICO
Hilário I. Bohn
Ø As características biológicas, alguns sentimentos, comportamentos e valores são comuns a todos os humanos. Eles são os valores, os instintos que nos constituem como homens e mulheres, são as características humanizantes do 'homo sapiens'. Elas foram se constituindo na filogenia da evolução histórica do homem e da mulher e se repetem na ontogenia de cada individualidade. São os traços da hominização que através dos milênios levaram o homem do paleocerebelum - o domínio do cérebro do instinto, da pulsão - para o mesocecerebelum, a constituição das emoções, momento em que deve ser brotado a necessidade da comunicação e do uso do simbólico na interação. Depois veio o uso da palavra e do estabelecimento da racionalidade, do córtex, a marca definitiva do salto genético. A filogenia mostra a história da hominização e a ontogenia mostra a repetição do processo na individualidade dos seres da espécie. P. 99.
Ø A construção das línguas portuguesa e espanhola, por exemplo, é explicada por fatos histórico-político-culturais em que até as variáveis geográficas contribuíram para o desenvolvimento de dois idiomas. A formação de uma língua nacional brasileira, diferente do português de Portugal, também se constitui em fato histórico e cultural e a contribuição das línguas indígenas brasileiras e das línguas africanas na formação do português do Brasil é um fenômeno cultural dos mais significativos. P. 100.
Ø Poderia-se dizer que a cultura é o diferencial que distingue um grupo social do outro. O que é comum pertence à espécie, é repetido geneticamente. Segundo CHAUÍ, (1995:289) "certos sentimentos, comportamentos, idéias e valores são os mesmos para todo o gênero humano (são naturais para todos os humanos), enquanto outros seriam os mesmos apenas para cada espécie (ou raça, ou tipo, ou grupo), isto é, para uma espécie determinada". P. 100
O NATURAL E O CULTURAL, AS EXIGÊNCIAS DA CULTURA
Ø Natural significa não intencional, não aprendido, não estratégico, não ensinado, não construído historicamente,(p.100) apesar de a expressão do traço cultural poder estar relacionada com o ensinar e a construção, como a expressão lingüística, por exemplo. De maneira semelhante poder-se-ia dizer que a necessidade de alimentar-se, e de os seres vivos procurarem alimentos é natural das espécies, mas a escolha das comidas, a maneira de prepará-las, o fato de o gaúcho comer churrasco e o nordestino apreciar carne de sol, é cultural. P. 101.
Ø Cultura pode ser vista, analisada dentro de uma perspectiva mais sistêmica - quando nos referimos ao sistema de informações que um grupo de indivíduos, grupos sociais utilizam na interação como o seu meio ambiente ( Cf. REBER, 1985). Neste sentido, cada indivíduo precisa aprender as regras de interação, os costumes do grupo.
Outra perspectiva de análise é oferecida por CHAUÍ (1995):
- a perspectiva do conhecimento: saber falar e compreender várias línguas, entender arte e literatura.
- A perspectiva das competências desenvolvidas: saber ler e escrever, saber tocar piano, guitarra; utilizar o computador. Estas duas perspectivas estão muito relacionadas com o aprender, com aspectos(p.101) instrucionais ou com a interação do indivíduo com o seu meio ambiente e com as diferenças sociais.
- A perspectiva dos costumes, valores e habilidades nacionais e/ ou tribais (valor de uma coletividade): haverá alguma coisa superior à música brasileira? Há alguma semelhança entre a cultura japonesa (a esposa japonesa recebe o seu marido em casa no fim do dia com o cerimonial do chá) e a americana (a esposa americana espera o marido na quadra de tênis para uma revanche do jogo do dia anterior)? São valores diferentes, construídos historicamente. Semelhante, o conceito de justiça dos incas; o conceito de homem corajoso nos pampas - para gaúchos brasileiros e argentino 'o homem valente tem o sinal de faca em seu corpo e o herói ostenta a marca da valentia em seu rosto'; faz parte da masculinidade caubói ter fraturado algum membro do corpo em algum momento da existência (quais seriam as marcas da feminilidade?).
- A perspectiva da relação do indivíduo com outros indivíduos, do indivíduo com o seu meio ambiente, do indivíduo ou de um grupo social com outros grupos. A expressão literária está muito relacionada com esta perspectiva mais antropológica do conceito de cultura. Ps. 101/102.
Ø Nos últimos dez anos a sociedade efetuou inúmeras revoluções, nos diferentes níveis da atividade humana, inclusive como percebemos, definimos, como se constrói, desenvolve conhecimento. Cada uma destas 'revoluções' faz exigências específicas sobre o papel do professor na sala de aula, sobre o papel do aluno, o tipo de interação que o professor pode/deve privilegiar no ambiente escolar. p. 104.
Ø E a cultura de sala de aula, como tem comportado perante as exigências da renovação e inovação? Os valores culturais ainda são os mesmos? A memorização, a repetição de conhecimentos, de arquivos estruturados por outros continuam sendo plagiados, ou continuamos a cultivar o autoplágio de nossos próprios arquivos? As nossas salas de aula continuam oferecendo verdades prontas? Continuamos no nosso tradicional ponto de observação em que os objetos observados não mudam, as verdades vistas têm abordado a noção de definitivas? Como os professores têm abordado a noção de conhecimento, seu desenvolvimento e utilização (competências)? Onde nos posicionamos perante as diferentes possibilidades da construção do saber?
Como observadores solitários?
Como mediadores, possuidores da verdade?
Como conversacionalistas dialógicos - que discutem a verdade, construindo o consenso?
Como professores polêmicos - permitindo a verdade em movimento, construindo consensos temporários?
Como professores polifônicos - construindo consensos embasados em pontos de vista diferentes?
Examinemos estas diferentes possibilidades.
Na perspectiva tradicional, aprender é descobrir a estrutura do mundo, é a apreensão da organização do universo em suas mais diversas manifestações físicas, biológicas e sociais. Esta visão pressupõe uma organização pré-determinada, um mundo acabado, objetivo; um universo em que os efeitos(p.105) sempre podem ser referidos e determinados causas. Também pressupõe que este mundo pronto, objetivo pode ser percebido pelo sujeito observador. Ps. 105/106.
Ø É entre os especialistas da linguagem, aliados à psicologia social e filosofia fenomenológica de Husserl, que surge uma proposta mais holística da construção do saber e uma definição menos autoritária de verdade. Nas propostas anteriores a posição do sujeito é de distanciamento do objeto observado. A verdade está no objeto e o desvelar da verdade é feito pela observação distanciada. A verdade está no próprio objeto, no próprio fenômeno. A verdade é. Ela apenas é explicitada pelo cientista. O papel do professor é servir de mediador entre o objeto observado e o observador. O professor já possui a resposta da observação. Ao aluno cabe aprender esta resposta, que é a verdade estabelecida pelas instituições e aparelhos ideológicos aos quais o professor está vinculado. P. 107.
Ø O professor não tem mais as respostas prontas, mas leva perguntas a serem entretidas, verdades a serem construídas e desconstruídas, semelhantemente à vida, fluindo, reagindo dentro das subjetividades personalizadas, construídas historicamente.
O definitivo perde a sua estabilidade dentro de uma perspectiva de relatividade cósmica de uma ecologia em construção. Inacabada. Há convergências, mas não certezas. Constroem-se consensos sociais, mas os participantes têm consciência da instabilidade de tais consensos estabelecidos através das conversações ou pelos agires comunicativos.
Esta percepção se baseia na linguagem dialógica, isto é, sempre há um interlocutor, cujo dizer é introduzido no discurso pedagógico. A unicidade da percepção do objeto se perde e negociam-se, constroem-se os significados das diferentes vozes através da dialogia e da polifonia. Aceita-se trabalhar o ato pedagógico com uma linguagem espessa, multisignificativa, através da conversação. A dialogia não permite mais a 'obrigatoriedade' das verdades prontas. Este é o refúgio dos fracos, dos que temem a diversidade, a interdisciplinaridade, o imprevisível, o ser participante, não repetidor, o pensar sistêmico. P. 108.
CONDIÇÕES E ARGUMENTOS PARA A INOVAÇÃO
Ø A linearidade da cultura escolar historicamente exige a aplicação de metodologias estabelecidas através da autoridade institucional ou científica. No entanto, a obrigatoriedade não se limita às metodologias, ela se estende às verdades estabelecidas. Cabe, pois, ao professor inovador introduzir rupturas nas metodologias e procurar desmistificar/desmitificar as verdades professadas.
A inovação por outro lado, exige a aceitação e o uso de uma linguagem dialógica que automaticamente desestabiliza(p.109) os dogmatismos. O caminho da desmistificação é a conversação porque através dela pode-se compreender como a interação cérebro-mente constitui realidades distintas em indivíduos distintos. Ps. 109/11.
Ø O discurso inovador exige o culto à diferença. O professor inovador é transgressor do currículo, das metodologias estabelecidas porque ele cultiva a diferença, o diálogo. Este é sempre inovador. O diálogo revela as percepções e as estruturas mentais idiossincráticas dos falantes, procura trabalhar a intersubjetividade. A diferença torna-se, assim, constitutiva da inovação. Por isso, também atraente ao aprendiz. A diferença, a transgressão, não permitem o plágio e nem o discurso autoritário. A inovação cultiva a polêmica, a dúvida e não a certeza. Neste sentido, o professor inovador não é aquele que formula perguntas, mas aquele que gera e faz explodir entre seus alunos o discurso polêmico, a polifonia, não somente a polifonia de muitas vozes, mas de vozes contraditórias. P. 110.
Ø Na perspectiva aqui discutida, a inovação movimenta-se muito mais na incerteza do que no dogmatismo da previsão cartesiana. Isto porque o homem e a mulher são seres complexos bio, sócio, cognitiva e socialmente.
A inovação centra-se no dionisíaco, no prazer do diálogo da diferença, da percepção inesperada, em oposição à racionalidade apolínea. A separação do cartesianismo entre corpo e mente seja talvez a origem de um dos grandes problemas da escola de hoje: a falta de motivação dos alunos para a aprendizagem fruto da ausência da emoção e a falta da inserção do aluno na dialogia. Segundo SMITH (1995), a escola moderna não oferece condições para o cérebro exercer as suas funções. O cérebro naturalmente estrutura, relembra, imagina, intui, mas a escola por causa de seu processo inibidor impede que cumpra as suas funções. O ensino inovador tenta resgatar as condições necessárias para o cérebro cumprir suas funções. P. 111.
Ø Inovar é aliar-se à autopoiese, à autoconstrução, não imposta de fora. É o corpo, o cérebro e a mente interagindo que o mundo e o conhecimento se constituem. Tudo que a escola precisa fazer é criar condições para esta autoconstrução. P. 112.
Ø Inovar significa ter paciência. É preciso esperar que o corpo, cérebro e mente incorporem as novas palavras com seus significados estruturantes. Precisamos esperar que os signos em sua simbologia se reflitam nas coisa. É no espaço da palavra do professor (na interface) e seu interlocutor que se cria a oportunidade de des(re)reconstrução do conhecimento. A proposta do interlocutor é a oportunidade da criação, da reestruturação, da aprendizagem. P. 113.
Ø Quem recebe a palavra não pode interpretá-la cristalizá-la, mas em movimento, constituindo o seu significado pelo(p. 113) perceber pessoal, diferenciado, renovador; mas como lei, mas como questionamento de estruturas anteriores, como célula viva ora aproximando-se ou distanciando-se do objeto observado. Ps. 113/114.
CONCLUINDO
Ø Concluindo inovar significa construir um saber novo, não concluído, em movimento, humano e ético. É o saber do sujeito em construção, primeiro em sua inserção histórica, arqueológica; segundo, é o saber discursivo, atual, que busca no diálogo lingüístico a força inspiradora da mudança, da reestruturação, mas é também o saber da aprendência contínua que encontra na tecnologia da futuridade a humildade de quem está a fazer o caminho e que encontra na transgressão, na ruptura de conceitos construídos a motivação inspiradora de sua ação pedagógica. P. 114.

O EDUCADOR-PESQUISADOR
Possibilidades e perspectivas
Henrique João Breuckmann
Ø As alternativas apontadas para a pesquisa em sala-de-aula, ou seja, a pesquisa como princípio educativo científico (DEMO, 1991), apresentam-se de tal maneira que se permite formular uma tese. Ou seja: quanto mais cedo as interações entre os dois princípio se manifestarem,(p.117) inter-reagirem, entrarem em conflito, tiverem necessidade de explicação e de reconhecimento, de forma mais imediata os responsáveis pelos resultados desta relação sentir-se-ão obrigados a expressar "a que vierem", ou seja, "o que se faz com isso". A Pesquisa em sala de aula deixa de ser, então, apenas uma alternativa metodológica, ou uma forma de resgate do conhecimento historicamente, mas incorpora uma dimensão política, que associa os resultados deste processo a uma proposta de melhoria da qualidade de vida da humanidade, ancorada em pressupostos que ultrapassam as fronteiras étnicas, econômicas, ideológicas, culturais, e apontam para o atingimento da "Mündigkeit" dos indivíduos, dos segmentos, grupos e classes sociais, de qualquer ordem. P. 118.
Ø Cabe ressaltar, explicitar o que pode ser entendido como "pesquisa", para caracterizar o amplo espectro de enfoques sob os quais a mesma pode ser contemplada. É possível dizer que um estudante do Ensino Fundamental, ao utilizar-se do acervo existente na biblioteca da escola, quando seleciona diferentes fontes de informação (livros, resvistas, artigos), associa a estes resultados as suas anotações sobre um determinado vídeo e se reporta, ainda, aos dados conseguidos via Internet, por exemplo, na busca de diferentes expressões quanto a um certo conceito, cuja compreensão é necessária para a resolução de uma situação-problema qualquer, está fazendo a pesquisa. P. 119.
Ø Essas considerações, por ora, referem-se particularmente- ao aspecto científico da pesquisa, e aponta para a viabilidade (e a necessidade) de que a atividade de pesquisa seja iniciada o mais cedo possível, no decurso da vida escolar, não se esperando o ingresso no Ensino Superior para iniciar os sujeitos na formação do pesquisador: o domínio das técnicas, das habilidades, dos instrumentos, a criatividade, a intuição, a paciência, a humildade necessárias para a competência neste ramo de atividade humana, não são fruto de um "passe de mágica", mas demandam um período suficientemente longo de treino, de estudo, de auto-avaliações, de retomadas e de mudanças de(p.12) rumos, para que comece a acontecer de maneira satisfatória. Isso remete ao outro aspecto de interesse: o enfoque didático-pedagógico da atividade da pesquisa.
Neste caso, a pesquisa assume uma outra conotação. Trata-se, em suma, de uma postura, um espírito, aberto para a possibilidade do exercício da criatividade, da abertura para a receptividade crítica de outras visões da realidade, algo semelhante às relações que acontecem entre o autor e o observador de uma obra de arte. Sob este ponto de vista, a pesquisa está associada a uma mente sempre desperta, que não aceita o "dado" porque foi dado por alguém, mas que merece uma interrogação, quanto às circunstâncias que o geraram, a fundamentação que produziu a sua interpretação, a fidedignidade das fontes, os interesses econômicos e os condicionantes sociais, políticos, ideológicos, etc., que a determinaram. Essa inquietação, esse desacerto com os dados imediatos da realidade, constituem parte da angústia, da incerteza, do desconforto, que caracterizam uma mente pesquisadora. Ps. 120/121.
Ø Agora, evidencia-se o papel da mediação. Há que haver um fio de costura e um "costureiro", para ligar as duas bordas de um tecido (conforme a imagem colocada por Vygotsky), quando de uma ruptura, um rasgo no mesmo. Ganha destaque(p.126) o papel mediador do professor: acima de tudo, supondo-se detentor de um conhecimento cientificamente elaborado e estruturado, deve estar em condição de fornecer elementos, indicar (im)possibilidades, promover atividades que propiciem a formação dos conceitos necessários para a solução de problemas apresentados.
A forma e a metodologia, as manifestações qualitativas e quantitativas através das quais esta mediação deve ser exercida são extremamente variáveis, em função da idade, gênero, meio cultural, nível de ensino, em que o professor está atuando: é preciso sensibilidade para que o exercício da mediação seja profícuo. P. 127.
Ø Ganha destaque, ainda, a linguagem científica. O pensamento não se expressa simplesmente através das palavras, mas existe através das mesmas. Ao utilizar conscientemente termos científicos no processo de elaboração de hipóteses, determinação de procedimentos, desenho de planos de ação, o estudante está dando existência ao pensamento científico. A trajetória entre o uso da expressão "mijar" para o uso da expressão "urinar" reflete a trajetória entre a simples descrição de um ato físico (que satisfaz a uma necessidade primária de excreção de dejetos), para a expressão concisa do universo fisiológico, bioquímico, psicológico, que o ato carrega consigo. P. 127.
Ø A característica fundamental do modelo é a dinamicidade, que transparece na interação entre os momentos e entre momentos paralelos, mas situados em níveis diferentes na espiral de avanço das sucessivas resoluções. Daí também a exigência de níveis cada vez mais amplos de integração interdisciplinar e de abandono a programas lineares, sem o que se torna difícil a busca dos elementos necessários à resolução, em cada disciplina ou em cada campo de uma disciplina, quando exigido pelo desenvolvimento do processo resolutivo. P. 129.

EDUCAR É DESENVOLVER A CAPACIDADE DE PENSAR
Nivaldo Alves de Souza
"Uma vida sem reflexão
não merece ser vivida" Sócrates
Ø Perguntado sobre a crítica de certos filósofos de que o seu método era uma vulgarização da Filosofia e de que é impossível ensinar Filosofia a crianças, Mathew Lipman respondia:
Estão cometendo um erro. Não estamos tentando fazer que memorizem Aristóteles. Não estamos querendo que aprendam Filosofia, mas que façam filosofia. Isto envolve deliberação, diálogo, raciocínio. As crianças podem ler, discutir, raciocinar. Podem falar das coisas sobre as quais falam os filósofos, sobre a verdade, a justiça, etc. Podem falar das coisas sobre as quais falam os filósofos, sobre a verdade, a justiça, etc. podem dizer que as crianças não são capazes de fazer isso, mas o fato é que elas o fazem. (CARVALHO, p. 6/5)
Pareceu-nos muito interessante tal projeto, pelo fato de que, no seu todo, visa o desenvolvimento do raciocínio, desde tenra idade. Enquanto professores de Filosofia Pura não sabem o que fazer para melhorar o ensino dessa ciência e, por sua vez, professores e jovens universitários se perguntam sobre o porquê de se estudar Filosofia, defrontamo-nos com o que muitos adultos não acreditam: as crianças já sabem que a Filosofia "serve" para ensinar a pensar melhor. P. 132.
Ø é em vista de tudo isso que a nossa reflexão quer ser a indicação de um novo caminho que, atingindo o educador, leve a criança-aluno a um desenvolvimento mais profundo. Não se pode continuar a ver o professor "ensinando", em vez de buscar com os alunos uma aprendizagem com formação(p.133) eficaz. Não se pode continuar a ver o professor usar uma linguagem difícil para comunicar aos alunos as coisas mais simples. Os próprios alunos estão cansados de novidades sem consistência. Mario Casotti, pedagogo italiano, dizia que "a pedagogia moderna tem cansado as jovens inteligências, sem tê-las alimantado." (CASOTTI, 1931, p. 64).
Ø Que surja uma escola "aberta" à inovação e à mudança, com uma conseqüente didática da individualização do ensino-aprendizagem, onde reine o respeito pela igualdade das oportunidades formativas, mas também que esteja em grau de validar as "potencialidades" cognoscitivas dos indivíduos. Que surja uma escola com a coragem de abrir as portas para uma autêntica cultura da infância e seja um "sinal" de respeito e de valorização de suas capacidades e virtualidades. Celestin Freinet dizia que uma das primeiras condições da renovação da escola é o respeito pelas crianças e o respeito delas pelos educadores.
O que muitos percebem, na escola de hoje, é a falta de uma proposta de valores. Não se oferecem critérios de vida, princípios que ajudem as crianças e os jovens a conhecer-se a si mesmos, a abrir-se ao mundo e aos outros, a distinguir aquilo que é bom e que faz crescer daquilo que destrói. Em suam, o que sê lê muito belamente é que a escola não deve ser mais o lugar de juízo, e sim, o lugar da oportunidade para crescer aprendendo. P. 134.
Ø Ajudando a criança a aprender a pensar por si mesma, estamos renovando e salvando o homem do amanhã. "É a pessoa humana que deve ser salva. É a sociedade humana que deve ser renovada" (GAUDIUM ET SPES, n.3). Matthew Lipman, na linha do que afirma a Gaudium et Spes costuma dizer que um mundo habitado por pessoas que usam a razão é melhor do que um mundo onde não a usam. Decorre, pois, daí a importância de tornar as crianças reflexivas, racionais e capazes de julgar de uma maneira apropriada, dentro de uma comunidade democrática. P. 135.
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO
Ø O ensino é uma arte de cooperação, envolvendo aluno e professor. A educação é uma obra a dois. É junção harmônica e equilibrada de educador e educando que respeita, no aluno, as riquezas da personalidade, a liberdade, as qualidades que nele se encontram, não como um mecanismo inerte, mas como um dinamismo vital, imperfeito, sem dúvida, mas sempre suscetível de evolução. O aluno aprende de maneira mais aprofundada e extensivamente pela assistência e contato com outros. P. 135.
Ø Nas obras em que Tomás de Aquino aborda a questão da educação intelectual está claro em que consiste a ação do ensinamento-aprendizagem. Não deve ser um mero dar e receber, passivamente, conhecimentos. A missão do professor é despertar a natural atividade do aluno, fazendo-a agir. Tomás de Aquino exigia dos alunos uma participação viva nas discussões. Assim agindo, ele estava ajudando o aluno a que, com sua inteligência se encaminhasse, por si só, pelas veredas do conhecimento. As funções do professor tendem a se confundir com os deveres do aluno. P. 136.
Ø Podemos dizer que o educador apenas reforça o intelecto do aluno, indo ao seu encontro e apresentando aquilo que lhe diz respeito, que desperta, nele, o interesse. Uma coisa é apenas falar, outra é ajudar o aluno a ter um intelecto vigoroso. O professor e o aluno formam uma pequena comunidade. Educar é desenvolver a capacidade de pensar. P. 137.

O MAL ESTAR DOCENTE E O PENSAMENTO LINEAR
Miguel Ángel Riggio
O PENSAMENTO LINEAR E O PENSAMENTO POSITIVISTA
Ø Diremos que o pensamento é linear quando se estabelecem cadeias de conceitos na qual um deles é efeito do anterior e causa do seguinte, isolando cada um dos outros. Segundo Mariotti (2000:32), o pensamento linear atende três requisitos básicos:
a) tende à simplificação;
b) procura o imediatismo;
c) busca uma causalidade simples.
Ø Como deve ser o pensamento para não possuir essa estrutura linear?
Um pensamento que leve em conta todos os fatores (ou, pelo menos, uma grande variedade deles) que influem para que aconteça determinado fenômeno, estabelecendo as relações que vinculam cada uma dessas partes, pode ser chamado de pensamento sistêmico. Nesse pensamento, o realmente importante é o modo em que as partes do sistema se inter-relacionam. (p.145)
Se a matemática escolar tem tendência ao pensamento linear, muito mais linear é, em uma proporção esmagadora, o pensamento do professor no ato de "passar" os conteúdos para seus alunos. A tradição eminentemente algébrica/aritmética do ensino em muitos países latino-americanos, dentre os quais o Brasil, colabora nessa tendência.
A matemática ensinada na escola tende mais ao isolamento que à relação existente entre distintos fenômenos. No sistema aristotélicoum fenômeno é verdadeiro ou falso, deixando de lado qualquer outra possibilidade: a terceira está excluída. Só tem duas alternativas: sim ou não. Não cabe um "talvez", um "quiça".
Se bem que resulte importante para nossa vida diária o fato de ter sempre duas alternativas possíveis, não significa que esta forma de pensamento seja a única possível. São poucas as culturas que têm uma lógica trivalente para a convivência diária. Porém, essas culturas não foram afetadas pelo pensamento positivista ocidental... P. 146
Ø Descartes, do mesmo modo que Sócrates, acreditava que só o nosso raciocínio pode nos proporcionar conhecimentos seguros. As bases do método filosófico cartesiano revoluciona o mundo, constituindo-se na pedra basal da filosofia das gerações seguintes e propondo dois problemas fundamentais: a certeza de nosso conhecimento e a relação entre corpo e alma.
A ciência estava tão subjugada pelos princípios matemáticos que se adota como alicerce a afirmação de Galileu: "a natureza está escrita em caracteres matemáticos". Isso pressupõe que a Natureza pode ser "calculada" e o homem pode(p.146) controlá-la mediante manipulação. A absoluta segurança de que o desenvolvimento da ciência traz progresso social faz acreditar que toda inovação na ciência é, intrinsecamente, boa.
A explicação positivista do mundo, que considera a ciência como o paradigma de todo conhecimento, nasce com Comte e consolida-se com os trabalhos em lógica e matemática de Hilbert, Peano, Frege e Russell, entre outros. O "se A, então B" resulta o paradigma matemático por excelência, convalidando o pensamento lineaar tanto da matemática quanto das demais ciências e, por conseguinte, de todo o pensamento escolar. ps. 146/147.
Ø Mariotti (2000:37) indica que:
a) nosso comportamento e visão são determinados por nossas percepções;(p.147)
b) nossas percepções são determinadas por nossa estrutura cognitiva;
c) logo, para mudar as percepções (e a partir daí os comportamentos), é preciso mudar essa estrutura;
d) mas sabemos que essa mudança exige um trabalho sobre os fatores que condicionam a mente da nossa cultura. Ou seja: é necessária uma educação que integre os modos linear e sistêmico de perceber e pensar o mundo, isto é, uma educação para o pensamento complexo. Ps. 147/148.
Ø Relativamente ao pensamento linear, Mariotti (2000):49) nos diz que "... o raciocínio linear nos faz excluir tudo o que não se encaixa no nosso individualismo. Também não entendemos que ações mínimas podem levar a conseqüência amplas, porque simplesmente não sabemos pensar assim".
O pensamento complexo, uma das formas mais envolventes do pensamento sistêmico, integra os múltiplos dados e facetas no delineamento e a solução de um determinado problema. Segundo Morin e Le Moigne (2000) este pensamento intenta eliminar as barreiras que apareceram com a estratificação do conhecimento em disciplinas compartimentadas e, como função fundamental, intenta integrar em cada pensamento a existência de um semelhante. Esse pensamento complexo depende, por sua vez, de vários fatores internos de cada um dos sujeitos pensantes.(p. 148).
O pensamento linear é, em geral, aquele que predomina entre os docentes e, fundamentalmente, entre os docentes de matemática. Estamos habituados a ver que esses professores impedem, também, que os alunos tenham pensamentos que se separem da "lógica" matemática, do caminho que está traçado previamente. Ps. 148/149.
Ø A escola se depara ainda hoje com o modelo positivista, compartimentado, estruturado em disciplinas escindidas tanto entre elas quanto com o mundo que rodeia o educando. Se um professor - que é o mais castigado pelo sistema porque passa nele muito mais tempo que o resto dos mortais - tem sido condicionado e essa visão linear, então, dificilmente, poderá se modificar o suficiente para liberar totalmente seu pensamento desse padrão.
Falar de interdisciplinaridade é já um passo importante nessa mudança de pensamento. Mas, infelizmente, vemos que os professores não podem trabalhar a interdisciplinaridade de maneira satisfatória. Muito mais complicado seria pensar na transdisciplinaridade - a forma de pensamento que não somente não tem fronteiras disciplinares, mas que transcende holisticamente qualquer tipo de linearidade. P. 150.
VIVER É CONHECER E CONHECER É VIVER
Ø O mundo é, para nós, um objeto de conhecimento. Podemos estudá-lo decompondo-o em partes cada vez menores, pelo qual nos transformamos em críticos e avaliadores. Colocamos o objeto afastado de nós mesmos, como se pertencesse a um mundo alheio ao nosso. Queremos ser objetivos. Então,(p.150) praticando um afstamento voluntário, estabelecemos uma fronteira entre o eu e o mundo.
A formação do conhecimento é uma construção. Significa que nada pode ser conhecido se não é internamente construído. "O mundo não é a idéia que temos dele: é a realidade que elaboramos à medida que vivemos, segundo referenciais que estão determinados em nossa estrutura" (MARIOTTI, 2000:76).
Nós professores, queremos que nossos alunos construam seus conhecimentos mediante as experiências que nós mesmos lhes transmitimos. Essa transmissão, além de ser uma tarefa sem graça para o aluno, é, ao mesmo tempo, uma tarefa que não conduz a nenhum conhecimento novo para ele. Ps. 150/151.
O MAL-ESTAR DOCENTE
Ø Embora possamos colocar múltiplos fatores como motivadores do mal-estar docente, diferentes pesquisas (ESTEVE, 1999) intentam comprovar que um dos mais importantes é a insatisfação que produz a baixa qualidade da resposta dos alunos em matemática. P. 152.
Ø Sabemos que quanto mais buscamos causas por perto, mais estaremos nos afastando das verdadeiras causas ou, o que é pior, ficarão ocultas para nós. Mas nossa impaciência para justificar tudo nos leva a encontrar "bodes expiatórios" ilusórios e, ao pugnar(p.152) pelo desaparecimento desses fatores, as verdadeiras causas continuarão sendo nocivas e produzirão, talvez, em uma escala maior, os efeitos que queremos evitar.
Quanto mais pressa tenhamos em encontrar causas, tanto mais dificuldades teremos em obter resultados imediatos. Quanto mais simplificarmos as variáveis do "ecossistemas" docente, tanto mais cegos estaremos para ver as causas que, concomitantemente, estão influindo nesse mal-estar. Procuremos causas, também, na fragilidade da natureza humana e na fragilidade do eu, que coloca sempre com culpável algum fator exterior, para não ficar sobregarredado de culpas próprias. Ps. 152/153.
QUAL O CAMINHO?
Ø A educação passa por um período de crise em que todos os países, industrializados ou não, pretendem melhorar com reformas de seus sistemas. Em geral, podemos observar que uma parte importantíssima é esquecida: o professor.(p.155)
Esse professor é o mais punido pelo sistema - perverso na maioria dos casos, com prêmios e castigos, com seleção forçada, etc. - é, também, um dos elementos mais esquecidos pelas reformas.
Pensar que uma lei pode modificar anos de práticas não direcionadas no mesmo rumo que o proposto por ela é uma linearidade: ela produz um novo constrangimento para o professor que reage a essa imposição criando um mal-estar de inconformismo. A maioria das vezes esse mal-estar gera uma barreira pouco permeável à mudança que se volta dos princípios da própria reforma.
Pensar que jornadas de capacitação - embora elas sejam freqüentes - produzirão docentes novos é um outro pensamento linear. Os professores de matemática, talvez um pouco mais que os de outras disciplinas, são refratários à modificação de suas práticas se Não são modificadas antes suas percepções da aprendizagem. E para isso não são suficientes as jornadas de capacitação. Ps. 155/156.
Ø A linearidade do pensamento da educação nos sistemas latino-americanos faz com que, cada dia mais, esqueçamos de pensar em nosso próximo, no respeito pela vida, no respeito pela natureza, na transcendência do ser humano. Valores esses que são primordiais para que o ser humano seja cada vez mais humanitário. Esses deveriam ser os axiomas para todos os sistemas educacionais. Essa deveria ser a grande reforma da(p.156) educação latino-americana. A essa transcendência e a essa humanização deveriam apontar os currículos de matemática. Ps. 156/157.
Ø Deixemos que o pensamento linear de todos nós se transforme paulatinamente em um pensamento sistêmico e, melhor ainda, em um pensamento complexo que enxergue a vida com outros olhos. Permitamos que a cultura linear dê lugar a uma nova cultura complexa, na qual a solidariedade e a cooperação comigo e com meu semelhante sejam as bases universais e perenes da vida.
Estas reflexões têm por objetivo imediato ir mudando meu próprio pensamento que, como leitor pôde perceber, está impregnado pelo pesada herança do pensamento linear difícil de ser erradicado em um piscar de olho... Todo intento nesse sentido é sempre enriquecedor.
MODELAGEM MATEMÁTICA & PERSPECTIVAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Maria Salett Biembengut
Nelson Hein
INTRODUÇÃO
Ø O impulso à criação é inerente ao ser humano. Um breve olhar ao nosso redor certifica-nos disso. Isso ocorre, em especial porque a natureza é pródigas em criações e a razão humana, ao buscar compreender e expressar uma sensação provocada por uma imagem, um som, ou uma manifestação qualquer, procura relacioná-la com algo conhecido, efetuando deduções formando na mente uma imagem, uma representação, isto é um modelo. P. 159.
Ø Essa capacidade de modelar uma coisa imaginada é que impulsionau e impulsiona o ser humano a criações cada vez mais avançadas e ousadas. Como bem expressa MACHADO, "Agimos sobre a realidade por meio de nossas escolhas, buscando transformá-la no sentido de nossas aspirações ou conservá-las naquilo que nos parece cara. (2000:39). P 160
Ø Frente às necessidades enfrentadas pela nossa sociedade, a Educação tem boas e legítimas razões para preocupar-se com todos os aspectos do talento criativo: sua natureza, desenvolvimento e utilização. Isso tem implicações e exerce impactos sobre as nossas tarefas enquanto educadores, afinal, nas mudanças cada vez mais rápidas e de maior intensidade, o que permanece é o conhecimento. Em meio a esse "sopro" de mudanças, ter conhecimento específico e exercer a mera transmissão não nos é suficiente para darmos cabo das tarefas. É fundamental procurarmos, cada dia, obter novos conhecimentos e habilidades em aplicar e socializar conhecimentos.
E é com esse pretexto que a modelagem, em especial, a modelagem matemática, vem sendo fortemente defendida como método de ensino e pesquisa. A modelagem matemática consiste na arte de traduzir um fenômeno em questão ou problemas da realidade em uma linguagem matemática - modelo matemático. P. 160
2. MODELAGEM MATEMÁTICA: A ARTE DE SE EXPRESSAR UMA SITUAÇÃO REAL POR MEIO DA MATEMÁTICA
2.1. A noção de modelo
Ø Grosso modo, um modelo é um conjunto de símbolos os quais interagem entre si representando alguma coisa. Esta representação pode se dar por meio de um desenho ou imagem, um projeto, um esquema, um gráfico, uma lei matemática, dentre outros. P. 161.
Ø Um modelo não é um objeto, uma obra arquitetônica ou uma tecnologia, mas sim o projeto, o esquema, a lei ou a representação que permite a produção ou a reprodução ou execução desta ação. Por exemplo, um carro ou um aparelho doméstico não são modelos mas os projetos que os geraram sim. Projetos que podem ser modificados, combinados ou alterados gerando assim, outros modelos, por sua vez, outros objetos, outros métodos, outras técnicas. Como ilustra FANGE (1971:8),p.161).
"O primeiro automóvel foi uma charrete a qual se anexou um motor. Como ali não havia mais o cavalo para fazer virar as rodas dianteiras, estendeu-se para cima uma haste e a ela se fixou um guidão a fim de que o chofer pudesse dirigir o veículo. O advento do motor elétrico deu, também, inicio às atividades no campo dos modernos aparelhos domésticos. Desde então, o automóvel e os aparelhos domésticos têm tomado grande desenvolvimento pela adição de novos elementos, transformando-se nessas agradáveis utilidades que vemos em nossa vida moderna".
Nenhum modelo ou forma de representar é casual ou rudimentar. É a expressão das percepções da realidade, do desejo da aplicação, da representação. "Toda atividade criativa se origina, primeiro, da relação entre o indivíduo e o mundo objetivo do trabalho e segundo, doa laços entre indivíduo e os outros seres humanos" (GARDNER, 1996:09). Ps. 161/162.
Ø A representação ou reprodução de alguma coisa, ou seja, um modelo requer uma série de procedimentos que perpassa pela observação cuidadosa ou fenômeno a ser modelado, pela interpretação da experiência realizada, pala(p.162) captação do significado do que produz. Esse conjunto de procedimentos denomina-se de modelagem. Ps. 162/163.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø Muito embora não seja uma panacéia para a superação de todos os problemas da prática escolar relativos ao ensino de matemática, as pesquisas vêm apontando no quanto a modelagem pode representar um avanço não somente no ensino de matemática como para pesquisa dos alunos quanto do professor. Frente ao sentido da Educação tem valido a pena considerar esse processo que oportuniza ao aluno aprender pela experiência. Afinal, "conhecer é fazer e fazer é conhecer" (..) e "Todo ato de conhecer produz um mundo. (...) MATURANA e VARELA, 1995:71).
Acreditamos que é esse contínuo crescer e modificar que expõe o sentido da Educação Formal: prover o aluno de um conhecimento que lhe permita assegurar condições adequadas(p.183) para si e demais partícipes da sociedade e ao mesmo tempo valorizar e respeitar as expressões da cultura social que herdou e as que está porvir. Conforme bem expôs HERSKOVITS, "entre os índios apaches Chiricahua, a lembrança de sua aprendizagem é sinônimo da consciência do eu" (1947:107). Ps. 183/184.
NOTAS
Ø Entende-se por Educação Formal àquela cujos processos de ensino e aprendizagem são realizados nas Escolas que tem locais apropriados, por períodos e currículos definidos e pessoas preparadas para este fim. P. 184.
Ø Currículo: documento que prescreve um programa ou assuntos a serem tratados, um conjunto de métodos ou estratégias para o ensino e a avaliação da aprendizagem. P. 184.

FACES DO ESCREVER NA ACADEMIA
Entre o eu e o outro
Osmar de Souza
INTRODUÇÃO
Ø Remete a escrita para si (prosa de leitor), na conhecida oposição estabelecida por Flower e Hayes (1981). P. 187.
Ø Com efeito, um escritor orienta-se, simultaneamente, em duas direções: para si mesmo, estabelecendo registros provisórios sobre o que pretende divulgar; para outros leitores, reais ou virtuais, configura-se uma expressão pública. A primeira tende a ser um registro passageiro, para não esquecer informações, descobertas, seminários, simpósios. Neste estágio, ainda não se preocupa com o outro. O sujeito proponente move-se pelo instantâneo.(p.187)
A Segunda já exige uma expressão completa. O leitor agora é o outro, nem sempre conhecido. O autor obedece ao código e estabelece um plano que permite a identificação dos recursos usados, o gênero textual, a finalidade, o propósito. (Meurer, 2000) O leitor obtém pistas no próprio texto, de tal maneira que ele mesmo reconstrói o contexto. A expressão pública, então, ganha uma relativa autonomia. (Cassany, 1999) Agora, o sujeito proponente move-se pelo definitivo.
A rigor, a oposição se realiza parcialmente, porque em todo texto adequadamente escrito, para uma finalidade pública, real, sempre restará algo pouco transparente; restará sempre algo que não foi escrito, apostando-se no conhecimento prévio do leitor. Mesmo quando os interlocutores se encontram num campo de conhecimento igual, ainda assim pairam dúvidas sobre o alcance do que se pretendeu comunicar. Ficam parágrafos incompletos, frases herméticas, referenciações ambíguas, desconhecidas. Nota-se, então, quão difícil é estabelecer os limites entre o escrever para o eu e para o outro; quando um termina e outro começa. Restam os problemas relativos às interculturas, por conta das diferentes comunidades discursivas (Swales, 1990) e as equivalentes formações discursivas. (Orlandi, 1988).
RETOMANDO A OPOSIÇÃO
Ø Linda Flower (1979; 1981) considera bons escritores aqueles que sabem converter a prosa de escritor (suas próprias idéias) em prosa de leitor (expressão pública). Com essa dicotomia, diferencia a "expressão" da "comunicação".(p.188)
Para ela, expressar o pensamento através de palavras, frases, textos não significa necessariamente que o receptor tenha de compreender o escrito, portanto, que haja comunicação. Entre a expressão e a comunicação, produzem-se distintas operações intelectuais. Quando se escreve para si mesmo, quando só se quer transcrever e guardar as idéias, quando se anotam palavras que têm significado especial para a própria pessoal, utiliza-se a "prosa de escritor". Quando se escreve para que alguém entenda, para comunicar, quando se formula o contexto do que se quer dizer e não se deixa implícito, usa-se "prosa de leitor". Ps. 188/189.
Ø O domínio do assunto e a capacidade de formular o essencial num escrito constituem uma tarefa complexa. P. 189.
Ø ... escrever para que o "outro" entenda implica a pressuposição de que os conhecimentos do "eu" são diversos deste "outro"; que este não vive o mesmo contexto. Por exemplo, um artigo em que o autor faça referência à notícia de jornal. Se forem omitidas as normas de referências bibliográficas, relativas a periódicos, o leitor ficará sem saber identificar corretamente a(s) fonte(s) consultadas(s). da mesma forma, no plano conceitual, o autor de um escrito precisa definir em que termos e em que sentido está usando determinadas palavras principalmente as que têm concepção técnica. Em seu lugar de receptor, evidentemente, o interlocutor pode objetar, mas isso é outra discussão.
Acrescentam-se, assim, a este artigo duas outras categorias inerentes à textualização" a "polifonia" e a "transpar6encia". Polifonia significa "várias vozes" falando no mesmo texto. Constitui um recurso, ao se fazer autores falarem, para respaldar, contestar proposições; mas poderá esconder quem fala no texto. Incorpora-se ao repertório de cada um e com o tempo faz parte do conhecimento do usuário. Emprega-se como se fosse da própria pessoa. Separam-se categorias em que se assume o acordo sem6antico e aquelas em que autores já estabeleceram acordos e foram absorvidos pela academia. O mais complicado ainda é na sequência textual. Há usuário que escreve laudas e laudas, sem citar uma única fonte, sem uma nota explicativa. Fica a impressão que é a voz dele; em geral, trata-se de paráfrases ilegitimamente assumidas.
A transparência, por sua vez, se observa pela orientação que o autor dá ao leitor, para que este não precise adivinhar o que se quis dizer, ou a que fonte se refere, a que autor. Por exemplo, quando um escritor usa uma palavra de sentido técnico como "construtivismo", explica com que sentido emprega, baseado em que autor, em que percepção do processo educativo. P. 190.
Ø Para efeito deste artigo, assume-se saber escrever como dominar o código escrito e estratégias de composição. (Cassany, 1999) Saber transformar significa escrever produzindo conhecimentos. (Silveira, 1998). P. 191.
Ø Em síntese, as prosas de escritor e de leitor poderiam ser visualizadas, como o sumariza Cassany (1999, p. 140), de acordo com a função, estrutura e estilo.
PROSA DE ESCRITOR
Função - é a expressão escrita do autor para ele mesmo.
Estrutura - reflete o pensamento, o processo de descoberta do tema.
Estilo - utiliza palavras com Significados pessoais para o autor.
O texto depende do contexto que está implícito.
PROSA DE LEITOR
Função - é a intenção de comunicar informação a um leitor.
Estrutura - tem uma estrutura retórica baseada no propósito do autor.
Estilo - utiliza uma linguagem compartilhada com o leitor.
O texto é autônomo. Não é necessário o contexto para compreendê-lo. P. 194.
Ø Em função da delimitação proposta neste artigo, arrisca-se a desenhar as prosas de escritor, de leitor e de autor da seguinte maneira:
PROSA DE ESCRITOR PROSA DE LEITOR PROSA DE AUTOR
Função:
- registro provisório das descobertas - comunicação completa a uma - comunicação completa a
ou mais comunidades discursivas comunidades discursivas
mais abertas.

Estrutura:
Reflete o estado da arte em que se en- - esconde os estados de arte pelos - reflete os movimentos
contra o proponente, face o tema. quais o autor passou; de resistência aos modis-
- obedece aos ditames da comuni- mos e tentativas de van-
dade discursiva. guardas.

Estilo:
- utiliza palavras e expressões cujo - utiliza palavras e expressões com - provoca a polissemia a-
significado domina fragilmente, mas maior segurança e revela conexões berta; desconstrói con-
sabe que pertence a uma ou mais comu- entre comunidades discursivas e cor- sensos.
nidades, com determinada configuração relações de significados e sentidos,
semântica. para além daquela comunidade em
que momentaneamente se inscreve.

- o texto está preso às visões subjetivas - o texto ganha autonomia pela gene- - a generosidade do pro-
do proponente e ao contexto pessoal em rosidade do proponente. ponente ora se esconde,
que se inscreve. ora aparece. P. 195.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø A pesquisa focalizada em textos diversos, produzidos por escritores de distintas formações discursivas, poderá dar conta das estratégias que diferentes escritores usam para transformar as suas prosas de escritor em prosa de leitor, considerando os diferentes gêneros textuais, narrativas, editoriais, memórias, textos publicitários, textos normativos, textos dissertativos opnativos, textos dissertativos expositivos, entre tantos. E a prosa de autor? P. 196.

DIAS SOBRINHO, José. Avaliação: seleção, medida, formação. In: BOHN, Hilário Inácio & SOUZA, Osmar. Faces do saber: desafios à educação do futuro, organizadores. Florianópolis: Insular, 2002.

Ø Falo, sobretudo, de abordagens, intencionalidades e efeitos que, de acordo com as formas de suas combinações e ênfases, constituem tendências dominantes na história da avaliação e a deixam impregnada de sentidos que se justificam nas sociedades hierarquizadas. Ao final, proponho a recuperação da dimensão formativa ou pedagógica da avaliação, a que só se poderia aceder basicamente pelo exercício da autonomia assumido socialmente pelos agentes de uma instituição educativa. P. 200
AVALIAÇÃO COMO MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO OU SELEÇÃO SOCIAL
Ø Estamos tão familiarizados com os testes, provas ou exames no domínio escolar que os vemos naturalmente vinculados aos conhecimentos e às intenções educativas, como se sempre tivessem existido no âmbito da educação formal e sempre se referissem a matérias do escolar. entretanto, há na avaliação outras relações que pouco têm a ver com a dimensão cognitiva, ou mais amplamente, pedagógica e educacional.
Já muito antes da era cristã a avaliação servia a propósito de seleção de indivíduos de determinadas corporações para ocupação de lugares e exercício de funções específicas no sistema de serviços públicos. Na velha China, a avaliação selecionava os mais aptos ao serviço dos mandarins. Na Grécia antiga, Atenas praticava a docimasia: a avaliação se centrava no julgamento das aptidões morais dos candidatos a funções públicas. Promovidos como instrumento de seleção, os concursos exerciam antigamente - como ainda hoje - um poder discriminativo de organizar seletivamente os indivíduos, ou seja, de distribuí-los num sistema hierarquizado de poder, de(p.200) estratificar lugares de prestígio ou de reconhecimento social e de subordinações, de acordo com as capacidades pessoais que cada um pudesse demonstrar. A avaliação esteve sempre referenciada a necessidades de escolhas no plano social. inicialmente, porém, isto nada tinha a ver com sistemas ou aprendizagens escolares, sobretudo não a exames escritos e notas, que, como se sabe, são uma invenção bem mais recente. ps. 200/201.
Ø As primeiras práticas avaliativas promovidas pelas universidades medievais eram feitas apenas como exercícios orais, e não escritos. A pedagogia Jesuítica posteriormente desenvolveu bastante esse tipo de competição oral, de caráter emulativo e qualitativo, como privilegiada técnica pedagógica. O sistema de exames e sua representação através de notas, a notação, é uma prática que surge com a institucionalização das escolas modernas. Como se sabe, a escola moderna é uma instituição que se caracteriza por sua organização em níveis diferentes e hierárquicos e de acordo com critérios de méritos individuais.p. 201.
Ø Nestes últimos cem anos, a avaliação se institucionaliza como uma complexa área de práticas, instrumentos, teorias e de profissionais, cumprindo funções educacionais, mas também sociais e políticas de grande alcance. É precisamente nessa relação entre os diversos níveis do ensino institucionalizado a partir do século XVIII e a vida social e econômica cada vez mais complexa que a avaliação vai exercer um papel de grande peso e importância. P. 202.
AVALIAÇÃO COMO MEDIDA OU MENSURAÇÃO
Ø A avaliação passa a priorizar claramente, então, o sentido de accountability, ou seja, a responsabilidade e a capacidade de a instituição e seus agentes demonstrarem eficiência, nem tanto para a sociedade, mas sobretudo ao governo. Tudo se passa como se, ao prestar contas, a instituição educativa produzisse sua própria regulação assimilando as expectativas externas. O que em verdade não pode ocorrer. P. 209
AVALIAÇÃO: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E MELHORIA DA QUALIDADE EDUCATIVA E SOCIAL
Ø A avaliação de que passo a falar sucintamente é aquela orientada a fazer balanços amplos e, sobretudo, a buscar a construção coletiva da qualidade das instituições educacionais. Ela é pois, muito distinta das avaliações que carregam o peso da tradição da medida e da seleção. Apesar das enormes dificuldades de realização, proponho um deslocamento do pólo da informação elaborada com a finalidade de controle para o da formação, pelo resgate da dimensão pedagógica da avaliação. Aqui já estamos no âmbito educativo, as palavras chave são participação, negociação, debate público, democracia, formação... p. 209.
Ø Proponho que a avaliação, além de buscar compreender a complexidade e a polissemia do fenômeno educacional e das(p.209) instituições educativas em concreto, ultrapasse o meramente observável e quantificável para efeitos de restrição e enquandramento a uma norma ou critério previamente estabelecidos, seja isso de caráter social ou mias marcadamente econômico, e tenha sobretudo uma função intencionalmente proativa e formativa ou pedagógica. Referida à educação, a avaliação não pode deixar de ser afirmativa das potencialidades educacionais. Falo da necessidade de se transformar a lógica predominantemente negativa da avaliação, especialmente quando não conta em sua formulação e execução com os reais agentes da transformação educacional, em uma lógica formativa e que conceba a qualidade em outros termos e sentidos que não os exclusivamente mercadológicos. Penso em uma avaliação que inverta o pólo da competitividade a qualquer custo, para a competição sadia construída com basena solidariedade social e no espírito da colegialidade (Dias Sobrinho, 2000b:183). Ps. 209/210.
Ø Dentre as várias vantagens e justificativas da avaliação participativa, é importante apontar ao menos três: ela pode obter mais validade em virtude da pluralidade de perspectivas e concepções dos participantes internos e externos; os participantes se sentem mais comprometidos com a avaliação e as ações de melhoramento que ela engendra; a avaliação participativa é superior às outras modalidades do ponto de vista ético porque se baseia na aceitação do direito da expressão. A participação, em princípio, aumenta a legitimidade da ação pública, o que acaba levando a uma aceitação mais ampla pela população. Claro que junto com a participação se deve operar com outros valores éticos, como o respeito à individualidade, à confidencialidade e ao interesse público.
A avaliação pode ser um importante instrumento de profissionalização dos professores (Ângulo, 2000), no sentido de desenvolvimento e formação contínuos. Isso se ela consegue se desenvolver como um processo coletivo e não compulsório de reflexão desses atores sobre sua própria prática de docência e investigação. A instituição educativa é, então, concebida como construção coletiva. Dessa maneira, a avaliação(p.211) se instaura como um pôr em foco os significados da qualidade da ação educativa e um processo gerador de possibilidades de melhora pedagógica a partir do envolvimento dos agentes do trabalho educativo. Ps. 211/212.
Ø ... a avaliação deve ter sempre presente que as situações educativas não são sistemas fechados e fixos, mas abertos dinâmicos; são portadoras de múltiplas possibilidades formativas e por isso não cabem em modelos padronizados, nem são acessíveis em toda a sua riqueza a instrumentos que se pretendem isentos de valores e imunes à subjetividade. Os fenômenos humanos e sociais são sempre polissêmicos. Por isso, a educação não pode ser reduzida a dimensões quantificáveis. Mesmo a relação ensino e aprendizagem em função do conhecimento está sempre mergulhada em valores, comportamentos e atitudes, se produz em situações do cotidiano que escapam muitas vezes ao previsível e planejável, mas não deveriam escapar às indagações de um processo de avaliação (Dias Sobrinho, 2000 a:68).
A avaliação deve se ocupar principalmente do valor social da formação. As instituições educativas devem se resguardar como lugares privilegiados da crítica, da criatividade, da livre circulação de idéias e experiências. Além da formação técnico-profissional que satisfaça o mercado, devem elas formar pessoas que saibam integrar os conhecimentos e as práticas em seu processo de vida pessoal e possam participar ativamente da construção da cidadania, do desenvolvimento nacional e da nacionalidade (Dias Sobrinho, 1975:15 e segs.). P. 212.
Ø Avaliar é mais que elaborar um banco de dados, medir os graus de possíveis aprendizagens, inventariar resultados ou demonstrar desempenhos, embora tudo isso seja importante e deva fazer parte do processo. É mais que medir, selecionar, controlar ou fiscalizar, embora essas funções tenham estigmatizado toda a história da avaliação e sob muitos argumentos se justifiquem. A avaliação democrática, no sentido de uma ampla ação do coletivo universitário, deve priorizar seu potencial formativo e proativo. Deve levar a instituição educativa a se interrogar de forma radical e de conjunto sobre os significados de seus serviços e atividades e de suas relações com a ciência e com a sociedade. Essencialmente, a avaliação deve suscitar interrogações de sentido ético, político e filosófico sobre a formação que está promovendo e engendrar reflexões sobre o significado mais profundo da missão e da visão de cada instituição, segundo os princípios de eqüidade e de pertinência. Precisa conhecer e interpretar as fraquezas da instituição, com vistas a superá-las, mas, sobretudo, deve compreender e identificar as suas qualidades mais fortes e suas potencialidades para se consolidar ainda mais. P. 215.
PROSFÁCIO
Ø Como organizadores, deixamos alguns "flashes" do que poderia estar acontecendo após a leitura desses artigos, no todo, ou em partes:
reações estranhas às quebras de expectativas ou, talvez, por despertar os "aposentados de si mesmos" (Wittmann);
reações menos traumáticas ao perceber que as inquietações são similares entre diferentes sujeitos ao resolver determinados desafios, entre os quais se inclui a escrita e a complexidade cultural (Souza; Bohn);
reações positivas por se perceber lutando contra as formas de opressão que assujeitam o ser(substantivo) e impedem ser (verbo) (D'Ambrósio);
reações indiganadas das que põem em cheque os saberes constituídos, supostamente legitimados, de forma reducionista (Keim; Riggio);
reações corajosas dos que tentam superar as metodologias e propostas repetitivas (Biembengut; Breuckembaum);
reações críticas das concepções de universidade e das políticas vinculadas ao ensino superior no Brasil e dos processos de avaliação (Dias Sobrinho, Meneghel);
reações confiantes pela recuperação da filosofia, da infância ao saber acadêmico (Souza; Lamar); P. 219.

Ø "Currículo é a estratégia para a ação educativa". (D'Ambrosio)
"Os padrões epistemológicos da Educação estão relacionados com a legitimação ou não de determinados discursos e práticas e não refletem só poder como também o produzem". (Lamar)
"A modernização significa adaptar a Universidade a uma situação que mantém e reforça sua condição de instituição de país com economia periférica, à medida que limita a formação de cientistas e privilegia o treinamento de mão-de-obra". (Meneghel).
"A humanidade é uma aventura de sobrevivência e como tal deve ser analisada numa perspectiva caótica, quântica, relativista, casual e complexa. (Keim)
"Vivemos um tempo eternal: desde o seu a-começo, o passado invade o futuro, que já chegou". (Wittmann)
"Quem recebe a palavra não pode interpretá-la cristalizada, mas em movimento, constituindo o seu significado pelo perceber pessoal, diferenciado, renovador..." (Bohn)
"Essa inquietação, esse desacerto com os dados imediatos da realidade, constituem parte da angústia, da incerteza, do desconforto, que caracterizam uma mente pesquisadora". (Breuckmann)
"O professor e o aluno formam uma pequena comunidade". (Souza, Nivaldo)
"E o professor respondeu: se estamos em álgebra, não pode usar geometria..." (Riggio)
"A natureza é pródiga em criações e a razão humana, ao buscar compreender e expressar uma sensação provocada por uma imagem, um som, ou uma manifestação qualquer, procura relacioná-la com algo conhecido, efetuando deduções, formando na mente uma imagem, uma representação, isto é um modelo. (Biembengut).
"A prosa de escritor provoca a polissemia aberta, desconstrói consensos". (Souza, Osmar)
"A avaliação deve se preocupar principalmente do valor social da formação". (Dias Sobrinho)

Ø A atribuição de sentidos (de significados) a textos escritos difere de sujeito a sujeito, apesar das restrições ensaiadas pelos autores em sua textualização. P. 08.
PAZ E A NECESSIDADE DE REPENSAR A EDUCAÇÃO - Ubiratan D'ambrosio
I. PAZ
Ø a problemática da PAZ deve ser o centro de nossas reflexões sobre o futuro. Violações da paz não se resumem em confrontos militares, que são as guerras. Na verdade, a paz é um conceito pluridimensional. Nosso objetivo deve ser atingir um estado de PAZ TOTAL, sem que o futuro da humanidade estará comprometido.
Por PAZ TOTAL entendo a paz nas suas várias dimensões:
. PAZ INTERIOR - estar em paz consigo mesmo;
. PAZ SOCIAL - estar em paz com os outros;
. PAZ AMBIENTAL - estar em paz com as demais espécies e com a natureza em geral;
. PAZ MILITAR - a ausência de confronto armado.
Paz não é apenas a inexistência de divergências e conflitos. As diferenças e, conseqüentemente, as divergências e conflitos são parte da diversidade que caracteriza todas as espécies, e são, portanto, intrínsecas ao fenômeno vida. Cada indivíduo é diferente do outro. A homogeinização da espécie humana é algo que contraria frontalmente as leis biológicas e(p.9) tem como resultado a anulação da nossa vontade individual, em outros termos, causa a subordinação da nossa consciência e a eliminação dos traços culturais. Essa homogeneização é hoje uma ameaça efetiva em vista das possibilidades atuais de manipulação genética. Ps. 08/10.
II. A CONDIÇÃO HUMANA
Ø A existência de diferenças é natural e o encontro com o diferente são, em todas as espécies vivas, essenciais para a continuidade da espécie. Mas é incrível como, num curto tempo de sua presença neste planeta, a espécie humana tornou esse encontro um ato sujeito à arrogância, à inveja, à prepotência, à ganância e à agressividade. A ética tem como grande objetivo transcender esse comportamento. P. 10.
Ø Minha visão de homem repousa sobre a análise das seguintes categorias:
. COSMOS
. PLANETA
. VIDA, COMO A RESOLUÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE CADA INDIVÍDUO, OUTRO(s) E A NATUREZA
. SOBREVIVÊNCIA DO INDIVÍDUO E DA ESPÉCIE
. HOMEM, COMO UMA ESPÉCIE DIFERENCIADAS
. TRANSCENDÊNCIA(p.10)
. INTERMEDIAÇÕES, CRIADAS PELO HOMEM, ENTRE INDIVÍDUO, OUTRO(s) E NATUREZA
. COMUNICAÇÃO
. COMPORTAMENTO
. CONHECIMENTO
. CONSCIÊNCIA E ÉTICA
O problema fundamental é entender a relação entre o indivíduo e o seu comportamento, isto é, entre O SER HUMANO (substantivo) e SER HUMANO (verbo). Ps. 10/11
Ø Procurando entender que é, o que é, como é, o homem constrói sistemas de explicações que se organizam como história, ciência, arte. E na explicação do quanto pode, concebe o poder. Essas explicações determinam a construção de modos de comportamentos e de conhecimento. P. 11.
Ø As violações da dignidade humana na civilização moderna, que chegam até à exclusão e mesmo eliminação de indivíduos, levam alguns a duvidar da viabilidade de uma sociedade eqüitativa. A agressividade desmesurada a natureza põe em risco a continuidade da espécie.
As distorções da maneira como o homem tem se acreditado induziram poder, prepotência, ganância, inveja, avareza, arrogância, indiferença. P. 11.
Ø O comportamento e o conhecimento se constroem sobre crenças intelectuais basilares, por muitos chamadas paradigmas. Comportar-se e conhecer são identificados com o fazer e o saber. Na filosofia ocidental, que culmina com a chamada filosofia moderna, fazer e saber comparecem como ações distintas. O fazer está associado ao material, ao corpo, ao manual, ao colarinho azul. O saber está associado ao espiritual, à mente, ao intelectual, ao colarinho branco. P. 12.
Ø Quem sabe manda e o fazer é interpretado como um ato de obediência. P. 12.
A VIDA COMO UMA TRÍADE
Ø Os três componentes, o INDIVÍDUO, o OUTRO e a NATUREZA, são mutuamente essenciais. Vida significa a resolução desse triângulo indissolúvel. Nenhum dos três componentes tem qualquer significado sem os demais.
O indivíduo é um organismo vivo, complexo na sua definição e no funcionamento de seu corpo, que age em coordenação com o cérebro, órgão responsável pela organização e execução de suas ações. Um corpo e um cérebro mutuamente essenciais, uma só entidade. P. 13.
Ø Em todas as espécies, na busca de sobrevivência, o indivíduo se sujeita a comportamentos vitais básicos (meios)(p.13)
. reconhece o outro,
. aprende,
. é ensinado,
. adapta-se
. e cruza
com os objetivos (fins) de sobreviver e de dar continuidade à espécie.
Uma questão maior, ainda não respondida, é "Quais as forças que levam os seres vivos a esses comportamentos vitais?".
O homem, como todo organismo vivo, é complexo na sua definição e no seu funcionamento, e está sujeito aos mesmos comportamentos vitais básicos de todo ser vivo. Busca sobrevivência. A sobrevivência depende da resolução do triângulo da vida, que se dá no momento e no local. É uma ação no presente espacial e temporal, uma resposta à pulsão de sobrevivência que se dá aqui e agora.
Mas, diferentemente dos demais seres vivos e mesmo das espécies mais próximas, o homem busca algo além da sobrevivência. Algumas vezes até rejeita sua sobrevivência..
AS INTERMEDIZAÇÕES CRIADAS PELA ESPÉCIE HUMANA.
Ø Onde se situa a diferença de comportamento entre a espécie humana e as demais espécies?
O comportamento humano resulta de duas grandes pulsões:
a sobrevivência, do indivíduo e da espécie que, como em toda espécie viva, se situa na dimensão do momento;
a transcendência do espaço e do tempo que, diferentemente das demais espécies, se situa numa outra dimensão, levando o homem a indagar "por quê?", "como"?", "onde?", "quando?".
Sobrevivência e transcendência guardam uma relação simbiótica e distinguem o ser humano das demais espécies. Na resposta às pulsões de sobrevivência e de transcendência surgem intermediações nas relações essenciais do indivíduo coma natureza e com o(s) outro(s) e o homem incursiona no passado, buscando explicações, e no futuro, buscando predições. Nesse incursionar gera conhecimento, que é reconhecido nas habilidades, nas técnicas, nos mitos e nas artes, nas religiões e nas ciências. No encontro com o outro, que também estás em busca de sobrevivência e de transcendência, desenvolve-se a comunicação, o que permite compartilhar o conhecimento gerado pelo indivíduo. O conhecimento compartilhado por um grupo e por uma sociedade vai dar um dos componentes básicos do que se chama cultura.
A diferença essencial entre a espécie humana e as demais espécies é o fato de termos criado, ao longo da nossa evolução, instrumentos, comunicação, principalmente a linguagem, e um sistema de produção, que servem de intermediações para a resolução do triângulo da vida.(p.15)
INDIVÍDUO - instrumentos/tecnologia - NATUREZA

Comunicação produção
Emoções trabalho

OUTRO(s) SOCIEDADE Ps. 15/16.
Ø Embora usualmente identificada como a mente, a consciência é uma realidade inerente à condição humana, que subordina o instinto. A consciência é responsável pela integração da pulsão de sobrevivência com a pulsão de transcendência.
O conceito de consciência é de maior importância para um novo pensar. Mais uma vez ouvimos Sri Aurobindo:
"Consciência não é apenas o poder de percepção das coisas, é ou possui também uma energia dinâmica e criativa. Pode determinar suas próprias reações ou abster-se das reações; pode não apenas responder a forças, mas criar ou lançar forças de si própria." P. 16
VALORES
Ø O comportamento de cada indivíduo é aceito pelos seus próximos quando subordinados a parâmetros, que denominamos valores, e que determinam os acertos e equívocos na(p.16) produção das intermediações criadas pelo homem para sua sobrevivência e transcendência. Ps. 16/17.
Ø Uma excursão pela história revela que novos meios de sobrevivência e de transcendência fazem com que valores mudem. Mas, alguns valores permanecem:
. respeito pelo outro (diferente),
. solidariedade com o outro,
. cooperação com o outro.
Esses valores constituem uma ética maior, sem a qual a qualidade de ser humano se dilui. P. 17.
Ø A transdisciplinaridade, assumindo a inconclusão do ser humano, rejeita a arrogância do saber concluído e das certezas convencionais e propõe a humildade da busca permanente.
O comportamento humano responde às pulsões de sobrevivência e de transcendência, que estão intimamente ligados. Vai além de comportamento orientado pelo cérebro. Existe algo mais: a mente, que tem intrigado os filósofos desde a antigüidade, e a consciência, igualmente intrigante.
Mas e o corpo? Serão corpo e mente desvinculados? Vejo corpo e mente como mutuamente essenciais. O maior equívoco da filosofia ocidental tem sido considerar o homem como um corpo MAIS um mente, e separar o que sentimos do que somos. O conhecimento tem focalizado corpo e mente, muitas vezes privilegiando um sobre o outro.
. PENSO, LOGO EXISTO?
. NÃO! EXISTO PORQUE RESPIRO, BEBO, COMO, EXCRETO, INTUO, CHORO e RIO, e PENSO.
E faço tudo isso diferentemente das demais espécies vivas, porque sou ao mesmo tempo sensorial, intuitivo, emocional, místico e racional. P. 18.
OS PARADIGMAS NEWTONIAMOS E OS CHAMADOS NOVOS PARADIGMAS
Ø No século XVII, Galileo Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) criaram as bases conceituais sobre as quais Issac Newton (1642-1726) produziu seu trabalho monumental, que explica certos fenômenos naturais, e que foi rapidamente ampliado para explicar o comportamento humano. Esse sistema de explicações repousa sobre uma matemática muito equilibrada, principalmente o Cálculo Diferencial, que se estabeleceu como a linguagem por excelência do paradigma científico proposto por Newton. A matemática se tornou protótipo das chamadas ciências exatas ou ciências duras.
Alguns dos importantes valores aceitos pela modernidade, tais como precisão, rigor, certeza, verdade, estão intimamente associados ao pensar matemático. São, portanto, valores vulneráveis. Na busca de um conhecimento mais amplo não será possível rejeitar outros modos de pensar e outras visões da natureza do mundo mental, físico e social que são parte de "outras" maneiras de formular e organizar conhecimento. P. 20.
Ø As sociedades humanas modernas são grupos de indivíduos que se comportam em conformidade com normas e(p.20) valores estabelecidos ao longo da história, resultado de tradições e eventos.
III. UMA PROPOSTA EDUCACIONAL
Obediência e ética
Ø A obediência é muitas vezes resultado de temor de represálias pela autoridade legítima. Poder é muitas vezes identificado associado à obediência. Desde o temor de punição eterna, num cenário místico, até o temor de punições físicas, como suplício, mutilação e morte, materiais, como multas e confiscos, e morais, como censura, confinamento e exclusão.
A ameaça de represálias geralmente não está explícita no discurso que respalda o poder. A obediência se obtém de maneira mais sutil, sem recursos às ameaças. Muitas vezes se dá através de recompensas, tais como prêmios, distinções e cooptação nos círculos de poder. A cooptação é a estratégia mais forte de manutenção do poder e repousa na aceitação de um sistemas de valores.
No sistema de valores estão incorporadas as atitudes com relação ao outro, que se estendem a grupos de outros identificados por características étnicas, culturais e religiosas. A partir daí se constroem os fundamentalismos, comuns nas sociedades, com os mais variados graus de intensidade.
A percepção, pelo outro, de uma ameaça, é o ponto de partida para a intolerância, e a partir daí se parte para a defesa preventiva, que leva inevitavelmente ao ataque. P. 22.
Ø Devemos subordinar o sistema de valores a uma ética maior, uma ética que cruze culturas e que coloque prioridade na sustentação do triângulo da vida. Uma proposta é a ética da diversidade:
RESPEITO pelo outro com todas as suas diferenças;
SOLIDARIEDADE com o outro na satisfação das necessidades de sobrevivência e transcendência;
COOPERAÇÃO com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum.
Essa é uma ética que conduz à PAZ INTERIOR, à PAZ SOCIAL e à PAZ AMBINTAL, e conseqüentemente, à PAZ MILITAR. Atingir essa PAZ TOTAL é o objetivo maior da educação. Como organizar os sistemas educacionais em função desse objetivo maior?
SOBRE CURRÍCULO
Ø Currículo é a estratégia para a ação educativa.
O ponto crítico é a passagem de um modelo de currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sócio-cultural e a prática educativa nele inserido. O currículo, assim como a educação em geral, tem privilegiado o racional. A ponto de se identificar inteligência com desempenho intelectual, e atribuir a indivíduos um QI (quociente de inteligência), baseado em testes e medidas de natureza estatística, que seria como um(p.23) indicador de talentos, e de seu desempenho em situações futuras, tomadas de decisão e solução do inúmeros problemas que o cotidiano nos oferece. A utilização do QI como selecionador teve conseqüências funestas na educação e se tornou um importante instrumento discriminatório.
Na década de 60, alguns psicólogos, particularmente Carl Rogers, propuseram maior ênfase no afetivo e emocional. Ps. 23/24.
Ø Recentemente, uma abertura significativa foi dada por Danh Zohar e Ian Marshall, ao reconhecer uma inteligência espiritual, como
"a inteligência com que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor, a inteligência com a qual podemos pôr nossos atos e nossas vidas em um contexto mais amplo, mais rico, mais gerador de sentido, a inteligência com a qual podemos avaliar que um curso de ação ou caminho na vida faz mais sentido que outro."
Assim, vamos caminhando para reconhecer que o comportamento humano é, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo sensorial, intuitivo, emocional, místico e racional. P. 24.
Ø O currículo dinâmico parte do reconhecimento que nas sociedades modernas as experiências e interesses dos indivíduos são distintas e, portanto, as classes são heterogêneas, tendo alunos de interesses variados e detentores de uma enorme gama de conhecimentos prévios. Todos esses alunos têm potencial criativo, porém orientados em direções imprevisíveis e com as motivações mais variadas. O currículo, isto é, a estratégia da ação educativa, depende de facilitar a troca de informações, conhecimentos e habilidades entre alunos e professor/alunos, através de uma socialização de esforços em direção a uma tarefa comum. Essa tarefa comum pode ser um projeto, uma discussão, uma reflexão e inúmeras outras modalidades de ação comum, em que cada indivíduo contribui com o que sabe, com o que tem, com o que pode, levando ao máximo o seu empenho na concretização do objetivo comum. Sintetizando, o currículo dinâmico é uma estratégia de ação comum e repousa sobre três etapas que se desenvolvem simultaneamente:
. motivação, resultado de condições emocionais e da interface passado/futuro;
. elaboração de novo conhecimento mediante troca/construção/reconstrução de conhecimentos;
. socialização mediante a realização de tarefas comuns. P. 25.
Ø A visão holística, ou da transdisciplinaridade, ou da complexidade e tantas outras denominações apontam, essencialmente, para a integralidade do homem, como entidade inserida numa ampla realidade cósmica, e cujo comportamento é resultado de fatores sensoriais, intuitivos, emocionais, místicos e racionais. As implicações dessa visão ampla para a educação são promissoras.
No comportamento humano está implícito um sistema de valores. Vivenciar esse sistema de valores no cotidiano é o código de conduta que pode redimir o ser humano.
Esse vivenciar implica, muitas vezes, desobediência a ordens e normas de conduta. Alguns se sentem encorajados a essa desobediência numa ação de grupo. São transgressões que, mesmo sujeitas à repressão, deflagram os grandes movimentos sociais. P. 27.
Ø A conduta que pode conduzir o ser humano à redenção resulta de se atingir o estado de consciência, quando conhecimento e comportamento estão solidários.
NOTAS
Ø A espécie humana é a única a praticar suicídio. Há uma forma de suicídio de células cancerosas e mesmo prática individual do suicídio em algumas espécies, mas obedecendo a mecanismos fisiológicos. Suicídio sem o objetivo maior de dar continuidade à espécie é conhecido somente na nossa espécie. P. 29.
Ø Basta atentar para o fato que um dos crimes mais execráveis, que é o seqüestro para retirada de órgão, só é possível com a participação de médicos e engenheiros com formação especializada. P. 30.

EPISTEMOLOGIA SOCIAL - Possível origem e alguns momentos de seu percurso
Adolfo Ramos Lamar
A POSSÍVEL ORIGEM DA EXPRESSÃO "EPISTEMOLOGIA SOCIAL"
Ø Para entender, o contexto no qual apareceu essa expressão, devemos assinalar que nos anos 50, diversos estudiosos da Biblioteconomia estavam preocupados, entre(p.33) outras coisas, em estabelecer qual deveria ser a sua Filosofia, e em particular em identificar qual deveria ser a função social da Biblioteca e do bibliotecário e como deveria ser educado. Nesse sentido, S. MUELLER (1984) ressalta que M. EGAN (1978) - num trabalho publicado em 1955 - sob a influência do evolucionismo de H. Spencer, assinala que a biblioteca é uma instituição social que evolui interagindo com a estrutura social na qual está e ajuda ao desenvolvimento social. A sociedade e suas instituições, e, portanto, a biblioteca, evoluem de forma semelhante aos organismos vivos já que estão continuamente se adaptando, diferenciando e coordenando passando do simples ao complexo. A biblioteca é uma instituição social, uma agência cultural que tem como função organizar o conhecimento, difundir os produtos culturais e gerenciar o fluxo do conhecimento registrado. Ps. 33/34.
Ø Na opinião de SHERA (1977), 0 aumento do volume e da complexidade do conhecimento humano promove sua interdependência, fragmentação, centrifugação, ou seja, estimula a especialização, sendo necessário estudar as formas de coordenar e integrar o conhecimento numa organização social complexa. Tal tarefa seria realizada pela "Epistemologia Social". A grande afinidade entre esta e a Biblioteconomia deve-se a que esta última - que tem por objetivo aumentar a utilidade social dos registros gráficos - precisa muito do gerenciamento do conhecimento - tem fundamentos epistemológicos, ainda que alguns não aceitem isso. P. 34.
Ø Na idéia de FULLER (1997), a "Epistemologia Social" defende uma maior participação dos não cientistas nas discussões sobre a ciência e o aprofundamento nas condições sociais de produção de conhecimento. A "Epistemologia Social" se preocupa com as questões políticas e éticas da metateoria normativa do conhecimento científico, o qual não foi quase abordado pela filosofia analítica. P. 38.
Ø A "Epistemologia Social" está inserida nos "Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia", junto com a Sociologia, Economia Política, Retórica, História e Filosofia da Ciência, e os Estudos de Ciência-Tecnologia-Sociedade e Análise de Discurso. Nesse sentido, ele postula uma visão interdisciplinar da Ciência que poderá permitir reorganizar internamente a academia e suas relações com a sociedade. Ao mesmo tempo defende a idéia de uma maior participação da sociedade nas discussões sobre a ciência, e não deixar isso só com os "experts". Isso contribuirá para uma "prática emancipatória".
EPISTEMOLOGIA SOCIAL DA EDUCAÇÃO
Ø Com relação ao aparecimento na pesquisa educacional de trabalhos relacionados com a "Epistemologia Social", é importante fazer referência a Thomas Popkewitz, que é um dos autores que mais trabalha essa posição na área da Educação. A posição dele está muito influenciada pela Sociologia Política, já que considera a escolarização, inclusive as reformas educacionais, como muito impregnada de relações de poder. Nessa linha, ele, analisando particularmente a Reforma Educacional nos Estados Unidos da América, diz:
"Este estudo considera a mudança como um problema de Epistemologia Social. a Epistemologia proporciona o contexto dentro do qual devem ser consideradas as regras e os modelos através dos quais o mundo é formado, as distinções e categorizações que organizam as percep-(p.39) ções, as formas de responder ao mundo e o conceito do self. Ao mesmo tempo, a Epistemologia Social toma os objetos que compõem o conhecimento da escola definindo-os como elementos da prática institucional, dos padrões de poder historicamente formados que fornecem estrutura e coerência aos caprichos da vida diária. Considerando, por exemplo, os conceitos variáveis de reforma, profissionalismo e ciência educacional como componentes de um contexto material que os conceitos tanto descrevem como incorporam. Essas palavras adquirem significado no contexto de um complicado conjunto de relações que se combinam para produzir a escolarização. Uso a frase Epistemologia Social para fazer do conhecimento da escolarização uma prática social acessível ao questionamento sociológico; a intenção é enfatizar a inserção social e relacional do conhecimento nas práticas e aspectos do poder." (POPKEWITZ, 1997:23). Ps. 39/40.
Ø Desde a perspectiva de FULLER, a Epistemologia tem que ter como um de seus princípios o caráter social do conhecimento e rejeitar a distinção entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação. Sua "Epistemologia Social" está ancorada na defesa de uma grande interpenetração entre ciência e sociedade, daí que defende a maior participação da sociedade na agenda da ciência, portanto, esta não seria só consumidora. P. 43.
Ø Da mesma forma, devemos destacar que na pesquisa educacional existe luta entre diversas visões sobre como atua o social nos critérios de cientificidade, nas estratégias de pesquisa, na avaliação do planejamento, no andamento e término da pesquisa, na discussão sobre a existência não de verdade, na relação teoria e prática, na relação teoria e experiência, na definição do conceito de racionalidade. P. 44.

POLÍTICAS DE MODERNIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL - A Reforma Universitária de 1968 e a LDB/96
Stela Maria Meneghel
6. INTRODUÇÃO
Ø Este trabalho tem por objetivo analisar a Reforma Universitária de 1968 (RU/68) e a LDB/96 que alteram a legislação do Ensino Superior no Brasil. O foco da análise é a associação das atividades de ensino e pesquisa, que caracteriza o 'modelo moderno' de Universidade. P. 47.
7. MODERNIZAÇÃO E UNIVERSIDADE MODERNA
Ø Os conceitos de modernidade e modernização são foco de discussão e controvérsia no âmbito das Ciências Sociais. É freqüente a associação entre modernidade e capitalismo, uma vez que o início da Era Moderna é concomitante à formação e organização dos Estados-nação deste que se formou o capitalismo nacional (atualmente internacionalizado e sem território). Mediados com sua relação com o Estado, modernidade e modernização são termos utilizados como reflexo de características relacionadas ao capitalismo - tais como capacidade de desenvolvimento tecnológico e industrial, acumulação e concentração de capital.
A idéia de modernização seria, originalmente, uma referência ao processo de 'ocidentalização' ou 'europeização' por que passaram Alemanha e Japão, na primeira metade do século XX, ao buscarem, via industrialização, assimilar e incorporar ao seu desenvolvimento a tecnologia de países paradigmaticamente adiantados - Inglaterra e França. Modernização refere-se, portanto, ao caminho ou processo que conduz à modernidade. Pode haver vantagens no 'atraso' da(p.48) modernização: queimam-se etapas sem pagar, em termos sociais e econômicos, o alto preço da liderança. Mas o atraso também pode revelar um 'enfermidade': a incapacidade de a modernização atingir a modernidade. É na forma de uma 'patologia' que este fenômeno, próprio de países em desenvolvimento, como o Brasil, tende a ser visto (FAORO, 1992:7). Ps. 48/49
Ø O conceito de Universidade como instituição voltada à ciência e à pesquisa surgiu, portanto, na Alemanha. Seu caráter moderno verifica-se em contraposição à Universidade cuja herança/tradição medieval impunha organização e temas limitados aos interesses da Igreja. A instituição universitária, segundo o novo conceito, foi idealizada...
"...para reelaborar e criar novos conhecimentos, para elaborar cultura. A ela coube integrar, em sua própria origem, as funções de pesquisa e ensino e não apenas fazer o comentário, a eventual reelaboração e a transmissão dos conhecimentos existentes e da verdade constituída..."(FAVERO, 1977:83).
8. BREVE HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL
Ø Mas a criação da primeira Universidade brasileira deuse apenas em 1920, por Decreto do Governo Federal, pela justaposição de três escolas superiores já existentes (Medicina, Direito e Engenharia), sem pontos em comum entre si e sem preocupação com a investigação científica - sequer mencionada no decreto que a instituiu. Ela "em nada modificou as escolas superiores existentes e a Universidade recém-criada passou a ter existência apenas nominal. Sua criação processou-se sem debates e discussões, tendo sido recebida sem nenhum interesse e entusiasmo" (FÁVERO, 1977: 28-29). P. 51.
Ø Mas, ao mesmo tempo em que a comunidade acadêmica buscava implementar medidas modernizadoras, o Congresso aprovou, em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases número 4.024 (LDB) que, partindo da heterogeneidade existente entre as IES do país, facultava a realização da pesquisa e facilitava a disseminação de escolas isoladas. Desta forma, regulamentava a expansão do setor (especialmente pela iniciativa privada) sem estimular a investigação científica. Segundo a LDB, as Universidades seriam exceção, devendo caracterizar-se pela universidade de conhecimento e, também pela associação ensino e pesquisa. P. 53.
9. LDB/96: UNIVERSIDADE NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO E DO NEOLIBERALISMO
Ø A partir da década de 80, a globalização do capitalismo e sua repercussão nos Estados nacionais levou à passagem do modelo de Estado intervencionista e de bem-estar para(p.55) neoliberal, atuando como 'regulador' do mercado e promotor da competividade (TORRES, 1995:113). Na educação, as influências da globalização implicam novos espaços e meios de acesso ao conhecimento, mas também atingem, de forma substantiva, a determinação dos seus objetivos/fins. Considerada porta de acesso ao conhecimento tecnológico e base da III.ª Revolução Industrial, a educação é primordial, pois as alterações no modo de produção capitalista contemporâneo demandam a formação de um novo tipo de profissional:
"... a nova economia reclama por trabalhadores com grande capacidade de aprender a aprender, capazes de trabalhar em equipe não só de maneira disciplinada, mas criativa..." (TORRES, 1995:120).
No Estado neoliberal, os fornecedores de serviços, inclusive na área educacional, passam a competir livremente em busca de clientes, pois, a princípio, o aumento da oferta proporciona maior qualidade. Mas, em um país de economia periférica como o Brasil, em que a tecnologia utilizada na produção de bens é importada pelas empresas multinacionais nele estabelecidas, o papel reservado às escolas é de meras formadoras de mão-de-obra qualificada para o mercado. A capacitação em pesquisa, a produção de conhecimento e o desenvolvimento em C&T feitos nas Universidade tornam-se desnecessários, do mesmo modo que a transmissão de cultura e a formação de cidadãos. E proposta de diferenciação de instituições (de acordo com a 'necessidade dos clientes') e diversificação de fontes de financiamento (aporte de recursos do setor produtivo e poupança familiar ) são sinônimos de ajuste à nova fase de desenvolvimento do capital e passam a ser objetivos de reformas no setor. A 'modernização' da Universidade, neste contexto neoliberal, significa torná-la apta a atender demandas do mercado e da 'clientela' (ávida por treinamento que a torne competitiva no mercado), com menor 'custo' para o Estado. Ps. 55/56.
Ø Deste modo, verifica-se que a atual crise na Universidade brasileira (RISTOF, 2000), visível na falta de recursos, no elitismo e na sua 'incapacidade' (desinteresse do Estado) de realizar pesquisa de qualidade, não pode ser considerada exclusivamente uma conseqüência do 'esgotamento do modelo moderno', tal como ocorreu nos países centrais. Trata-se, na verdade, da crise de uma instituição que não mais contribui para um 'projeto' de país e que deve 'adaptar-se' a um Estado que não quer 'pagar a conta' de serviços 'caros', como a pesquisa.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø Uma análise da trajetória da Universidade, ao longo dos séculos, mostra a capacidade que esta instituição cultivou de adaptar-se ao contexto em que está inserida, atendendo às(p.58) necessidades deste. Sua sobrevivência manteve-se alijada ao princípio de transmitir e produzir conhecimentos e, através destes, responder a questões que afligiam a sociedade. Mas tal capacidade não se deveu ao fato dela manter-se à procura de soluções para problemas específicos, e sim ao espírito científico, ao princípio de busca do conhecimento.
Em países como o Brasil, onde a limitação de recursos para o desenvolvimento científico é maior e a crise econômica é agravada por enormes desigualdades sociais, as transformações em curso nas IES trazem preocupações adicionais aos dos países centrais. Mais que uma adaptação, exige-se uma reflexão/'refundação' da Universidade em termos dos seus objetivos institucionais e sociais. Faz-se preciso analisar, profunda e globalmente, seus propósitos e ações, dar perspectiva aos seus problemas e repensar objetivos, de modo a corrigir desperdícios, falhas de gestão, eliminar interesses corporativos. Do mesmo modo que a Universidade é crítica com relação à sociedade, deve sê-lo consigo mesma. P. 59.
Ø Neste sentido, a utilização de recursos como a avaliação, interna e externa, estímulo à auto-reflexão, pode ser fundamental. Não a avaliação regida por critérios limitados à lógica empresarial e economicista, fragmentadores e redutores da realidade, visando maior produtividade e rentabilidade. Mas à voltada à construção de novos tipos de sociedade, com condições mais justas, preocupada com a construção de atitudes, conhecimentos (não 'instrumentalidades') e valores nos indivíduos (DIAS SOBRINHO, 2000:70-71). P. 60.
NOTAS
Ø Os modelos universitários alemão e francês, os de maior influência sobre as reformas do ensino superior em todo mundo, privilegiaram, respectivamente, Razão e Estado como idéia mestra (GOERGEN, 2000:106-107). P. 60.
Ø As escolas superiores no século XIX, eram organizadas formalmente "...como um serviço público, mantidas e controladas pelo governo e voltadas, sobretudo, para a preparação de profissionais liberais... para uma sociedade essencialmente agrária e dependente... serviam de instrumento para a ascensão social, manutenção e consolidação do regime" (FÁVERO, 1980:31-32).

A COMPLEXIDADE DO SABER, DAS CERTEZAS E DA CONDIÇÃO HUMANA - SER COMO SER -
Ernesto Jacb Keim
Ø O saber e a certeza são parte significativa da natureza e da organização da condição humana, somo Ser, único insubstituível.
A educação é parte substancial para a construção destas condições e como tal, deve ser encarada em sua dimensão de pluralidade, de singularidade, de não linearidade e de permanente transformação e integração, através de inúmeras e sucessivas desinstalações e interações.
A educação, neste contexto, pode ser vista como agente de desarmonização e da desequilibração e não de harmonia e equilíbrio social como muitos autores a ela se referem. Através destas sucessivas mudanças a educação pode animar, facilitar e promover a integração dos diferentes, do inusitado e do inesperado. A harmonia e o equilíbrio como fim da educação podem conduzir os humanos para uma perigosa acomodação que contraria sua condição de Ser inquieto e portador de pluralidade e individualidade ímpar, inserido em um meio que a todo momento se altera e se organiza de forma caótica e casual.
Todos os humanos como o meio no qual estão imersos se caracterizam por incorporar, como sendo sua natureza e(p.63) identidade funcional, uma dimensão de não linearidade o que, em princípio, impede que exista previsibilidade em suas ações e reações. Este perfil, casual e também quântico e relativo, e por isso complexo, permite que se considere a atividade humana e suas relações com seu meio interno e com o meio externo no qual estão imersos, como uma dinâmica auto-eco-organizativa. A organização da sociedade através da cultura e da educação interfere sobremaneira neste processo, moldando e adaptando os humanos às suas regras, exigências e particularidades.
Temos aí um primeiro e fundamental confronto de identidade. Somos o que somos, somos o que nos fazem ser ou somos o que permitimos que façam conosco?
Esta questão nos remete a outra que trata da identidade de Ser que trazemos do útero. Quais são as atitudes dos humanos que se caracterizam como expressão de sua animalidade e quais são reflexo do contexto cultural e social que lhe foi impingido? Estas questões ocupam muitos estudiosos e são também origem de muitos desastres que se manifestam através de preconceitos e imposições étnicas. Ps. 63/64.
Ø Vivemos numa sociedade em permanente conflito entre o que somos e o que permitimos que façam conosco. É urgente que se tenha consciência do que estamos permitindo que façam de nossas vidas. P. 66.
Ø A educação neste contexto ocupa papel de grande relevância, à medida em que ela é assumida na radicalidade de sua condição como instância política.
Ela é política pelo fato de "navegar" a todo o tempo no universo dos inúmeros poderes que permeiam a condição de humano que tem vontade e desejo e faz julgamentos apoiados em valores, apesar de estar inserido em contexto social que possui seus próprios valores. Como humanos temos poder de pensar, reagir, interferir, seduzir, comprar, vender, atuar, omitir, avançar, recuar, etc...e como humanos inseridos num meio histórico e social estamos submetidos também a inúmeros poderes como as regras, as leis, os preconceitos, as tradições, os costumes, etc... . Entendo, assim, que a política é a(p.66) consciência dos poderes que possuímos e aos quais estamos submetidos, é a discussão em torno destes poderes e é o conhecimento dos compromissos que selamos e honramos em função dos poderes que possuímos e dos poderes aos quais estamos submetidos.
O Homo como Ser é eminentemente político, é histórico e não pode ser por isso harmônico nem equilibrado. O Humano em sua condição de animalidade pura é apolítico, pois lhe falta a consciência e a capacidade de se comprometer com valores e por não conseguir projetar o futuro considerando a lembrança e as experiências acumuladas do passado. O Homo como Ser tem consciência de sua condição como agente dinâmico que mantém e transforma tudo que está à sua volta. Esta condição o faz consciente de que é impulsionador inteligente e movido por desejos e paixões na dinâmica auto-organizativa do meio em que atua, em suas dimensões biológica, psicológica, social e transcendente. Ps. 66/67.
Ø Reforçando esta posição, volto a Lutero, quando disse que, se soubesse que morreria no dia seguinte, se apressaria naquele momento para plantar uma macieira. Esta postura de liberdade e autonomia temporal mostra o compromisso com o futuro, hoje comi a maçã de uma macieira que alguém plantou, por isso devia ao futuro uma ação equivalente.(p.68)
Ø Esta dimensão de posicionamento e de compromisso com a vida podem ser referenciais interessantes para que se pense a forma como a educação pode questionar as certezas e os saberes transformando-os em novos problemas como propôs A. Einstein. É papel da escola consolidar a postura de enunciar questões apoiadas nos saberes a partir de discussão e do fazer comprometido com a partilha e com a inclusão. Considero importante analisar as certezas como- O que vem a ser nascer? Nós de fato nascemos...: durante a penetração do espermatozóide no óvulo que nos originou; no momento em que a mórula que fomos passou a ter células diferenciadas; quando passamos de embrião para feto; quando saímos do útero; quando nos tornamos adultos ou foi quando nos tornamos economicamente ativos?
- Uma roseira proveniente de um galho enterrado. Ela nasceu quando foi enterrada; quando a roseira original se formou a partir de uma semente ou quando surgiram as primeiras radículas?
- O que caracteriza o desenvolvimento de um vivente?(p.70)
Será o cumprimento de um código previsto no DNA das células do vivente?
- Crescer significa ficar mais complexo ou com maior quantidade?
- Reproduzir é fazer outro igual? Será que existem dois iguais? Será possível que uma célula ao se partir ao meio se reproduziu ou passa a ser duas partes ao invés de apenas uma?
- Morrer. Quando um humano pode ser considerado morto? Será quando o coração pára de bater ou será quando o cérebro deixa de decodificar estímulos e produzir respostas?
Estes questionamentos nos fazem refletir sobre a multiplicidade que vem a ser saber e que, por extensão, nos remete ao que significa conhecer. Ps. 70/71.
Ø Tanto saber como conhecer são dois conceitos que devem ser estudados e discutidos a partir da historicidade do tema, do contexto aso qual está inserido o objeto do estudo e do cotidiano no qual está imerso o que se pretende pesquisar. Saber e conhecer devem ser vistos a partir de uma dimensão não linear que contempla sucessivas construções e desconstruções. P. 71.
Ø Temos de substituir o ensino que vai das partes para o todo e do simples para complexo, por um ensino que parta do complexo para o simples e do todo para as partes. Não tem sentido estudas as moléculas para entender a vida das células. Estudar os elementos sem ver o todo e sem partir do todo é um conhecimento cego para surdos. P. 72.
Ø - Temos clara dimensão política do que ensinamos e ao considerar os poderes inerentes aos conteúdos, à nossa postura, à ordem do que ensinamos, à escolha da bibliografia?
- consideramos a dimensão histórica como processo de inserção e integração do objeto de estudo e das pessoas envolvidas?
- Valorizamos a dimensão dos valores e dos julgamentos implícitos ao tema em estudo?
- Discutimos a inserção social do que ensinamos numa perspectiva de qualidade de vida que promova partilha e inclusão?
Ø Há que se assumir a postura de criticidade como forma de estudo que promova a reflexão dos saberes, dos conhecimentos e das certezas, numa perspectiva de transformação dos sujeitos envolvidos considerando a capacidade e a dinâmica auto-organizativa, não linear, efetiva e emocional e, portanto, complexa dos humanos que se dispõem a optar pela condição de serem Ser e não apenas objeto de consumo e manipulação de ideologias espúrias e anti-vida que muitas vezes a educação e os educadores se colocam como agentes contaminados e(p.73) transmissores muitas vezes inconscientes e não conhecedores de sua condição de agente infectante deste vírus que é a ignorância disseminada pela educação movida apenas por bons costumes, bons sentimentos e boas intenções. Ao educador não pode ser permitida ignorância sobre sua condição e sobre sua importância como agente esclarecido da condição humana. ps. 73/74.
Ø Hoje produzimos alimento para alimentar 11 bilhões de bocas, mas 800 milhões de pessoas passam fome, do total da população mundial, constituída por 6 bilhões de pessoas.
Devemos pensar sobre a importância do progresso. Será que necessitamos transgênicos para produzir mais alimentos? Será que os carros atuais são melhores que os de 50 anos atrás pelo fato de produzirem menos poluentes, terem menor durabilidade e maior segurança? P. 74.
Ø A ciência com esta aura de impunidade e imputabilidade assume cada vez mais poderes de vida e de morte e sobre a vida e a morte. O desenvolvimento sem controle das interações da ciência, da técnica e dos conhecimentos, leva o planeta a uma situação de imprevisibilidade e de insegurança sobre o que pode se pensar como seu futuro tanto pela poluição, quanto pela degradação múltipla da biosfera. Nós os humanos que usufruímos o que a ciência faz, que desenvolvemos a ciência e as técnicas e que deixamos que tudo aconteça sem controle, somos diretamente responsáveis por tudo que acontece. Esta é uma posição política que deveria ser parte da consciência e do dia a dia de cada cidadão ocupante da biosfera. O estado que deveria ser um agente de controle é muitas vezes o agente financiador dos agentes que promovem e provocam a morte e ações anti-vida.
As conferências internacionais soam sempre como alguma luz no fundo do túnel, mas infelizmente pouco acontece além da assinatura de protocolos de compromissos que nunca deixarão os papéis onde foram impressos. Os habitantes conscientes do mundo e amantes da vida deveriam se empenhar na cobrança da execução desses protocolos. P. 76.
Ø Todas estas posições de sociedade, de ciência e de educação frente ao saber e às certezas, deveriam passar pelo crivo rigoroso e radical da ética vista como ações radicais a favor da vida, sem se importar com os padrões e critérios sociais. A radicalidade a favor da sociedade e de seus contratos é matéria de moral.
Atualmente, o controle ético das ações humanas e governamentais está subordinado aos interesses políticos de diferentes grupos multinacionais ou paranacionais. Assim cabe a pergunta sobre qual é o espaço viável para a condição humana integrada como vida plena, neste contexto dominado por estes saberes e estas certezas?
A Bioética teria, em tese, de dizer se um experimento deve ter continuidade ou se as pesquisas devem ser paralisadas, mas, infelizmente, ela está acuada e restrita aos debates acadêmicos não lhe sendo dada a devida importância,(p.77) mantendo-a imponente como valor e ação restrita apenas como argumentos em debates e discussões.
Nossa educação vive sob a predominância do mercado e o quadro descrito acima interessa à economia, pois tem parceiros voltados para o lucro e não para a vida dos Seres, mas para a saúde das empresas e dos contratos como ressaltou muito bem Hayeck, o pai do neoliberalismo, ao alertar sobre os perigos do que acabava de formular.
Tudo é calculado e previsto pelos detentores do poder. A criticidade da população é controlada aos limites de seus interesses, dificultando que a educação altere o estado de alienação da sociedade, a fim de impedir que ocorra alguma alteração no quadro de previsibilidade necessário para a ação da economia. Estes cálculos e esta previsibilidade restringem os limites da vida sem considerar referenciais como felicidade, sentimentos, prazer, compaixão, solidariedade e cumplicidade a favor da vida.
A racionalidade econômica não estuda o sofrimento, a alegria e a dor para superá-la, mas pode ser que a economia se engendra em estudar esses aspectos para entender e conhecer quais são os limites suportáveis, de dor e sofrimento para estabelecer seus limites de ação. Ps. 77/78.
Ø A humanização é uma aventura de sobrevivência e como tal deve ser analisada numa perspectiva caótica, quântica, relativista, casual e complexa.
Somos animais que criam culturas e linguagens. A cultura gera as mente que pode ser comparada à energia de criação de novas habilidades. P.79.
Ø As sociedades existem porque os indivíduos interagem e decidem. A sociedade está no indivíduo e vice-versa.
A sociologia deve mostrar o social com suas implicações junto ao religioso, ao imaginário e ao mito. Também a literatura e a poesia não são luxos, mas precisam ser encarados como importantes agentes para o entendimento da natureza dos sujeitos na dimensão de sua intimidade e de sua natureza afetiva e emotiva.
A poesia e as demais formas de manifestação artística podem dar uma nova e mais profunda característica do todo humano. P. 79.
Ø - Será que conseguiremos implantar a tempo um nível de consciência através de um processo de elevação do nível de consciência para se poder preservar a humanidade?
- Uma reforma do ensino e do pensamento se fazem urgentes e imprescindíveis, mas qual é a vontade política em nível mundial para que ela seja executada?
- De que forma nossa cultura, de forma como está, possibilitará a determinação do que é bom, necessário e possível para a vida e a plenitude dos humanos como Seres?
- Quais são as melhores utopias? Sobre quais referenciais faremos esta reflexão? O pensamento complexo, por ser não linear, poderá se apresentar como uma alternativa geradora de uma ética global? P. 81.
Ø Não se pode esperar que o progresso seja anúncio obrigatório de melhorias. O progresso não é tudo. Mas devemos perguntar se o mundo resistirá à força da barbárie que se agiganta a cada dia.
A meu ver a esperança está na melhoria e no progresso das mentes e dos espíritos, que entendo, poderá advir de uma educação que tenha como propósito desenvolver cada vez mais o Humano que todo mundo traz dentro de si desde sua concepção para que possa alcançar sua plenitude como Ser integrado e comprometido com o bem estar da vida e dos humanos na plenitude de todos os potenciais inerentes e integrados pela biosfera. P. 82.

EDUCAÇÃO E O DEVIR HUMANO
A dimensão sócio-histórica da prática social da educação
Lauro Carlos Wittmann
INTRODUÇÃO
Ø A prática social da educação é determinada pelo contexto sócio-histórico do qual emerge e sobre o qual incide. Ela é da mesma tessitura da totalidade da qual é parte. A educação, no sentido amplo, é o próprio processo de produção histórica da existência humana. a educação, como prática social, é uma intervenção neste processo.
A educação não é um metereolito idealístico iluminados, de origem extrínseca ao cotidiano das pessoas. Não é uma intervenção salvacionista ou redentora, nem é uma intervenção pré-determinada como, por exemplo, um maniqueísta 'aparelho ideológico do Estado'. Nem é um trator que arrasa liberdades, nem uma sementeira que só planta o bem. A prática social da educação não independe das conquistas e dos limites históricos nos quais de realiza nem se confunde com o momento e o tempo nos quais acontece. Tem uma identidade construída na multiplicidade das determinações sociais. P.85.
4. SENTIDO SÓCIO-HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
Ø Somos frutos e sujeitos do 'art-fato' humano, historicamente construído. Neste processo inalienável de transcendência humana, produzimos a cada momento o futuro de nós mesmos e nos surpreendemos 'mais gente' na construção sócio-antropológica da 'ex-sistência' humana. hoje, entretanto, nos ronda a perplexidade da ilusão da perda de direção e horizontes. E, pior, nos ameaça a aplastante impostura do mandarinato do mercado. Até em nossas trincheiras encontramos a inútil angústia de aposentados de si mesmos e da militância. e, pior, encontramos demissionários do sonho e do futuro. É fácil zombar da cidadania, desqualificando críticos e indignados cidadãos como 'neobobos', 'fracassomaníacos', 'fascistas' etc. vivemos um tempo ameaçador, resultado da construção da tragédia avassaladora da apoteose do terrorismo de grupos e do terrorismo de estado.
Nesse contexto é fundamental o adensamento das atividades teórico-práticas na educação. Em especial, é fundamental que os profissionais da educação, aqueles que fazem e pensam a educação nossa de cada dia, mantenham e fundamentem as críticas e reinventem utopias como impulsos na construção do novo, no processo de emancipação sócio-antropológica. O avanço da lógica do capital, com sua barbárie, sua insensibilidade, sua arrogante empáfia de onipotência e, em suam, da exclusão exigem o 'co(m)-prometimento' na(p. 86) reconstituição da sabedoria. A resistência à tonitruante empulhação exige rigor e seriedade na construção teórica que norteia, direciona, fundamenta e dá consistência a prática. Ps. 86.87.
Ø Vivemos a clivagem mercadológica-emancipadora. Uma tendência coisifica as pessoas, mercantiliza a cultura e o amor, privatiza a vida e arranca do futuro seu sentido e do presente o direito de sonhar. A outra tendência impulsiona o processo, aposta na surpresa e, no encanto, tem a vida como fundante radical da ética e vive a utopia como inédito viável, construindo o futuro como sujeito da história. Uma expressão clara da contradição desses dois mirantes antagônicos, na educação, é a forma e o caráter do processo avaliativo. Do mirante possessivo, marcadológico e reitificador, a avaliação é do ensinador, é um mecanismo de exclusão ou de negação da educação; é um mecanismo do mandarinato professoral e uma guilhotina de reprovação. Do mirante da formação humana, a avaliação é do educador, é um instrumento de inclusão social; é um instrumento de impulso para o futuro e uma base para a celebração da aprendência.
O núcleo, o sentido, a razão de ser d prática social da educação é a contribuição que ela oferece para a construção histórica do devir humano. As pessoas constroem-se historicamente. Em sua origem há uma base biológica que permite que estes seres (natureza/dado) se produzam devires (cultura/transcendência). Somos natureza e vivemos no reino da(p.87) necessidade e do programado, pelo que nos é dado naturalmente. Somos transcendência e vivemos no reino do desejo e da surpresa, pelo que fazemos de nós mesmos culturalmente. Não somos humanos pelo equipamento inato, mas pelo historicamente construído. Embora este construído, segundo alguns, possa, em parte ser legado geneticamente, ele não é natural, mas cultural. Este legado seria produto da autuação histórica de antepassados. No sentido amplo, educação é o processo concreto de produção histórica da existência humana. tudo o que fez com que nos tronássemos quem somos é nossa educação. A rigor não somos 'seres' humanos, mas 'devires' humanos. Só somos humanos na medida em que nos construímos, em que nos ultrapassamos a nós mesmos, nos tornando mais gente. Nenhum animal torna-se mais animal do que já é. "com gente é diferente"; os humanos não se repetem. Filho de professor não nasce professor, filho de marginal não nasce marginal. Mas é muito mais fácil produzir um marginal: basta não fazer nada.
Nossa construção histórica dá-se na relação. A humanização é um processo intersubjetivo, compartilhado, plural. Na convivência com os outros construímos nossa identidade. Construímos o nosso rosto pelo rosto dos outros. Somos quem somos em decorrência das relações com o mundo, com os outros e conosco mesmo. Somos, na realidade, o feixe das relações que vivemos. Estas relações, nas quais estivemos e estamos envolvidos e que nos construíram e constituem, tiveram e têm níveis diferentes de participação consciente e voluntária. Elas abrangem tanto s relações das quais fomos 'autores' quanto aquelas das quais fomos 'vítimas'.
Educação, no sentido estrito, enquanto práticas social, é uma intervenção intencional neste processo concreto, histórico, de produção das pessoas. É uma intervenção no sentido de atualização histórica do devir humano. Construímo-nos a partir do dado, do ser que nasce natureza e, pela mediação de outros seres humanos, impulsionamo-nos como devires humanos. Profissionais da educação são pessoas que contribuem para que outros se apropriem de algo que milhões e milhões de pessoas contribuíram para construir. P. 88.
Ø O lugar e sentido da educação estão no cerne do processo sócio-antropológico de produção da existência humana. Neste processo, hoje, dois determinantes são decisivos: o estágio da evolução do trabalho, na sua concretização histórica de produção de bens materiais, e o estágio da evolução do fundante das relações sócio-antropológicas. Estas evoluções desenham uma nova função sócio-histórica para a educação. As transformações no mundo do trabalho e a evolução do determinante histórico das relações sócio-antropológicas constituem uma nova base e levantam novas perspectivas para a Educação. P. 89.
5. O TRABALHO E A EDUCAÇÃO
Ø As pessoas, primeiro, integram-se no mundo sócio-cultural de seu tempo e espaço e, segundo, desenvolvem, produzem ou constroem as condições subjetivas de intervenção(p.89) original na evolução dos acontecimentos. Este ir além do já posto ou construído caracteriza a essencialidade humana como ser histórico. Para as pessoas o mundo não é indiferente, é nele que se forjam. Este processo é um processo de emancipação, de construção da liberdade.
O princípio educativo, a fonte originante desta construção é o trabalho. Trabalho, no sentido simples e profundo da palavra, é a relação inteligente da(s) pessoa(s) com o mundo com os outros e consigo mesma(s). Esta relação toma configurações diferentes na evolução da humanidade. Os elementos essenciais do trabalho são o projeto e sua execução. O elemento 'projeto' significa a elaboração mental, 'inteligente', não natural ou instintiva, não previsível de uma alteração no curso natural ou instintiva, não previsível de uma alteração no curso dos acontecimentos ou na 'ordem' ou 'regulação' das coisas. Esta características do trabalho lhe confere o caráter cultural, original, novo e inesperado, caráter de distanciamento do natural. Esta interioridade determinante do agir humano confere à ação humana o caráter de prática. A prática implica um fazer pensado. O trabalho, portanto, além de um 'projeto', que confere originalidade ou surpresa ao acontecimento ou à coisa, exige sua execução, ou uma intervenção, ação modificadora. No processo de 'humanizar o mundo' construímos nossa própria humanização. Paulo Freire insistia: transformando o mundo, transformamo-nos a nós mesmos.
A relação inteligente das pessoas com o mundo é o princípio educativo. O trabalho consiste nesta relação. O trabalho é essencial para a sobrevivência da humanidade. Esta sobrevivência demanda a intervenção da humanidade na produção de bens tanto para satisfação das necessidades naturais, quanto das necessidades historicamente construídas. P. 90.
Ø No atual contexto histórico, vivemos um momento de mudanças profundas nas relações de produção. no chão da fábrica começam a surgir necessidade e interesses objetivos de participação inteligente, co-responsável e partilhada dos agentes envolvidos com a produção de bens materiais. Isto significa que estão sendo construídas as condições objetivas para a implosão das relações de dominação e subordinação, porque os novos processos de produção exigem, cada vez mais, a parceria co-responsável e o trabalho em equipe, tornando caduca a ex-necessária divisão entre quem manda e quem(p.91) obedece. Está em questão a divisão entre, de um lado, quem planeja, decide, controla, no exercício do trabalho intelectual, e, de outro lado, quem produz, executa e faz, no trabalho manual, rotineiro, desumanizador, da produção em série.
As máquinas automáticas substituem com vantagem de tempo e de qualidade o trabalho humano manual. O progressivo descarte do trabalho manual está trazendo a precarização das condições para os trabalhadores manuais, o aviltamento do emprego e o desemprego estrutural, e, com o descarte das pessoas, com sua formação reduzida ao trabalho manual, estão surgindo os chamados 'inempregáveis'. Cresce a necessidade de pessoas mais 'qualificadas' para a nova configuração do trabalho no campo, na indústria e nos serviços.
Para se inscrever neste novo mundo do trabalho é indispensável a capacidade de pensar e de trabalhar em equipe. As aptidões cognitivas e atitudinais requeridas neste novo mundo do trabalho rompem com as aptidões de subordinação política e submissão ideológica.
Em decorrência, a dimensão sócio-política da educação torna-se mais exigente e complexa e exige parceria e co-responsabilidade. A tradicional função de esfriar as aspirações da maioria para ser obediente e esquentar as aspirações da minoria para dirigir está superada e não faz mais sentido, num mundo em que todos são conclamados a uma competente participação. P. 92.
6. A BASE MATERIAL DAS RELAÇÕES HUMANAS
Ø As relações entre as pessoas, grupos e povos se fundavam no músculo ou na força, na capacidade de impor sua vontade, pelo seu poder de punição e castigo. Esta base de relação foi substituída pela riqueza, que além de potencializar e agigantar o poder de impor, podia e pode premiar, pelo poder de recompensa. Estas bases de relação são desgastantes e(p.92) perigosas porque se esvaem na medida de sua utilização. O uso da força ou da riqueza implica a diminuição da posse. Quanto mais alguém as usa, menos as terá. Além disso, ninguém é tão forte que pode impor sua vontade a todos que quiser e pelo tempo que quiser; e ninguém tem tanta riqueza que pode comprar tudo o que quiser. P. 92/93.
Ø Entretanto, com o avanço do conhecimento na base da produção material, a humanidade está construindo a exclusão social de um crescente número de pessoas. Vem crescendo o desemprego, a miséria, a marginalidade, o seqüestro, a droga, e a humanidade constrói a barbárie ou o seu 'suicídio coletivo'.
De outro lado, o conhecimento como base das relações constitui uma real e objetiva oportunidade para a construção de uma nova sociedade, fundada num estatuto de parceria ou 'companheirice', uma vez que não traz consigo o risco de diminuição com seu uso. Esta alternativa, que se opõe à barbárie e ao "suicídio coletivo', implica a transformação estrutural da sociedade e a produção histórica de pessoas humanas não demitidas de si mesmas ou alienadas aos interesses objetivos da acumulação capitalista. Exige pessoas sujeitos da acumulação e não predicados do senhor nosso deus capital. P. 93.
Ø Portanto, a função sócio-política da educação está diretamente vinculada ao cerne ou eixo ou base da relação no mundo novo que emerge. A função sócio-política da educação, hoje, é trabalhar competentemente seu próprio objeto de trabalho. A elaboração, execução e avaliação dos Projetos Políticos Pedagógicos demandam envolvimento co-responsável. O eixo da prática educativa está na relação aprendente, na ecologia cognitiva, na qual professores e alunos ampliam seu conhecimento e, ao mesmo tempo, em todos e em cada um, se produzem, as aptidões cognitivas e atitudinais necessárias para este emergente mundo novo, humanamente cada vez mais exigente. P. 94.
Ø Em resumo, com tempo livre, as pessoas e a sociedade se defrontam com o desafio da alternativa entre o suicídio e a metamorfose. Ou não tolerarão a vida porque o oceano da miséria crescente invadirá e destruirá as pequenas ilhas de fartura; ou a humanidade constrói uma nova sociedade, com nova estrutura e as pessoas se transformam em novas pessoas humanas. Está posta a possibilidade de ter tempo para que as pessoas sejam sujeitos e não predicados; sejam gente, devires livres, pensantes, companheiros e com sentido para viver, e não objetos, como recursos, instrumentos ou mercadorias do capital. Esta metamorfose exige a ruptura com a mediocridade da educação presa ao conhecimento já produzido, porque demanda a competência da produção e criação compartilhada e co-responsável.
CONCLUSÃO
Ø Como a educação é uma prática radicalmente comprometida com a construção sócio-antropológica das gentes, com a humanização e a emancipação históricas, seus profissionais devem estar atentos, detectar e comprometer-se com o novo humanizante e emancipador, presente como fato e como tendência nos limites e potencialidades do hoje. Apontamos para dois aspectos decisivos na construção social e pessoal na atualidade. A inegável mudança radical no mundo do trabalho, com o progressivo descarte do trabalho humano vivo, constitui um dos aspectos relevantes do novo. A progressiva instauração do conhecimento como base material das relações sociais constitui um segundo fator. Ambos são ambíguos e tendem para configurações opostas.
Uma perspectiva indica para o recrudescimento da exploração, dominação e opressão, características do sociedade vigente. A globalização uniformizadora, a impostura anti-ética da divinização do mercado, a precrarização do trabalho e a privatização do saber produzem a barbárie e a exclusão social, o terrorismo de grupos e de estado. Este é o caminho para a barbárie ou para o suicídio coletivo da humanidade.
Outra tendência indica para profundas mudanças sócio-culturais, que implicam a transformação radical da estrutura social vigente. A perspectiva globalitária plural, de uma unidade que expressa e impulsiona a diversidade, a ética fundada na vida e no direito, o tempo livre como expressão(p.96) suprema do trabalho humano e a democratização do saber possibilitam a parceria e a inclusão universal, a convivência cidadã, respeitosa e plural. Este é o caminho da emancipação humana.
Urge reinventar a educação, o sonho, a alegria, nas construção do novo, da parceria e da emancipação. Ps. 96/97.

CULTURA DE SALA DE AULA E DISCURSO PEDAGÓGICO
Hilário I. Bohn
Ø As características biológicas, alguns sentimentos, comportamentos e valores são comuns a todos os humanos. Eles são os valores, os instintos que nos constituem como homens e mulheres, são as características humanizantes do 'homo sapiens'. Elas foram se constituindo na filogenia da evolução histórica do homem e da mulher e se repetem na ontogenia de cada individualidade. São os traços da hominização que através dos milênios levaram o homem do paleocerebelum - o domínio do cérebro do instinto, da pulsão - para o mesocecerebelum, a constituição das emoções, momento em que deve ser brotado a necessidade da comunicação e do uso do simbólico na interação. Depois veio o uso da palavra e do estabelecimento da racionalidade, do córtex, a marca definitiva do salto genético. A filogenia mostra a história da hominização e a ontogenia mostra a repetição do processo na individualidade dos seres da espécie. P. 99.
Ø A construção das línguas portuguesa e espanhola, por exemplo, é explicada por fatos histórico-político-culturais em que até as variáveis geográficas contribuíram para o desenvolvimento de dois idiomas. A formação de uma língua nacional brasileira, diferente do português de Portugal, também se constitui em fato histórico e cultural e a contribuição das línguas indígenas brasileiras e das línguas africanas na formação do português do Brasil é um fenômeno cultural dos mais significativos. P. 100.
Ø Poderia-se dizer que a cultura é o diferencial que distingue um grupo social do outro. O que é comum pertence à espécie, é repetido geneticamente. Segundo CHAUÍ, (1995:289) "certos sentimentos, comportamentos, idéias e valores são os mesmos para todo o gênero humano (são naturais para todos os humanos), enquanto outros seriam os mesmos apenas para cada espécie (ou raça, ou tipo, ou grupo), isto é, para uma espécie determinada". P. 100
O NATURAL E O CULTURAL, AS EXIGÊNCIAS DA CULTURA
Ø Natural significa não intencional, não aprendido, não estratégico, não ensinado, não construído historicamente,(p.100) apesar de a expressão do traço cultural poder estar relacionada com o ensinar e a construção, como a expressão lingüística, por exemplo. De maneira semelhante poder-se-ia dizer que a necessidade de alimentar-se, e de os seres vivos procurarem alimentos é natural das espécies, mas a escolha das comidas, a maneira de prepará-las, o fato de o gaúcho comer churrasco e o nordestino apreciar carne de sol, é cultural. P. 101.
Ø Cultura pode ser vista, analisada dentro de uma perspectiva mais sistêmica - quando nos referimos ao sistema de informações que um grupo de indivíduos, grupos sociais utilizam na interação como o seu meio ambiente ( Cf. REBER, 1985). Neste sentido, cada indivíduo precisa aprender as regras de interação, os costumes do grupo.
Outra perspectiva de análise é oferecida por CHAUÍ (1995):
- a perspectiva do conhecimento: saber falar e compreender várias línguas, entender arte e literatura.
- A perspectiva das competências desenvolvidas: saber ler e escrever, saber tocar piano, guitarra; utilizar o computador. Estas duas perspectivas estão muito relacionadas com o aprender, com aspectos(p.101) instrucionais ou com a interação do indivíduo com o seu meio ambiente e com as diferenças sociais.
- A perspectiva dos costumes, valores e habilidades nacionais e/ ou tribais (valor de uma coletividade): haverá alguma coisa superior à música brasileira? Há alguma semelhança entre a cultura japonesa (a esposa japonesa recebe o seu marido em casa no fim do dia com o cerimonial do chá) e a americana (a esposa americana espera o marido na quadra de tênis para uma revanche do jogo do dia anterior)? São valores diferentes, construídos historicamente. Semelhante, o conceito de justiça dos incas; o conceito de homem corajoso nos pampas - para gaúchos brasileiros e argentino 'o homem valente tem o sinal de faca em seu corpo e o herói ostenta a marca da valentia em seu rosto'; faz parte da masculinidade caubói ter fraturado algum membro do corpo em algum momento da existência (quais seriam as marcas da feminilidade?).
- A perspectiva da relação do indivíduo com outros indivíduos, do indivíduo com o seu meio ambiente, do indivíduo ou de um grupo social com outros grupos. A expressão literária está muito relacionada com esta perspectiva mais antropológica do conceito de cultura. Ps. 101/102.
Ø Nos últimos dez anos a sociedade efetuou inúmeras revoluções, nos diferentes níveis da atividade humana, inclusive como percebemos, definimos, como se constrói, desenvolve conhecimento. Cada uma destas 'revoluções' faz exigências específicas sobre o papel do professor na sala de aula, sobre o papel do aluno, o tipo de interação que o professor pode/deve privilegiar no ambiente escolar. p. 104.
Ø E a cultura de sala de aula, como tem comportado perante as exigências da renovação e inovação? Os valores culturais ainda são os mesmos? A memorização, a repetição de conhecimentos, de arquivos estruturados por outros continuam sendo plagiados, ou continuamos a cultivar o autoplágio de nossos próprios arquivos? As nossas salas de aula continuam oferecendo verdades prontas? Continuamos no nosso tradicional ponto de observação em que os objetos observados não mudam, as verdades vistas têm abordado a noção de definitivas? Como os professores têm abordado a noção de conhecimento, seu desenvolvimento e utilização (competências)? Onde nos posicionamos perante as diferentes possibilidades da construção do saber?
Como observadores solitários?
Como mediadores, possuidores da verdade?
Como conversacionalistas dialógicos - que discutem a verdade, construindo o consenso?
Como professores polêmicos - permitindo a verdade em movimento, construindo consensos temporários?
Como professores polifônicos - construindo consensos embasados em pontos de vista diferentes?
Examinemos estas diferentes possibilidades.
Na perspectiva tradicional, aprender é descobrir a estrutura do mundo, é a apreensão da organização do universo em suas mais diversas manifestações físicas, biológicas e sociais. Esta visão pressupõe uma organização pré-determinada, um mundo acabado, objetivo; um universo em que os efeitos(p.105) sempre podem ser referidos e determinados causas. Também pressupõe que este mundo pronto, objetivo pode ser percebido pelo sujeito observador. Ps. 105/106.
Ø É entre os especialistas da linguagem, aliados à psicologia social e filosofia fenomenológica de Husserl, que surge uma proposta mais holística da construção do saber e uma definição menos autoritária de verdade. Nas propostas anteriores a posição do sujeito é de distanciamento do objeto observado. A verdade está no objeto e o desvelar da verdade é feito pela observação distanciada. A verdade está no próprio objeto, no próprio fenômeno. A verdade é. Ela apenas é explicitada pelo cientista. O papel do professor é servir de mediador entre o objeto observado e o observador. O professor já possui a resposta da observação. Ao aluno cabe aprender esta resposta, que é a verdade estabelecida pelas instituições e aparelhos ideológicos aos quais o professor está vinculado. P. 107.
Ø O professor não tem mais as respostas prontas, mas leva perguntas a serem entretidas, verdades a serem construídas e desconstruídas, semelhantemente à vida, fluindo, reagindo dentro das subjetividades personalizadas, construídas historicamente.
O definitivo perde a sua estabilidade dentro de uma perspectiva de relatividade cósmica de uma ecologia em construção. Inacabada. Há convergências, mas não certezas. Constroem-se consensos sociais, mas os participantes têm consciência da instabilidade de tais consensos estabelecidos através das conversações ou pelos agires comunicativos.
Esta percepção se baseia na linguagem dialógica, isto é, sempre há um interlocutor, cujo dizer é introduzido no discurso pedagógico. A unicidade da percepção do objeto se perde e negociam-se, constroem-se os significados das diferentes vozes através da dialogia e da polifonia. Aceita-se trabalhar o ato pedagógico com uma linguagem espessa, multisignificativa, através da conversação. A dialogia não permite mais a 'obrigatoriedade' das verdades prontas. Este é o refúgio dos fracos, dos que temem a diversidade, a interdisciplinaridade, o imprevisível, o ser participante, não repetidor, o pensar sistêmico. P. 108.
CONDIÇÕES E ARGUMENTOS PARA A INOVAÇÃO
Ø A linearidade da cultura escolar historicamente exige a aplicação de metodologias estabelecidas através da autoridade institucional ou científica. No entanto, a obrigatoriedade não se limita às metodologias, ela se estende às verdades estabelecidas. Cabe, pois, ao professor inovador introduzir rupturas nas metodologias e procurar desmistificar/desmitificar as verdades professadas.
A inovação por outro lado, exige a aceitação e o uso de uma linguagem dialógica que automaticamente desestabiliza(p.109) os dogmatismos. O caminho da desmistificação é a conversação porque através dela pode-se compreender como a interação cérebro-mente constitui realidades distintas em indivíduos distintos. Ps. 109/11.
Ø O discurso inovador exige o culto à diferença. O professor inovador é transgressor do currículo, das metodologias estabelecidas porque ele cultiva a diferença, o diálogo. Este é sempre inovador. O diálogo revela as percepções e as estruturas mentais idiossincráticas dos falantes, procura trabalhar a intersubjetividade. A diferença torna-se, assim, constitutiva da inovação. Por isso, também atraente ao aprendiz. A diferença, a transgressão, não permitem o plágio e nem o discurso autoritário. A inovação cultiva a polêmica, a dúvida e não a certeza. Neste sentido, o professor inovador não é aquele que formula perguntas, mas aquele que gera e faz explodir entre seus alunos o discurso polêmico, a polifonia, não somente a polifonia de muitas vozes, mas de vozes contraditórias. P. 110.
Ø Na perspectiva aqui discutida, a inovação movimenta-se muito mais na incerteza do que no dogmatismo da previsão cartesiana. Isto porque o homem e a mulher são seres complexos bio, sócio, cognitiva e socialmente.
A inovação centra-se no dionisíaco, no prazer do diálogo da diferença, da percepção inesperada, em oposição à racionalidade apolínea. A separação do cartesianismo entre corpo e mente seja talvez a origem de um dos grandes problemas da escola de hoje: a falta de motivação dos alunos para a aprendizagem fruto da ausência da emoção e a falta da inserção do aluno na dialogia. Segundo SMITH (1995), a escola moderna não oferece condições para o cérebro exercer as suas funções. O cérebro naturalmente estrutura, relembra, imagina, intui, mas a escola por causa de seu processo inibidor impede que cumpra as suas funções. O ensino inovador tenta resgatar as condições necessárias para o cérebro cumprir suas funções. P. 111.
Ø Inovar é aliar-se à autopoiese, à autoconstrução, não imposta de fora. É o corpo, o cérebro e a mente interagindo que o mundo e o conhecimento se constituem. Tudo que a escola precisa fazer é criar condições para esta autoconstrução. P. 112.
Ø Inovar significa ter paciência. É preciso esperar que o corpo, cérebro e mente incorporem as novas palavras com seus significados estruturantes. Precisamos esperar que os signos em sua simbologia se reflitam nas coisa. É no espaço da palavra do professor (na interface) e seu interlocutor que se cria a oportunidade de des(re)reconstrução do conhecimento. A proposta do interlocutor é a oportunidade da criação, da reestruturação, da aprendizagem. P. 113.
Ø Quem recebe a palavra não pode interpretá-la cristalizá-la, mas em movimento, constituindo o seu significado pelo(p. 113) perceber pessoal, diferenciado, renovador; mas como lei, mas como questionamento de estruturas anteriores, como célula viva ora aproximando-se ou distanciando-se do objeto observado. Ps. 113/114.
CONCLUINDO
Ø Concluindo inovar significa construir um saber novo, não concluído, em movimento, humano e ético. É o saber do sujeito em construção, primeiro em sua inserção histórica, arqueológica; segundo, é o saber discursivo, atual, que busca no diálogo lingüístico a força inspiradora da mudança, da reestruturação, mas é também o saber da aprendência contínua que encontra na tecnologia da futuridade a humildade de quem está a fazer o caminho e que encontra na transgressão, na ruptura de conceitos construídos a motivação inspiradora de sua ação pedagógica. P. 114.

O EDUCADOR-PESQUISADOR
Possibilidades e perspectivas
Henrique João Breuckmann
Ø As alternativas apontadas para a pesquisa em sala-de-aula, ou seja, a pesquisa como princípio educativo científico (DEMO, 1991), apresentam-se de tal maneira que se permite formular uma tese. Ou seja: quanto mais cedo as interações entre os dois princípio se manifestarem,(p.117) inter-reagirem, entrarem em conflito, tiverem necessidade de explicação e de reconhecimento, de forma mais imediata os responsáveis pelos resultados desta relação sentir-se-ão obrigados a expressar "a que vierem", ou seja, "o que se faz com isso". A Pesquisa em sala de aula deixa de ser, então, apenas uma alternativa metodológica, ou uma forma de resgate do conhecimento historicamente, mas incorpora uma dimensão política, que associa os resultados deste processo a uma proposta de melhoria da qualidade de vida da humanidade, ancorada em pressupostos que ultrapassam as fronteiras étnicas, econômicas, ideológicas, culturais, e apontam para o atingimento da "Mündigkeit" dos indivíduos, dos segmentos, grupos e classes sociais, de qualquer ordem. P. 118.
Ø Cabe ressaltar, explicitar o que pode ser entendido como "pesquisa", para caracterizar o amplo espectro de enfoques sob os quais a mesma pode ser contemplada. É possível dizer que um estudante do Ensino Fundamental, ao utilizar-se do acervo existente na biblioteca da escola, quando seleciona diferentes fontes de informação (livros, resvistas, artigos), associa a estes resultados as suas anotações sobre um determinado vídeo e se reporta, ainda, aos dados conseguidos via Internet, por exemplo, na busca de diferentes expressões quanto a um certo conceito, cuja compreensão é necessária para a resolução de uma situação-problema qualquer, está fazendo a pesquisa. P. 119.
Ø Essas considerações, por ora, referem-se particularmente- ao aspecto científico da pesquisa, e aponta para a viabilidade (e a necessidade) de que a atividade de pesquisa seja iniciada o mais cedo possível, no decurso da vida escolar, não se esperando o ingresso no Ensino Superior para iniciar os sujeitos na formação do pesquisador: o domínio das técnicas, das habilidades, dos instrumentos, a criatividade, a intuição, a paciência, a humildade necessárias para a competência neste ramo de atividade humana, não são fruto de um "passe de mágica", mas demandam um período suficientemente longo de treino, de estudo, de auto-avaliações, de retomadas e de mudanças de(p.12) rumos, para que comece a acontecer de maneira satisfatória. Isso remete ao outro aspecto de interesse: o enfoque didático-pedagógico da atividade da pesquisa.
Neste caso, a pesquisa assume uma outra conotação. Trata-se, em suma, de uma postura, um espírito, aberto para a possibilidade do exercício da criatividade, da abertura para a receptividade crítica de outras visões da realidade, algo semelhante às relações que acontecem entre o autor e o observador de uma obra de arte. Sob este ponto de vista, a pesquisa está associada a uma mente sempre desperta, que não aceita o "dado" porque foi dado por alguém, mas que merece uma interrogação, quanto às circunstâncias que o geraram, a fundamentação que produziu a sua interpretação, a fidedignidade das fontes, os interesses econômicos e os condicionantes sociais, políticos, ideológicos, etc., que a determinaram. Essa inquietação, esse desacerto com os dados imediatos da realidade, constituem parte da angústia, da incerteza, do desconforto, que caracterizam uma mente pesquisadora. Ps. 120/121.
Ø Agora, evidencia-se o papel da mediação. Há que haver um fio de costura e um "costureiro", para ligar as duas bordas de um tecido (conforme a imagem colocada por Vygotsky), quando de uma ruptura, um rasgo no mesmo. Ganha destaque(p.126) o papel mediador do professor: acima de tudo, supondo-se detentor de um conhecimento cientificamente elaborado e estruturado, deve estar em condição de fornecer elementos, indicar (im)possibilidades, promover atividades que propiciem a formação dos conceitos necessários para a solução de problemas apresentados.
A forma e a metodologia, as manifestações qualitativas e quantitativas através das quais esta mediação deve ser exercida são extremamente variáveis, em função da idade, gênero, meio cultural, nível de ensino, em que o professor está atuando: é preciso sensibilidade para que o exercício da mediação seja profícuo. P. 127.
Ø Ganha destaque, ainda, a linguagem científica. O pensamento não se expressa simplesmente através das palavras, mas existe através das mesmas. Ao utilizar conscientemente termos científicos no processo de elaboração de hipóteses, determinação de procedimentos, desenho de planos de ação, o estudante está dando existência ao pensamento científico. A trajetória entre o uso da expressão "mijar" para o uso da expressão "urinar" reflete a trajetória entre a simples descrição de um ato físico (que satisfaz a uma necessidade primária de excreção de dejetos), para a expressão concisa do universo fisiológico, bioquímico, psicológico, que o ato carrega consigo. P. 127.
Ø A característica fundamental do modelo é a dinamicidade, que transparece na interação entre os momentos e entre momentos paralelos, mas situados em níveis diferentes na espiral de avanço das sucessivas resoluções. Daí também a exigência de níveis cada vez mais amplos de integração interdisciplinar e de abandono a programas lineares, sem o que se torna difícil a busca dos elementos necessários à resolução, em cada disciplina ou em cada campo de uma disciplina, quando exigido pelo desenvolvimento do processo resolutivo. P. 129.

EDUCAR É DESENVOLVER A CAPACIDADE DE PENSAR
Nivaldo Alves de Souza
"Uma vida sem reflexão
não merece ser vivida" Sócrates
Ø Perguntado sobre a crítica de certos filósofos de que o seu método era uma vulgarização da Filosofia e de que é impossível ensinar Filosofia a crianças, Mathew Lipman respondia:
Estão cometendo um erro. Não estamos tentando fazer que memorizem Aristóteles. Não estamos querendo que aprendam Filosofia, mas que façam filosofia. Isto envolve deliberação, diálogo, raciocínio. As crianças podem ler, discutir, raciocinar. Podem falar das coisas sobre as quais falam os filósofos, sobre a verdade, a justiça, etc. Podem falar das coisas sobre as quais falam os filósofos, sobre a verdade, a justiça, etc. podem dizer que as crianças não são capazes de fazer isso, mas o fato é que elas o fazem. (CARVALHO, p. 6/5)
Pareceu-nos muito interessante tal projeto, pelo fato de que, no seu todo, visa o desenvolvimento do raciocínio, desde tenra idade. Enquanto professores de Filosofia Pura não sabem o que fazer para melhorar o ensino dessa ciência e, por sua vez, professores e jovens universitários se perguntam sobre o porquê de se estudar Filosofia, defrontamo-nos com o que muitos adultos não acreditam: as crianças já sabem que a Filosofia "serve" para ensinar a pensar melhor. P. 132.
Ø é em vista de tudo isso que a nossa reflexão quer ser a indicação de um novo caminho que, atingindo o educador, leve a criança-aluno a um desenvolvimento mais profundo. Não se pode continuar a ver o professor "ensinando", em vez de buscar com os alunos uma aprendizagem com formação(p.133) eficaz. Não se pode continuar a ver o professor usar uma linguagem difícil para comunicar aos alunos as coisas mais simples. Os próprios alunos estão cansados de novidades sem consistência. Mario Casotti, pedagogo italiano, dizia que "a pedagogia moderna tem cansado as jovens inteligências, sem tê-las alimantado." (CASOTTI, 1931, p. 64).
Ø Que surja uma escola "aberta" à inovação e à mudança, com uma conseqüente didática da individualização do ensino-aprendizagem, onde reine o respeito pela igualdade das oportunidades formativas, mas também que esteja em grau de validar as "potencialidades" cognoscitivas dos indivíduos. Que surja uma escola com a coragem de abrir as portas para uma autêntica cultura da infância e seja um "sinal" de respeito e de valorização de suas capacidades e virtualidades. Celestin Freinet dizia que uma das primeiras condições da renovação da escola é o respeito pelas crianças e o respeito delas pelos educadores.
O que muitos percebem, na escola de hoje, é a falta de uma proposta de valores. Não se oferecem critérios de vida, princípios que ajudem as crianças e os jovens a conhecer-se a si mesmos, a abrir-se ao mundo e aos outros, a distinguir aquilo que é bom e que faz crescer daquilo que destrói. Em suam, o que sê lê muito belamente é que a escola não deve ser mais o lugar de juízo, e sim, o lugar da oportunidade para crescer aprendendo. P. 134.
Ø Ajudando a criança a aprender a pensar por si mesma, estamos renovando e salvando o homem do amanhã. "É a pessoa humana que deve ser salva. É a sociedade humana que deve ser renovada" (GAUDIUM ET SPES, n.3). Matthew Lipman, na linha do que afirma a Gaudium et Spes costuma dizer que um mundo habitado por pessoas que usam a razão é melhor do que um mundo onde não a usam. Decorre, pois, daí a importância de tornar as crianças reflexivas, racionais e capazes de julgar de uma maneira apropriada, dentro de uma comunidade democrática. P. 135.
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO
Ø O ensino é uma arte de cooperação, envolvendo aluno e professor. A educação é uma obra a dois. É junção harmônica e equilibrada de educador e educando que respeita, no aluno, as riquezas da personalidade, a liberdade, as qualidades que nele se encontram, não como um mecanismo inerte, mas como um dinamismo vital, imperfeito, sem dúvida, mas sempre suscetível de evolução. O aluno aprende de maneira mais aprofundada e extensivamente pela assistência e contato com outros. P. 135.
Ø Nas obras em que Tomás de Aquino aborda a questão da educação intelectual está claro em que consiste a ação do ensinamento-aprendizagem. Não deve ser um mero dar e receber, passivamente, conhecimentos. A missão do professor é despertar a natural atividade do aluno, fazendo-a agir. Tomás de Aquino exigia dos alunos uma participação viva nas discussões. Assim agindo, ele estava ajudando o aluno a que, com sua inteligência se encaminhasse, por si só, pelas veredas do conhecimento. As funções do professor tendem a se confundir com os deveres do aluno. P. 136.
Ø Podemos dizer que o educador apenas reforça o intelecto do aluno, indo ao seu encontro e apresentando aquilo que lhe diz respeito, que desperta, nele, o interesse. Uma coisa é apenas falar, outra é ajudar o aluno a ter um intelecto vigoroso. O professor e o aluno formam uma pequena comunidade. Educar é desenvolver a capacidade de pensar. P. 137.

O MAL ESTAR DOCENTE E O PENSAMENTO LINEAR
Miguel Ángel Riggio
O PENSAMENTO LINEAR E O PENSAMENTO POSITIVISTA
Ø Diremos que o pensamento é linear quando se estabelecem cadeias de conceitos na qual um deles é efeito do anterior e causa do seguinte, isolando cada um dos outros. Segundo Mariotti (2000:32), o pensamento linear atende três requisitos básicos:
d) tende à simplificação;
e) procura o imediatismo;
f) busca uma causalidade simples.
Ø Como deve ser o pensamento para não possuir essa estrutura linear?
Um pensamento que leve em conta todos os fatores (ou, pelo menos, uma grande variedade deles) que influem para que aconteça determinado fenômeno, estabelecendo as relações que vinculam cada uma dessas partes, pode ser chamado de pensamento sistêmico. Nesse pensamento, o realmente importante é o modo em que as partes do sistema se inter-relacionam. (p.145)
Se a matemática escolar tem tendência ao pensamento linear, muito mais linear é, em uma proporção esmagadora, o pensamento do professor no ato de "passar" os conteúdos para seus alunos. A tradição eminentemente algébrica/aritmética do ensino em muitos países latino-americanos, dentre os quais o Brasil, colabora nessa tendência.
A matemática ensinada na escola tende mais ao isolamento que à relação existente entre distintos fenômenos. No sistema aristotélicoum fenômeno é verdadeiro ou falso, deixando de lado qualquer outra possibilidade: a terceira está excluída. Só tem duas alternativas: sim ou não. Não cabe um "talvez", um "quiça".
Se bem que resulte importante para nossa vida diária o fato de ter sempre duas alternativas possíveis, não significa que esta forma de pensamento seja a única possível. São poucas as culturas que têm uma lógica trivalente para a convivência diária. Porém, essas culturas não foram afetadas pelo pensamento positivista ocidental... P. 146
Ø Descartes, do mesmo modo que Sócrates, acreditava que só o nosso raciocínio pode nos proporcionar conhecimentos seguros. As bases do método filosófico cartesiano revoluciona o mundo, constituindo-se na pedra basal da filosofia das gerações seguintes e propondo dois problemas fundamentais: a certeza de nosso conhecimento e a relação entre corpo e alma.
A ciência estava tão subjugada pelos princípios matemáticos que se adota como alicerce a afirmação de Galileu: "a natureza está escrita em caracteres matemáticos". Isso pressupõe que a Natureza pode ser "calculada" e o homem pode(p.146) controlá-la mediante manipulação. A absoluta segurança de que o desenvolvimento da ciência traz progresso social faz acreditar que toda inovação na ciência é, intrinsecamente, boa.
A explicação positivista do mundo, que considera a ciência como o paradigma de todo conhecimento, nasce com Comte e consolida-se com os trabalhos em lógica e matemática de Hilbert, Peano, Frege e Russell, entre outros. O "se A, então B" resulta o paradigma matemático por excelência, convalidando o pensamento lineaar tanto da matemática quanto das demais ciências e, por conseguinte, de todo o pensamento escolar. ps. 146/147.
Ø Mariotti (2000:37) indica que:
e) nosso comportamento e visão são determinados por nossas percepções;(p.147)
f) nossas percepções são determinadas por nossa estrutura cognitiva;
g) logo, para mudar as percepções (e a partir daí os comportamentos), é preciso mudar essa estrutura;
h) mas sabemos que essa mudança exige um trabalho sobre os fatores que condicionam a mente da nossa cultura. Ou seja: é necessária uma educação que integre os modos linear e sistêmico de perceber e pensar o mundo, isto é, uma educação para o pensamento complexo. Ps. 147/148.
Ø Relativamente ao pensamento linear, Mariotti (2000):49) nos diz que "... o raciocínio linear nos faz excluir tudo o que não se encaixa no nosso individualismo. Também não entendemos que ações mínimas podem levar a conseqüência amplas, porque simplesmente não sabemos pensar assim".
O pensamento complexo, uma das formas mais envolventes do pensamento sistêmico, integra os múltiplos dados e facetas no delineamento e a solução de um determinado problema. Segundo Morin e Le Moigne (2000) este pensamento intenta eliminar as barreiras que apareceram com a estratificação do conhecimento em disciplinas compartimentadas e, como função fundamental, intenta integrar em cada pensamento a existência de um semelhante. Esse pensamento complexo depende, por sua vez, de vários fatores internos de cada um dos sujeitos pensantes.(p. 148).
O pensamento linear é, em geral, aquele que predomina entre os docentes e, fundamentalmente, entre os docentes de matemática. Estamos habituados a ver que esses professores impedem, também, que os alunos tenham pensamentos que se separem da "lógica" matemática, do caminho que está traçado previamente. Ps. 148/149.
Ø A escola se depara ainda hoje com o modelo positivista, compartimentado, estruturado em disciplinas escindidas tanto entre elas quanto com o mundo que rodeia o educando. Se um professor - que é o mais castigado pelo sistema porque passa nele muito mais tempo que o resto dos mortais - tem sido condicionado e essa visão linear, então, dificilmente, poderá se modificar o suficiente para liberar totalmente seu pensamento desse padrão.
Falar de interdisciplinaridade é já um passo importante nessa mudança de pensamento. Mas, infelizmente, vemos que os professores não podem trabalhar a interdisciplinaridade de maneira satisfatória. Muito mais complicado seria pensar na transdisciplinaridade - a forma de pensamento que não somente não tem fronteiras disciplinares, mas que transcende holisticamente qualquer tipo de linearidade. P. 150.
VIVER É CONHECER E CONHECER É VIVER
Ø O mundo é, para nós, um objeto de conhecimento. Podemos estudá-lo decompondo-o em partes cada vez menores, pelo qual nos transformamos em críticos e avaliadores. Colocamos o objeto afastado de nós mesmos, como se pertencesse a um mundo alheio ao nosso. Queremos ser objetivos. Então,(p.150) praticando um afstamento voluntário, estabelecemos uma fronteira entre o eu e o mundo.
A formação do conhecimento é uma construção. Significa que nada pode ser conhecido se não é internamente construído. "O mundo não é a idéia que temos dele: é a realidade que elaboramos à medida que vivemos, segundo referenciais que estão determinados em nossa estrutura" (MARIOTTI, 2000:76).
Nós professores, queremos que nossos alunos construam seus conhecimentos mediante as experiências que nós mesmos lhes transmitimos. Essa transmissão, além de ser uma tarefa sem graça para o aluno, é, ao mesmo tempo, uma tarefa que não conduz a nenhum conhecimento novo para ele. Ps. 150/151.
O MAL-ESTAR DOCENTE
Ø Embora possamos colocar múltiplos fatores como motivadores do mal-estar docente, diferentes pesquisas (ESTEVE, 1999) intentam comprovar que um dos mais importantes é a insatisfação que produz a baixa qualidade da resposta dos alunos em matemática. P. 152.
Ø Sabemos que quanto mais buscamos causas por perto, mais estaremos nos afastando das verdadeiras causas ou, o que é pior, ficarão ocultas para nós. Mas nossa impaciência para justificar tudo nos leva a encontrar "bodes expiatórios" ilusórios e, ao pugnar(p.152) pelo desaparecimento desses fatores, as verdadeiras causas continuarão sendo nocivas e produzirão, talvez, em uma escala maior, os efeitos que queremos evitar.
Quanto mais pressa tenhamos em encontrar causas, tanto mais dificuldades teremos em obter resultados imediatos. Quanto mais simplificarmos as variáveis do "ecossistemas" docente, tanto mais cegos estaremos para ver as causas que, concomitantemente, estão influindo nesse mal-estar. Procuremos causas, também, na fragilidade da natureza humana e na fragilidade do eu, que coloca sempre com culpável algum fator exterior, para não ficar sobregarredado de culpas próprias. Ps. 152/153.
QUAL O CAMINHO?
Ø A educação passa por um período de crise em que todos os países, industrializados ou não, pretendem melhorar com reformas de seus sistemas. Em geral, podemos observar que uma parte importantíssima é esquecida: o professor.(p.155)
Esse professor é o mais punido pelo sistema - perverso na maioria dos casos, com prêmios e castigos, com seleção forçada, etc. - é, também, um dos elementos mais esquecidos pelas reformas.
Pensar que uma lei pode modificar anos de práticas não direcionadas no mesmo rumo que o proposto por ela é uma linearidade: ela produz um novo constrangimento para o professor que reage a essa imposição criando um mal-estar de inconformismo. A maioria das vezes esse mal-estar gera uma barreira pouco permeável à mudança que se volta dos princípios da própria reforma.
Pensar que jornadas de capacitação - embora elas sejam freqüentes - produzirão docentes novos é um outro pensamento linear. Os professores de matemática, talvez um pouco mais que os de outras disciplinas, são refratários à modificação de suas práticas se Não são modificadas antes suas percepções da aprendizagem. E para isso não são suficientes as jornadas de capacitação. Ps. 155/156.
Ø A linearidade do pensamento da educação nos sistemas latino-americanos faz com que, cada dia mais, esqueçamos de pensar em nosso próximo, no respeito pela vida, no respeito pela natureza, na transcendência do ser humano. Valores esses que são primordiais para que o ser humano seja cada vez mais humanitário. Esses deveriam ser os axiomas para todos os sistemas educacionais. Essa deveria ser a grande reforma da(p.156) educação latino-americana. A essa transcendência e a essa humanização deveriam apontar os currículos de matemática. Ps. 156/157.
Ø Deixemos que o pensamento linear de todos nós se transforme paulatinamente em um pensamento sistêmico e, melhor ainda, em um pensamento complexo que enxergue a vida com outros olhos. Permitamos que a cultura linear dê lugar a uma nova cultura complexa, na qual a solidariedade e a cooperação comigo e com meu semelhante sejam as bases universais e perenes da vida.
Estas reflexões têm por objetivo imediato ir mudando meu próprio pensamento que, como leitor pôde perceber, está impregnado pelo pesada herança do pensamento linear difícil de ser erradicado em um piscar de olho... Todo intento nesse sentido é sempre enriquecedor.
MODELAGEM MATEMÁTICA & PERSPECTIVAS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Maria Salett Biembengut
Nelson Hein
INTRODUÇÃO
Ø O impulso à criação é inerente ao ser humano. Um breve olhar ao nosso redor certifica-nos disso. Isso ocorre, em especial porque a natureza é pródigas em criações e a razão humana, ao buscar compreender e expressar uma sensação provocada por uma imagem, um som, ou uma manifestação qualquer, procura relacioná-la com algo conhecido, efetuando deduções formando na mente uma imagem, uma representação, isto é um modelo. P. 159.
Ø Essa capacidade de modelar uma coisa imaginada é que impulsionau e impulsiona o ser humano a criações cada vez mais avançadas e ousadas. Como bem expressa MACHADO, "Agimos sobre a realidade por meio de nossas escolhas, buscando transformá-la no sentido de nossas aspirações ou conservá-las naquilo que nos parece cara. (2000:39). P 160
Ø Frente às necessidades enfrentadas pela nossa sociedade, a Educação tem boas e legítimas razões para preocupar-se com todos os aspectos do talento criativo: sua natureza, desenvolvimento e utilização. Isso tem implicações e exerce impactos sobre as nossas tarefas enquanto educadores, afinal, nas mudanças cada vez mais rápidas e de maior intensidade, o que permanece é o conhecimento. Em meio a esse "sopro" de mudanças, ter conhecimento específico e exercer a mera transmissão não nos é suficiente para darmos cabo das tarefas. É fundamental procurarmos, cada dia, obter novos conhecimentos e habilidades em aplicar e socializar conhecimentos.
E é com esse pretexto que a modelagem, em especial, a modelagem matemática, vem sendo fortemente defendida como método de ensino e pesquisa. A modelagem matemática consiste na arte de traduzir um fenômeno em questão ou problemas da realidade em uma linguagem matemática - modelo matemático. P. 160
2. MODELAGEM MATEMÁTICA: A ARTE DE SE EXPRESSAR UMA SITUAÇÃO REAL POR MEIO DA MATEMÁTICA
2.1. A noção de modelo
Ø Grosso modo, um modelo é um conjunto de símbolos os quais interagem entre si representando alguma coisa. Esta representação pode se dar por meio de um desenho ou imagem, um projeto, um esquema, um gráfico, uma lei matemática, dentre outros. P. 161.
Ø Um modelo não é um objeto, uma obra arquitetônica ou uma tecnologia, mas sim o projeto, o esquema, a lei ou a representação que permite a produção ou a reprodução ou execução desta ação. Por exemplo, um carro ou um aparelho doméstico não são modelos mas os projetos que os geraram sim. Projetos que podem ser modificados, combinados ou alterados gerando assim, outros modelos, por sua vez, outros objetos, outros métodos, outras técnicas. Como ilustra FANGE (1971:8),p.161).
"O primeiro automóvel foi uma charrete a qual se anexou um motor. Como ali não havia mais o cavalo para fazer virar as rodas dianteiras, estendeu-se para cima uma haste e a ela se fixou um guidão a fim de que o chofer pudesse dirigir o veículo. O advento do motor elétrico deu, também, inicio às atividades no campo dos modernos aparelhos domésticos. Desde então, o automóvel e os aparelhos domésticos têm tomado grande desenvolvimento pela adição de novos elementos, transformando-se nessas agradáveis utilidades que vemos em nossa vida moderna".
Nenhum modelo ou forma de representar é casual ou rudimentar. É a expressão das percepções da realidade, do desejo da aplicação, da representação. "Toda atividade criativa se origina, primeiro, da relação entre o indivíduo e o mundo objetivo do trabalho e segundo, doa laços entre indivíduo e os outros seres humanos" (GARDNER, 1996:09). Ps. 161/162.
Ø A representação ou reprodução de alguma coisa, ou seja, um modelo requer uma série de procedimentos que perpassa pela observação cuidadosa ou fenômeno a ser modelado, pela interpretação da experiência realizada, pala(p.162) captação do significado do que produz. Esse conjunto de procedimentos denomina-se de modelagem. Ps. 162/163.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø Muito embora não seja uma panacéia para a superação de todos os problemas da prática escolar relativos ao ensino de matemática, as pesquisas vêm apontando no quanto a modelagem pode representar um avanço não somente no ensino de matemática como para pesquisa dos alunos quanto do professor. Frente ao sentido da Educação tem valido a pena considerar esse processo que oportuniza ao aluno aprender pela experiência. Afinal, "conhecer é fazer e fazer é conhecer" (..) e "Todo ato de conhecer produz um mundo. (...) MATURANA e VARELA, 1995:71).
Acreditamos que é esse contínuo crescer e modificar que expõe o sentido da Educação Formal: prover o aluno de um conhecimento que lhe permita assegurar condições adequadas(p.183) para si e demais partícipes da sociedade e ao mesmo tempo valorizar e respeitar as expressões da cultura social que herdou e as que está porvir. Conforme bem expôs HERSKOVITS, "entre os índios apaches Chiricahua, a lembrança de sua aprendizagem é sinônimo da consciência do eu" (1947:107). Ps. 183/184.
NOTAS
Ø Entende-se por Educação Formal àquela cujos processos de ensino e aprendizagem são realizados nas Escolas que tem locais apropriados, por períodos e currículos definidos e pessoas preparadas para este fim. P. 184.
Ø Currículo: documento que prescreve um programa ou assuntos a serem tratados, um conjunto de métodos ou estratégias para o ensino e a avaliação da aprendizagem. P. 184.

FACES DO ESCREVER NA ACADEMIA
Entre o eu e o outro
Osmar de Souza
INTRODUÇÃO
Ø Remete a escrita para si (prosa de leitor), na conhecida oposição estabelecida por Flower e Hayes (1981). P. 187.
Ø Com efeito, um escritor orienta-se, simultaneamente, em duas direções: para si mesmo, estabelecendo registros provisórios sobre o que pretende divulgar; para outros leitores, reais ou virtuais, configura-se uma expressão pública. A primeira tende a ser um registro passageiro, para não esquecer informações, descobertas, seminários, simpósios. Neste estágio, ainda não se preocupa com o outro. O sujeito proponente move-se pelo instantâneo.(p.187)
A Segunda já exige uma expressão completa. O leitor agora é o outro, nem sempre conhecido. O autor obedece ao código e estabelece um plano que permite a identificação dos recursos usados, o gênero textual, a finalidade, o propósito. (Meurer, 2000) O leitor obtém pistas no próprio texto, de tal maneira que ele mesmo reconstrói o contexto. A expressão pública, então, ganha uma relativa autonomia. (Cassany, 1999) Agora, o sujeito proponente move-se pelo definitivo.
A rigor, a oposição se realiza parcialmente, porque em todo texto adequadamente escrito, para uma finalidade pública, real, sempre restará algo pouco transparente; restará sempre algo que não foi escrito, apostando-se no conhecimento prévio do leitor. Mesmo quando os interlocutores se encontram num campo de conhecimento igual, ainda assim pairam dúvidas sobre o alcance do que se pretendeu comunicar. Ficam parágrafos incompletos, frases herméticas, referenciações ambíguas, desconhecidas. Nota-se, então, quão difícil é estabelecer os limites entre o escrever para o eu e para o outro; quando um termina e outro começa. Restam os problemas relativos às interculturas, por conta das diferentes comunidades discursivas (Swales, 1990) e as equivalentes formações discursivas. (Orlandi, 1988).
RETOMANDO A OPOSIÇÃO
Ø Linda Flower (1979; 1981) considera bons escritores aqueles que sabem converter a prosa de escritor (suas próprias idéias) em prosa de leitor (expressão pública). Com essa dicotomia, diferencia a "expressão" da "comunicação".(p.188)
Para ela, expressar o pensamento através de palavras, frases, textos não significa necessariamente que o receptor tenha de compreender o escrito, portanto, que haja comunicação. Entre a expressão e a comunicação, produzem-se distintas operações intelectuais. Quando se escreve para si mesmo, quando só se quer transcrever e guardar as idéias, quando se anotam palavras que têm significado especial para a própria pessoal, utiliza-se a "prosa de escritor". Quando se escreve para que alguém entenda, para comunicar, quando se formula o contexto do que se quer dizer e não se deixa implícito, usa-se "prosa de leitor". Ps. 188/189.
Ø O domínio do assunto e a capacidade de formular o essencial num escrito constituem uma tarefa complexa. P. 189.
Ø ... escrever para que o "outro" entenda implica a pressuposição de que os conhecimentos do "eu" são diversos deste "outro"; que este não vive o mesmo contexto. Por exemplo, um artigo em que o autor faça referência à notícia de jornal. Se forem omitidas as normas de referências bibliográficas, relativas a periódicos, o leitor ficará sem saber identificar corretamente a(s) fonte(s) consultadas(s). da mesma forma, no plano conceitual, o autor de um escrito precisa definir em que termos e em que sentido está usando determinadas palavras principalmente as que têm concepção técnica. Em seu lugar de receptor, evidentemente, o interlocutor pode objetar, mas isso é outra discussão.
Acrescentam-se, assim, a este artigo duas outras categorias inerentes à textualização" a "polifonia" e a "transpar6encia". Polifonia significa "várias vozes" falando no mesmo texto. Constitui um recurso, ao se fazer autores falarem, para respaldar, contestar proposições; mas poderá esconder quem fala no texto. Incorpora-se ao repertório de cada um e com o tempo faz parte do conhecimento do usuário. Emprega-se como se fosse da própria pessoa. Separam-se categorias em que se assume o acordo sem6antico e aquelas em que autores já estabeleceram acordos e foram absorvidos pela academia. O mais complicado ainda é na sequência textual. Há usuário que escreve laudas e laudas, sem citar uma única fonte, sem uma nota explicativa. Fica a impressão que é a voz dele; em geral, trata-se de paráfrases ilegitimamente assumidas.
A transparência, por sua vez, se observa pela orientação que o autor dá ao leitor, para que este não precise adivinhar o que se quis dizer, ou a que fonte se refere, a que autor. Por exemplo, quando um escritor usa uma palavra de sentido técnico como "construtivismo", explica com que sentido emprega, baseado em que autor, em que percepção do processo educativo. P. 190.
Ø Para efeito deste artigo, assume-se saber escrever como dominar o código escrito e estratégias de composição. (Cassany, 1999) Saber transformar significa escrever produzindo conhecimentos. (Silveira, 1998). P. 191.
Ø Em síntese, as prosas de escritor e de leitor poderiam ser visualizadas, como o sumariza Cassany (1999, p. 140), de acordo com a função, estrutura e estilo.
PROSA DE ESCRITOR
Função - é a expressão escrita do autor para ele mesmo.
Estrutura - reflete o pensamento, o processo de descoberta do tema.
Estilo - utiliza palavras com Significados pessoais para o autor.
O texto depende do contexto que está implícito.
PROSA DE LEITOR
Função - é a intenção de comunicar informação a um leitor.
Estrutura - tem uma estrutura retórica baseada no propósito do autor.
Estilo - utiliza uma linguagem compartilhada com o leitor.
O texto é autônomo. Não é necessário o contexto para compreendê-lo. P. 194.
Ø Em função da delimitação proposta neste artigo, arrisca-se a desenhar as prosas de escritor, de leitor e de autor da seguinte maneira:
PROSA DE ESCRITOR PROSA DE LEITOR PROSA DE AUTOR
Função:
- registro provisório das descobertas - comunicação completa a uma - comunicação completa a
ou mais comunidades discursivas comunidades discursivas
mais abertas.

Estrutura:
Reflete o estado da arte em que se en- - esconde os estados de arte pelos - reflete os movimentos
contra o proponente, face o tema. quais o autor passou; de resistência aos modis-
- obedece aos ditames da comuni- mos e tentativas de van-
dade discursiva. guardas.

Estilo:
- utiliza palavras e expressões cujo - utiliza palavras e expressões com - provoca a polissemia a-
significado domina fragilmente, mas maior segurança e revela conexões berta; desconstrói con-
sabe que pertence a uma ou mais comu- entre comunidades discursivas e cor- sensos.
nidades, com determinada configuração relações de significados e sentidos,
semântica. para além daquela comunidade em
que momentaneamente se inscreve.

- o texto está preso às visões subjetivas - o texto ganha autonomia pela gene- - a generosidade do pro-
do proponente e ao contexto pessoal em rosidade do proponente. ponente ora se esconde,
que se inscreve. ora aparece. P. 195.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ø A pesquisa focalizada em textos diversos, produzidos por escritores de distintas formações discursivas, poderá dar conta das estratégias que diferentes escritores usam para transformar as suas prosas de escritor em prosa de leitor, considerando os diferentes gêneros textuais, narrativas, editoriais, memórias, textos publicitários, textos normativos, textos dissertativos opnativos, textos dissertativos expositivos, entre tantos. E a prosa de autor? P. 196.

AVALIAÇÃO
Seleção, medida, formação
José Dias Sobrinho
Ø Falo, sobretudo, de abordagens, intencionalidades e efeitos que, de acordo com as formas de suas combinações e ênfases, constituem tendências dominantes na história da avaliação e a deixam impregnada de sentidos que se justificam nas sociedades hierarquizadas. Ao final, proponho a recuperação da dimensão formativa ou pedagógica da avaliação, a que só se poderia aceder basicamente pelo exercício da autonomia assumido socialmente pelos agentes de uma instituição educativa. P. 200
AVALIAÇÃO COMO MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO OU SELEÇÃO SOCIAL
Ø Estamos tão familiarizados com os testes, provas ou exames no domínio escolar que os vemos naturalmente vinculados aos conhecimentos e às intenções educativas, como se sempre tivessem existido no âmbito da educação formal e sempre se referissem a matérias do escolar. entretanto, há na avaliação outras relações que pouco têm a ver com a dimensão cognitiva, ou mais amplamente, pedagógica e educacional.
Já muito antes da era cristã a avaliação servia a propósito de seleção de indivíduos de determinadas corporações para ocupação de lugares e exercício de funções específicas no sistema de serviços públicos. Na velha China, a avaliação selecionava os mais aptos ao serviço dos mandarins. Na Grécia antiga, Atenas praticava a docimasia: a avaliação se centrava no julgamento das aptidões morais dos candidatos a funções públicas. Promovidos como instrumento de seleção, os concursos exerciam antigamente - como ainda hoje - um poder discriminativo de organizar seletivamente os indivíduos, ou seja, de distribuí-los num sistema hierarquizado de poder, de(p.200) estratificar lugares de prestígio ou de reconhecimento social e de subordinações, de acordo com as capacidades pessoais que cada um pudesse demonstrar. A avaliação esteve sempre referenciada a necessidades de escolhas no plano social. inicialmente, porém, isto nada tinha a ver com sistemas ou aprendizagens escolares, sobretudo não a exames escritos e notas, que, como se sabe, são uma invenção bem mais recente. ps. 200/201.
Ø As primeiras práticas avaliativas promovidas pelas universidades medievais eram feitas apenas como exercícios orais, e não escritos. A pedagogia Jesuítica posteriormente desenvolveu bastante esse tipo de competição oral, de caráter emulativo e qualitativo, como privilegiada técnica pedagógica. O sistema de exames e sua representação através de notas, a notação, é uma prática que surge com a institucionalização das escolas modernas. Como se sabe, a escola moderna é uma instituição que se caracteriza por sua organização em níveis diferentes e hierárquicos e de acordo com critérios de méritos individuais.p. 201.
Ø Nestes últimos cem anos, a avaliação se institucionaliza como uma complexa área de práticas, instrumentos, teorias e de profissionais, cumprindo funções educacionais, mas também sociais e políticas de grande alcance. É precisamente nessa relação entre os diversos níveis do ensino institucionalizado a partir do século XVIII e a vida social e econômica cada vez mais complexa que a avaliação vai exercer um papel de grande peso e importância. P. 202.
AVALIAÇÃO COMO MEDIDA OU MENSURAÇÃO
Ø A avaliação passa a priorizar claramente, então, o sentido de accountability, ou seja, a responsabilidade e a capacidade de a instituição e seus agentes demonstrarem eficiência, nem tanto para a sociedade, mas sobretudo ao governo. Tudo se passa como se, ao prestar contas, a instituição educativa produzisse sua própria regulação assimilando as expectativas externas. O que em verdade não pode ocorrer. P. 209
AVALIAÇÃO: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E MELHORIA DA QUALIDADE EDUCATIVA E SOCIAL
Ø A avaliação de que passo a falar sucintamente é aquela orientada a fazer balanços amplos e, sobretudo, a buscar a construção coletiva da qualidade das instituições educacionais. Ela é pois, muito distinta das avaliações que carregam o peso da tradição da medida e da seleção. Apesar das enormes dificuldades de realização, proponho um deslocamento do pólo da informação elaborada com a finalidade de controle para o da formação, pelo resgate da dimensão pedagógica da avaliação. Aqui já estamos no âmbito educativo, as palavras chave são participação, negociação, debate público, democracia, formação... p. 209.
Ø Proponho que a avaliação, além de buscar compreender a complexidade e a polissemia do fenômeno educacional e das(p.209) instituições educativas em concreto, ultrapasse o meramente observável e quantificável para efeitos de restrição e enquandramento a uma norma ou critério previamente estabelecidos, seja isso de caráter social ou mias marcadamente econômico, e tenha sobretudo uma função intencionalmente proativa e formativa ou pedagógica. Referida à educação, a avaliação não pode deixar de ser afirmativa das potencialidades educacionais. Falo da necessidade de se transformar a lógica predominantemente negativa da avaliação, especialmente quando não conta em sua formulação e execução com os reais agentes da transformação educacional, em uma lógica formativa e que conceba a qualidade em outros termos e sentidos que não os exclusivamente mercadológicos. Penso em uma avaliação que inverta o pólo da competitividade a qualquer custo, para a competição sadia construída com basena solidariedade social e no espírito da colegialidade (Dias Sobrinho, 2000b:183). Ps. 209/210.
Ø Dentre as várias vantagens e justificativas da avaliação participativa, é importante apontar ao menos três: ela pode obter mais validade em virtude da pluralidade de perspectivas e concepções dos participantes internos e externos; os participantes se sentem mais comprometidos com a avaliação e as ações de melhoramento que ela engendra; a avaliação participativa é superior às outras modalidades do ponto de vista ético porque se baseia na aceitação do direito da expressão. A participação, em princípio, aumenta a legitimidade da ação pública, o que acaba levando a uma aceitação mais ampla pela população. Claro que junto com a participação se deve operar com outros valores éticos, como o respeito à individualidade, à confidencialidade e ao interesse público.
A avaliação pode ser um importante instrumento de profissionalização dos professores (Ângulo, 2000), no sentido de desenvolvimento e formação contínuos. Isso se ela consegue se desenvolver como um processo coletivo e não compulsório de reflexão desses atores sobre sua própria prática de docência e investigação. A instituição educativa é, então, concebida como construção coletiva. Dessa maneira, a avaliação(p.211) se instaura como um pôr em foco os significados da qualidade da ação educativa e um processo gerador de possibilidades de melhora pedagógica a partir do envolvimento dos agentes do trabalho educativo. Ps. 211/212.
Ø ... a avaliação deve ter sempre presente que as situações educativas não são sistemas fechados e fixos, mas abertos dinâmicos; são portadoras de múltiplas possibilidades formativas e por isso não cabem em modelos padronizados, nem são acessíveis em toda a sua riqueza a instrumentos que se pretendem isentos de valores e imunes à subjetividade. Os fenômenos humanos e sociais são sempre polissêmicos. Por isso, a educação não pode ser reduzida a dimensões quantificáveis. Mesmo a relação ensino e aprendizagem em função do conhecimento está sempre mergulhada em valores, comportamentos e atitudes, se produz em situações do cotidiano que escapam muitas vezes ao previsível e planejável, mas não deveriam escapar às indagações de um processo de avaliação (Dias Sobrinho, 2000 a:68).
A avaliação deve se ocupar principalmente do valor social da formação. As instituições educativas devem se resguardar como lugares privilegiados da crítica, da criatividade, da livre circulação de idéias e experiências. Além da formação técnico-profissional que satisfaça o mercado, devem elas formar pessoas que saibam integrar os conhecimentos e as práticas em seu processo de vida pessoal e possam participar ativamente da construção da cidadania, do desenvolvimento nacional e da nacionalidade (Dias Sobrinho, 1975:15 e segs.). P. 212.
Ø Avaliar é mais que elaborar um banco de dados, medir os graus de possíveis aprendizagens, inventariar resultados ou demonstrar desempenhos, embora tudo isso seja importante e deva fazer parte do processo. É mais que medir, selecionar, controlar ou fiscalizar, embora essas funções tenham estigmatizado toda a história da avaliação e sob muitos argumentos se justifiquem. A avaliação democrática, no sentido de uma ampla ação do coletivo universitário, deve priorizar seu potencial formativo e proativo. Deve levar a instituição educativa a se interrogar de forma radical e de conjunto sobre os significados de seus serviços e atividades e de suas relações com a ciência e com a sociedade. Essencialmente, a avaliação deve suscitar interrogações de sentido ético, político e filosófico sobre a formação que está promovendo e engendrar reflexões sobre o significado mais profundo da missão e da visão de cada instituição, segundo os princípios de eqüidade e de pertinência. Precisa conhecer e interpretar as fraquezas da instituição, com vistas a superá-las, mas, sobretudo, deve compreender e identificar as suas qualidades mais fortes e suas potencialidades para se consolidar ainda mais. P. 215.
PROSFÁCIO
Ø Como organizadores, deixamos alguns "flashes" do que poderia estar acontecendo após a leitura desses artigos, no todo, ou em partes:
reações estranhas às quebras de expectativas ou, talvez, por despertar os "aposentados de si mesmos" (Wittmann);
reações menos traumáticas ao perceber que as inquietações são similares entre diferentes sujeitos ao resolver determinados desafios, entre os quais se inclui a escrita e a complexidade cultural (Souza; Bohn);
reações positivas por se perceber lutando contra as formas de opressão que assujeitam o ser(substantivo) e impedem ser (verbo) (D'Ambrósio);
reações indiganadas das que põem em cheque os saberes constituídos, supostamente legitimados, de forma reducionista (Keim; Riggio);
reações corajosas dos que tentam superar as metodologias e propostas repetitivas (Biembengut; Breuckembaum);
reações críticas das concepções de universidade e das políticas vinculadas ao ensino superior no Brasil e dos processos de avaliação (Dias Sobrinho, Meneghel);
reações confiantes pela recuperação da filosofia, da infância ao saber acadêmico (Souza; Lamar); P. 219.

Ø "Currículo é a estratégia para a ação educativa". (D'Ambrosio)
"Os padrões epistemológicos da Educação estão relacionados com a legitimação ou não de determinados discursos e práticas e não refletem só poder como também o produzem". (Lamar)
"A modernização significa adaptar a Universidade a uma situação que mantém e reforça sua condição de instituição de país com economia periférica, à medida que limita a formação de cientistas e privilegia o treinamento de mão-de-obra". (Meneghel).
"A humanidade é uma aventura de sobrevivência e como tal deve ser analisada numa perspectiva caótica, quântica, relativista, casual e complexa. (Keim)
"Vivemos um tempo eternal: desde o seu a-começo, o passado invade o futuro, que já chegou". (Wittmann)
"Quem recebe a palavra não pode interpretá-la cristalizada, mas em movimento, constituindo o seu significado pelo perceber pessoal, diferenciado, renovador..." (Bohn)
"Essa inquietação, esse desacerto com os dados imediatos da realidade, constituem parte da angústia, da incerteza, do desconforto, que caracterizam uma mente pesquisadora". (Breuckmann)
"O professor e o aluno formam uma pequena comunidade". (Souza, Nivaldo)
"E o professor respondeu: se estamos em álgebra, não pode usar geometria..." (Riggio)
"A natureza é pródiga em criações e a razão humana, ao buscar compreender e expressar uma sensação provocada por uma imagem, um som, ou uma manifestação qualquer, procura relacioná-la com algo conhecido, efetuando deduções, formando na mente uma imagem, uma representação, isto é um modelo. (Biembengut).
"A prosa de escritor provoca a polissemia aberta, desconstrói consensos". (Souza, Osmar)
"A avaliação deve se preocupar principalmente do valor social da formação". (Dias Sobrinho)

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