sábado, 16 de agosto de 2008

ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas,

Concebemos normalmente o trabalho como uma atividade regular e sem interrupções, intensa e carente de satisfações intrínsecas, impacientamo-nos quando um garçom tarda em nos servir e sentimo-nos indignados diante da imagem de dois funcionários que conversam, interrompendo suas tarefas, embora saibamos que seus trabalhos não têm nada de estimulante. Consideramos que alguém que cobra um salário por oito horas de jornada deve cumpri-las desde o primeiro até o último minuto. 3

Se pensamos o mundo em seu conjunto, em lugar de fazê-lo somente na parte que ocupamos, não é difícil ver que destruímos a África e que demos lugar a uma escandalosa polarização entre riqueza e miséria na Ásia e na América Latina, fazendo com que milhões de pessoas vivam abaixo do nível de subsistência e substituindo prometidos processos de desenvolvimento autônomo – como na Índia e em outros lugares - por uma dependência atroz. 5

São fáceis de serem identificadas, entretanto, duas fontes de mal-estar profundamente arraigadas e de longo alcance, associadas ao capitalismo e à industrialização e que não apresentam perspectivas de melhorar. Em primeiro lugar, nossas necessidades pessoais, estimuladas pela comunicação de massas, pela publicidade e pela visão da outra parte dentro de uma distribuição desigual da riqueza, crescem muito mais rapidamente que nossas possibilidades... Em segundo lugar, nossa sociedade nutre uma imagem de existência de oportunidades para todos que não corresponde à realidade, motivo pelo qual e apesar do qual o efeito para a maioria é a sensação de fracasso, a perda de estima e auto-culpabilização. 5-6

Na economia de subsistência produz-se para satisfazer uma gama limitada e pouco cambiante de necessidades. O trabalho é indissociável de seus fins e, como conseqüência, da vida mesma em seu conjunto... Dentro do marco de uma divisão do trabalho tão simples que se esgota, ou quase, na repartição de tarefas entre homens e mulheres, o trabalhador decide o que produzir, como produzi-lo, quando e a que ritmo... A situação é muito diferente em uma sociedade industrializada. A imensa maioria das pessoas não conta com a capacidade de decidir qual será o produto de seu trabalho... A liberdade não é algo absoluto, mas relativo à realidade que nos rodeia. 7

Em sua maioria, os trabalhadores de hoje não contam com a capacidade de controlar e determinar por si mesmos seu processo de trabalho. Os trabalhadores assalariados, que são a maior parte da população chamada “economicamente ativa” - da qual um claro viés sexista exclui as mulheres que realizam apenas tarefas domésticas, e consequentemente são classificadas como inativas - , vem vêem-se inseridos em organizações produtivas com uma divisão do trabalho mais ou menos desenvolvida para cuja conformação não se contou nem se contará com eles. 9

Enfim, nas economias pré-industriais os homens dispõem a seu critério de seu tempo de trabalho – e de seu tempo em geral -, ou seja decidem sua duração, sua intensidade, suas interrupções. 9

O trabalho é necessário para a reprodução da vida humana, mas é algo mais que sua mera reprodução mecânica. Ele incorpora um elemento de vontade que o converte em atividade livre e, de maneira geral, na base de toda a liberdade. 10

O primeiro passo verdadeiramente importante, no que concerne ao processo de trabalho, a partir da produção de subsistência é o que leva à produção para a troca. 13

Por isso a passagem da produção para o mercado ao trabalho assalariado, independentemente das diversas subformas que possam adotar um e outro, representa a passagem da independência à dependência, ou de depender tão-somente de forças impessoais como são ou parecem ser as do mercado, embora estejam mediadas pelas coisas; a passagem da elaboração completa do produto, que pode ser a base do orgulho profissional... 16

A maquinaria estabelece um ritmo mecânico ao qual o trabalhador, como apêndice, tem que se subordinar, incorporando em seu mecanismo uma regulação do tempo e da intensidade que, sem ela, exigiria elevados custos de supervisão. 16

Frente a divisão manufatureira do trabalho, o taylorismo representa simplesmente uma tentativa de sistematização, codificação e regulação dos processos de trabalho individuais com vistas a maximização do lucro, mas seu método é qualitativamente distinto. 17

O fordismo é a incorporação do sistema taylorista ao desenho da maquinaria mais a organização do fluxo contínuo do material sobre o qual se trabalha: simplificando, a linha de montagem. Tal como a maquinaria na divisão manufatureira do trabalho, o fordismo, que representa com a relação ao taylorismo à máquina, a supressão de sua capacidade de decisão e, ao mesmo tempo, a diminuição drástica dos custos de supervisão. 17

Em que consiste, pois, a alienação do trabalho? Primeiramente, fato de que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence a seu ser; que em seu trabalho, o trabalhador não se afirma, mas se nega; não se sente feliz, mas infeliz; não desenvolve uma livre energia física e espiritual, mas mortifica seu corpo e arruína seu espírito. Por isso o trabalhador só se sente ele mesmo fora do trabalho, e no trabalho algo fora dele. Ele se sente em casa quando não trabalhava, e quando trabalha se sente em casa. Seu trabalho não é, assim, voluntário, mas obrigado; é trabalho forçado. Por isso não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer as necessidades fora do trabalho... Disso resulta que o homem (o trabalhador) apenas se sente livre em suas funções animais, no comer, beber, procriar, e quando muito no que se refere à habitação e à vestimenta, e em troca em suas funções humana sente-se como animal. O que é animal torna-se humano e que é humano torna-se animal. 121

MARX, Karl. Manuscritos filosóficos: economia e filosofia. Madrid: Alianza Editorial. 1977.

A experiência tem-no demonstrado. De todos os tipos de criação, a do gado humano é a mais difícil. Para que a escravidão seja rentável quando se aplica a empresas em grande escala, tem que haver abundância de carne humana barata no mercado. Isto só se pode alcançar por meio da guerra ou das incursões em busca de escravos. De maneira que uma sociedade dificilmente pode basear uma boa parte de sua economia em seres humanos domesticados, a não ser que tenha à mão sociedades mais fracas a serem vencidas ou arrasadas. 247

BLOCH, M. The rise of dependent cultivation and seingniorial institutions. In: MM POSTAN, ed Cambridge Economic History of Europe., I: the agrarian life of the Middle Ages, Nova York, Cambridge University Press. 1966

Se se comparam as vantagens e inconvenientes dos escravos, cuja reprodução compensa, menos que a de qualquer outro gado, a perda resultante de morte natural, invalidez ou de incidente, e que proporcionam sempre uma quantidade de trabalho muito menor que a de um trabalhador independente, chegaremos a perguntar-nos se o trabalho escravo não era muito caro... que o trabalho livre 23

Ademais a compra de escravos supunha imobilizar um capital que apenas ao cabo de um longo período seria recuperado, enquanto o salário, cujo único objetivo é cobrir os custos diários, semanais ou mensais de reprodução da força de trabalho, é recuperado muito mais rapidamente: em termos mais técnicos, podemos dizer que o escravo representa também uma inversão em capital fixo, o assalariado apenas um capital circulante. 23

O trabalho forçado pode absorver o tempo e a vida do trabalhador e obter seu esforço físico, mas de nenhum modo pode obter sua colaboração, seu compromisso. Bem pelo contrário, torna-o impossível desde o principio, como se mostrou em todos os casos em que existiu, desde a mobilização forçada dos africanos pelas potências coloniais até o trabalho dos convictos, hoje em dia, em muitos países. 24

A maioria das pessoas que chegam à idade adulta encontram já uma série de condições dadas: não existe para elas outra via disponível de obtenção de seus meios de vida senão o trabalho assalariado, este goza já de aceitação social, os que o rejeitam têm sido relegados a uma posição marginal e a cultura dominante bendiz e reproduz tudo isto. 30

Não há nada tão parecido com a estupidez e com a falta de interesse da atividade fabril quanto a militar a que são submetidos milhões de jovens varões nos paises com serviço militar obrigatório. Depois de tal experiência, o mais embrutecedor dos trabalhos pode ser visto como uma libertação... Era preciso inventar algo melhor, e inventou-se e reinventou-se a escola... A instituição e o processo escolares foram reorganizados de forma tal que as salas de aula se convertem no lugar apropriado para acostumar-se às relações sociais do processo de produção capaitalista, no espaço institucional adequado para preparar as crianças e os jovens para o trabalho. 30-1

Se os trabalhadores ocidentais adultos tiveram que ser moralizados e os nativos das colônias civilizados, os novos membros da sociedade têm que ser educados. 31

Um comentário:

Vanessa Casaro disse...

Olá.Poderia me enviar sua resenha do livro A face oculta da escola. Procurei no Google e na revista educação e sociedade pela SciELO e não consegui. Agradeço
Vanessa