Lamentavelmente, o mais comum nos sistemas escolares é a prática de uma “ducação” no sentido que lhe dá Cícero (este filósofo romano considerava a educação como a responsável pela transmissão do conhecimento), que é nada mais que uma reprodução do velho. 14
É importante lembrar a ação do professor e dos sistemas educacionais em geral mostrará seus efeitos somente no futuro. Um futuro que ninguém conhece. Um futuro no qual estarão agindo as crianças que hoje confia a nós, os educadores. 14
Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comuns, e compartilhando mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento – o que entendemos por cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada elemento da sociedade. Ao mesmo tempo, para se ter uma sociedade é necessário que os indivíduos adiram a comportamentos e compartilhem conhecimentos. 14
O exercício de direitos e deveres acordados pela sociedade é o que se denomina cidadania. 15
Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedade e exercer cidadania. 15
... o professor deve subordinar sua disciplina, em particular os conteúdos, aos objetivos da educação e não subordinar a educação aos objetivos, à transmissão e aos avanços de sua disciplina. O aprendiz deve ser, como indivíduo, o determinante do conhecimento que lhe é transmitido. 15
Currículo é o conjunto de estratégias para se atingir as metas maiores da educação. 16
O impulso de sobrevivência, essencial no fenômeno vida em geral, provoca curiosidade sobre seu relacionamento com a natureza em sua totalidade, e o homem reconhece sua influência sobre o ambiente próximo. 22
Conhecimento resulta da ligação de explicações e de práticas as mais diversas, motivadas por situações aparentemente sem qualquer relação. 23
Muito da prática educativa tem focalizado o treinamento. Um exemplo disso é o condicionamento militar e o profissional. No sistema escolar, vê-se isso na pedagogia dominante nos cursinhos. 23
O fato inegável é que o conhecimento aparece, cognitiva e historicamente, como um todo. Mas não é apresentado assim. 26
Admitindo que a fonte primeira de conhecimento é a realidade na qual estamos imersos, o conhecimento é gerado holisticamente, de maneira total, e não seguindo qualquer esquema e estruturação disciplinar. 29
O enfoque holístico à história do conhecimento consiste essencialmente de uma análise crítica da geração e produção de conhecimento, de sua organização intelectual e social e de sua difusão. No enfoque disciplinar, essas análises se fazem desvinculadas, subordinadas a áreas de conhecimento muitas vezes estanques: ciência da cognição, epistemologia, ciências e arte, história, política, educação, comunicações. 31
A transdisciplinaridade é, então, um enfoque holístico ao conhecimento que procura levar a essa consequências e se apóia na recuperação de várias dimensões do ser humano par a compreensão do mundo na usa integralidade. 32
A multidciplinaridade procura reunir resultados obtidos mediante o enfoque disciplinar. Como se pratica nos programas de um curso escolar. 32
A interdisciplinaridade, muito procurada a praticada hoje em dia, sobretudo nas escolas, transfere métodos de algumas disciplinas para outras , identificando assim novos objetos de estudo. 32
A transdisciplinaridade vai além das limitações impostas pelos métodos e objetos de estudo das disciplinas e das interdisciplinas. 32
O ciclo do conhecimento pode ser sintetizado no esquema: a realidade (entorno natural e cultural) informa (estimula, impressiona) indivíduos e povos que em conseqüência geram conhecimento para explicar, entender, conviver com a realidade, e que é organizado intelectualmente, comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente, o que é então expropriado pela estrutura de poder, institucionalizado como sistemas (normas, códigos), e mediante esquemas de transmissão e de difusão, é devolvido ao povo mediante filtros (sistemas) para sua sobrevivência e servidão ao poder. 38
É inegável o fato de que o povo gera conhecimento. Esse mesmo conhecimento passa , após ter sido expropriado pelos grupos de poder, por um processo de estruturação e codificação. Assim, esse mesmo conhecimento, que foi originado do povo, torna-se inacessível a ele, povo. 38
Os executores da devolução ao povo dos diversos corpos de conhecimento, isto é, os professores, os advogados, os economistas, os médicos, etc. devem ser credenciados pela própria estrutura de poder, de maneira a assegurar se compromisso ideológico. Esse credenciamento se dá através de um sistema de “filtros”, tais como diplomas, exames, habilitações profissionais, títulos acadêmicos, certificados e outros semelhantes, destinados a identificar aqueles confiáveis para dar continuidade ao sistema. 39
O trabalho do educador não é servir a esse sistema de filtros, mas sim estimular cada indivíduo a atingir sua potencialidade criativa e também estimular e facilitar a ação comum. 39
Com as espécies homo surge um impulso de transcender essas limitações de espaço e tempo. Essas espécies desenvolveram habilidades, capacidade de fazer coisas, capacidade gerar idéias e pensamentos e de se comunicar. 41
O comportamento de um indivíduo é o resultado de sua capacidade de captar informações da realidade e processar essas informações para assim executar uma ação. 41
(As espécies homo) Eles têm consciência das consequências de sua ação. 42
Conseqüentemente essas espécies desenvolvem outras capacidades de exercer ação: aprendem. Poderíamos dizer que o contínuo da vida se assemelha a uma aspiral. 42
A relação de artefatos e mentefatos é o que se costuma chamar símbolo. 47
A ética é o que regula o comportamento. 49
A visão holística procura entender o homem na sua integralidade como um fato (indivíduo e espécie) que, ao longo da sua história de vida e da história de vida e da história de toda espécie, tem procurado adquirir conhecimento para sobreviver e transcender, como indivíduo e como espécie, em distintos ambientes naturais e culturais. 49
O conhecimento resulta da busca de sobrevivência e de transcendência. 51
O conhecimento é algo gerado, organizado e difundido e é difícil negar que essas três fases de sua elaboração não podem ser estudadas separadamente. O conhecimento, nessas três fases, mostra várias dimensões: sensorial, intuitiva, emocional, racional, que igualmente não podem ser separadas. Esse é o princípio holístico que orienta minhas reflexões sobre conhecimento. 56
Ao extrapolar a aceitação de as coisas serem como são porque assim deve ser, instituiu-se a normopatia e assim se construíram as justificativas para vários comportamentos sociais. 58
A crença na regularidade dos fenômenos e do comportamento conduziu à Ciência Moderna, entendida como o corpus de conhecimentos, explicações e práticas que se desenvolvem a partir do século XVI nos países europeus. E conduziu, em conseqüência à arrogância da certeza. 59
O reconhecimento da incapacidade de conhecimento total leva o homem à humildade da busca. 59
Literacia é a capacidade de processar informação escrita, o que inclui escrita, leitura e cálculo, na vida cotidiana. 63
Materacia é a capacidade de interpretar e manejar sinais e códigos e de propor e utilizar modelos na vida cotidiana. 63
Tecnoracia é a capacidade de usar e combinar instrumentos, simples ou complexos, avaliando suas possibilidades, limitações e adequações a necessidades e situações. 63
... o homem é afetado, desde seu nascimento, por duas doenças congênitas e incuráveis: vida e esperança de que a morte não seja o fim. 64
A causa dos maus resultados em provas e “provões” não está nas crianças e nos jovens que são inegavelmente curiosos sobre coisas novas, interessados em coisas interessantes, ansiosos por se preparar para o mundo moderno – nem nos professores - que são surpreendentemente dedicados. A causa está no conteúdo que se pretende transmitir e testar, que é obsoleto, desinteressante e inútil. 77
Efetivamente, o mau uso da tecnologia domina a atenção da sociedade. Os grandes benefícios que resultam do uso adequado da tecnologia são muitas vezes absorvidos pela população como tendo um caráter de normalidade, ficando assim as críticas para o que não andou bem. 78
Aprendizagem é a aquisição de capacidade de explicar, de aprender e compreender, de enfrentar, criticamente, situações novas. Não é o mero domínio de técnicas, habilidades e muito menos a memorização de algumas explicações e teorias. 89
Um dos maiores entraves a uma melhoria da educação são o alto índice de reprovação e a enorme evasão. Ambos estão relacionados. Medidas dirigidas ao professor, tais como fornecer-lhe novas metodologias e melhorar, qualitativa e quantitativamente, seu domínio de conteúdo específico, são sem dúvida importantes, mas tem praticamente nenhum resultado apreciável. 90
É uma visão napoleônica achar que um currículo obrigatório, que atenda a todo o país, tenha qualquer efeito no melhoramento da educação. O que há de mais moderno em educação trata o currículo como definido a partir da classe, isto é combinado, entre alunos mais os professores e mais a comunidade. 92
A avaliação deve ser uma orientação para o professor na condução de sua prática docente e jamais um instrumento para reprovar ou reter alunos na construção de seus esquemas de conhecimento teórico e prático. Reprovar, selecionar, classificar, filtrar indivíduos não é missão do educador. Outros setores da sociedade devem se encarregar dessa missão. 98
No mesmo ambiente e saúde, bem como empregabilidade e violência, são temas que escapam disciplinar, multidisciplinar e mesmo interdisciplinar. São temas transversais, que só podem ser abordados segundo uma visão holística e num enfoquem transdisciplinar. 104
As próprias ciências – no conceito disciplinar que predomina na educação, isto é, matemática, física, química, etc. – devem ser contempladas em relacionamento íntimo, numa verdadeira simbiose, na prática educativa e também na pesquisa. 104
Ética não se ensina: sugere-se através do discurso e mostra-se através do comportamento. Mas entre o discurso e o comportamento, é essencial que haja coerência. 106
A coerência entre o discurso e comportamento é o que chamamos autenticidade. Ninguém pode se dizer educador sem ser autêntico. O que caracteriza um mestre é a sua autenticidade. 106
A educação plena concilia esses dois aspectos, o individual – que leva a atingir a plenitude de sua criatividade – e o social – que leva a integrar-se na humanidade como um todo. Essa integração na humanidade é o que entendo por cidadania planetária. 108
Acredito ser a problemática da paz o centro de nossas reflexões sobre o futuro. 111
A proposta é a ética da diversidade:
1. respeito pelo outro com todas as suas diferenças;
2. solidariedade com o outro na satisfação das necessidades de sobrevivência e transcendência;
3. cooperação com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum. 111
Procuramos uma ética que conduz à paz interior, à paz social e à paz ambiental, e, conseqüentemente, à paz militar. Atingir essa paz total é o objetivo maior da educação. 112
O ponto crítico é a passagem de um modelo de currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sócio-cultural e a prática educativa nele inserida.112
Sintetizando, o currículo dinâmico é uma estratégia de ação comum e repousa sobre três etapas que se desenvolvem simultaneamente:
· motivação, resultado de condições emocionais e da interfase passado/futuro;
· elaboração de novo conhecimento mediante troca/construção/reconstrução de conhecimentos;
· socialização mediante a realização de tarefas comuns. 113
D'AMBROSIO Ubiratan. Educação para uma sociedade em transição. Campinas, SP: Papirus, 1999.
Ø Não é óbvio que os cursos de instrução nas nossas instituições superiores de aprendizagem serão tão estranhos e inúteis aos nossos descendentes no século 21 quanto são as escolas medievais para nós agora? Tolstói 1862. P. 7.
Ø Todos nós somos resultado de nossas próprias histórias, minha formação, como a de toda a minha geração e mesmo a da geração seguinte, é disciplinas. Carregamos nosso passado, para bem ou para mal. Mas a autocrítica permanente permite evitar a satisfação ilusória de se crer que é possível ter as soluções para situações novas naquilo que já se sabe, no que já se sabe, no que já se fez, no que já se aprendeu, e que serviu para situações velhas. Claro que quanto maior nossa experiência, mais elementos temos para enveredar pelo novo. Mas a mesmice dificilmente nos leva ao novo. Isso é fundamental na educação. P. 9.
Ø ... A linguagem é um elemento fundamental na evolução da espécie e da aprendizagem, que não é resultado de um processo apenas, mas de muitos.
O problema da comunicação e das transformações sociais é central. Novas formas de conhecer, novos modelos de ciência, novas relações conhecimento-professor-aluno exigem um novo paradigma para a educação. P. 9.
Ø Vivemos ainda com a estrutura institucional desenvolvida pelos romanos. As instituições políticas e sociais, o sistema jurídico e as prioridades econômicas são essencialmente romanas. Basta uma leitura de Vitruvius, que se refere principalmente à organização urbana, para se reconhecer que, mesmo no cotidiano, seguimos o modelo romano.
É natural buscar no principal filósofo do mundo romano, Marcus Tullius Cícero(106-43 a.C.), as conceituações b'sicas do sistema educacional.
Cécero conceitua educatio como a criação dos filhos, a instrução e a doutrina. Isso é, fundamentalmente, a continuidade do modelo social e comunitário. Nada estranho que esses objetivos ainda prevaleçam. Naturalmente, esse objetivo é - dever ser! - desempenhado pelo ambiente familiar ou pré-escolar.
Mas Cícero fala também em educere como fazer sair, tirar para fora. Perguntamos: o quê? Naturalmente, o novo. De fato educere ou ex-ducere foi usado no sentido de dar à luz no parto. É uma vida nova que resulta desse ato. P.14.
Ø Lamentavelmente, o mais comum nos sistemas escolares é a prática de uma "ducação" no sentido que lhe dá Cícero, que é nada mais que uma reprodução do velho. P. 14.
Ø Mas o que vem a ser sociedade? Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos (todos diferentes) vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comunus, e compartilhando mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento - o que entendemos por cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada elemento da sociedade. Ao mesmo tempo, para se ter uma sociedade é necessário que os indivíduos adiram a comportamentos e compartilhem conhecimentos. P. 14.
Ø O exercício de direitos e deveres acordados pela sociedade é o que se denomina cidadania.
Resumo isso na definição: Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedae e exercer cidadania. P. 15.
Ø A missão do professor não é usar sua condição de profesor ou ensinar uma disciplina para fazer proselitismo, isto é, converter o aprendiz à sua doutrina, idéia ou disciplina, mas sim usar a sua disciplina para cumprir os objetivos maiores da educação.
Em outros termos, o profesor deve subordinar sua disciplina, em particular os conteúdos, aos objetivos da educação e não subordinar a educação aos objetivos, à transmissão e aos avanços da sua disciplina. O aprendiz deve ser, como indivíduo, o determinante do conhecimento que lhe é transmitido. P. 15.
Ø A história da educação nos mostra que os romanos organizavam os conteúdos do seu currículo em três componentes, a gramática, a retórica e a dialética, nos quais consistia o trivium. Essas disciplinas tinham como objetivos ler e escrever com correção, discursar com clareza e argumentar sobre os temas diversos. Isso respondia às necessidades do exercício de cidadania numa sociedade estruturada segundo leis e códigos. P. 16.
Ø Comenius dizia que tudo pode ser ensinado a todos. E que os ensinamentos tinham um caráter de universalidade. As técnicas para se lograr essa educação universal estão, até hoje, presentes na prática educacional. P. 17.
Ø Sagrado princípio de unidade entre os deuses, eu apelo a você; diz-se que você agracia casamentos com sua canção; diz-se que uma Musa era sua mãe. Você ata as facções conflitantes do mundo com vínculos secretos e encoraja a união de opostos pelo seu abraço sagrado. Você causa os elementos a interagirem reciprocamente, você faz o mundo fértil; através de você, a Mente é insuflada nos corpos por uma união de concórdia que comanda a Natureza, enquanto você traz harmonia entre sexos e promove lealdade pelo amor. Martianus Capella, o casamento de Filogia e Mercurio, séc. V. P. 21.
Ø Solidariamente com o sobreviver, o homem busca transcender o período de sua vida através de explicações sobre o que foi e o que se deu e de predições sobre o que será e o que se dará. Na satisfação não dissociada dessas duas pulsões, sobreviv6encia e transcend6encia, a espécie desenvolveu o que talvez seja sua característica mais distinta, que é o sentido de tempo, de passado e de futuro, aparentemente inexistente nas demais espécies animais.
O ser humano procura se entender não só com uma realidade em si, como um indivíduo, mas igualmente no seu relacionamento com outros, como uma realidade social. No homo sapiens sapiens, a continuidade da espécie, que é o principal gerador de poder em todas as espécies animais, é associada a prazer e a emoç'~oes. O indivíduo amplia o reconhecimento da essencialidade do outro.
O impulso de sobrevivência, essencial no fenômeno vida em geral, provoca curiosidade sobre seu relacionamento com a natureza em sua totalidade, e o homem reconhece sua influência sobre o ambiente próximo. A regularidade de fenômenos leva o homem a percrustar o distante, em espaço e tempo, e a agir sobre ele.
Ao reconhecer o espaço e o tempo, o homem se pergunda como é, o que é, o que será, e procura explicações nas tradições e na história. Ele quer respostas e pretende influir no que será, adivinhando e fazendo, e assim desenvolve fazeres e saberes, organizados como técnicas, religiões e ciências. O acúmulo de experiências e práticas e das reflexões sobre elas, e explicações e teorizações, é o conhecimento de um indivíduo, de uma comunidade, de uma cultura, das civilizações e da humanidade. P. 22.
Ø Conhecimento resulta da ligação de explicações e de práticas as mais diversas, motivadas por situações aparentemente sem qualquer relação, por exemplo, que relação haveria entre a cultur tradicional chinesa, particularmente a acupuntura e o do-in, e a informática educativa e musical? A procura de relações entre manisfestações tão distintas, em tempo e espaço, da inquietação do homem buscando satisfazer suas pulsões de sobrevivência e de transcendência é tão válida quanto o aprimoramento da técnica de um acupunturista ou do desenvolvimento de um software para aprendizado ou composição musical. P. 23.
Ø Vejo o conhecimento na espécie humana como a busca de satisfação das pulsões de sobrevivência associada com a busca de transcendência. Embora sobrevivência esteja presente em todas as espécies, trancend6encia é algo característico da nossa espécie. Não há indicações de outras espécies que tenham(p.23) um sentido de história e de futuro. Portanto, conhecimento considerado como esa associação é próprio da espécie humana. Naturalmente, isso implica uma dinâmica muito mais complexa, na qual intervém a vontade. Não há conhecimento estático, congelado. Conhecimento está em permanente transformação. P. 24.
Ø Os conhecimentos coletivos de uma sociedade incluem valores, explicações e modos de comportamento e são muitas vezes chamados as tradições, que orientam o comportamento dos indivíduos das gerações seguintes. Organizadas como História, as tradições orientam todo o comportamento de uma sociedade e de indivíduos. O homem é o resultado de sua história. P. 24..
Ø O que vem a ser o conhecimento disciplinar ou as disciplinas? São conjuntos de modos de explicar (saber), de manejar (fazer), de refletir, de prever comportamentos e fenômenos, e dos métodos e normas associados a esses modos. Os modos, os métodos e as normas são organizados segundo critérios próprios e específicos e constituem a epistemologia da disciplina. Cada disciplina, focalizada em certos tipos de comportamento e de fenômenos, tem sua história, que relata como o homem reagiu a certos comportamentos e fenômenos na sua busca de sobrevivência e transcendência. P. 25.
Ø Um modo de encarar a história da humanidade é analisar a evolução da relações fundamentais para a sobrevivência: indivíduo/natureza, indivíduo/outro(sociedade) e sociedade/natureza. Notam-se grandes distorções nessas relações, que têm como resultado o tratamento abusivo e destrutivo(p.27) dos recursos naturais, o divórcio mente e corpo, a tensão e a agressividade entre grupos sociais, a rivalidade entre nações, e inúmeras outras situações nas quais se recorre à violência para resolver conflitos.
Sem dúvida, enfocar o saber de forma compartimentalizada tem inúmeras vantagens. Possibilita a organização e o aprofundamento das diversas especialidades, graças à redução de redundâncias, ao aprimoramento da linguagem, à codificação das explicações. Assim tem sido no curso da história das idéias em todas as civilizações. Implicações e conseqüências aparentemente desnecessárias têm sido eliminadas. Mas, ao mesmo tempo, assistimos a uma crescente desatenção e a um crescente descaso com valores, irreflexão sobre conseqüências e implicações, e a geração de conflitos interiores, conflitos sociais, conflitos ambientais e conflitos armados. Isso abre espaço para a decadência do indivíduo, para o desamor entre indivíduos, para a depredação ambiental. A guerra encontra assim facilidade para se justificar.
Uma visão holística da história e do conhecimento é um passo para restabelecer a paz nas suas várias dimensões: paz interior, paz social, paz ambiental e paz militar. P. 28.
Ø A tarefa da ciência é descobrir as relações que existem no fluxo de percepções, sensações e emoções que constituem nossa experiência de vida. O panorama produzido pela visão, audição, gosto, odor, toque, e por sensações ainda menos ordenadas, é o único campo de ação. É dessa maneira que ci6encia é o pensar organizado da experiência. O aspecto mais óbvio deste campo de experiência é seu caráter desordenado. Alfred North Whitehead 1929.
Ø A transdisciplinaridade é um enfoque holístico, que procura elos entre peças que por séculos foram isoladas. Não se contenta com o aprofundamento do conhecimento das partes, mas com a mesma intensidade procura conhecer as ligações entre essas partes. E vai além, pois não reconhece maior ou menor essencialidade de qualquer das partes sobre o todo. P. 30.
Ø A transdisciplinaridade é, então, um enfoque holístico ao conhecimento que procura levar essas conseqüências e se apóia na recuperação das várias dimensões do ser humano para a compreensão do mundo na sua integralidade. P. 32.
Ø É oportuno falarmos de cultura. Há muitos escritos e teorias fortemente ideológicas sobre o que é cultura. Uso a conceituação de cultura já utilizada anteriormente, isto é, o conjunto de mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento compartilhados por indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço. P. 33.
Ø O conhecimento é um ser de poder, e então um ser de amor. O indivíduo tenta simplesmente poder, como Alexandre, ou simplesmente amor, como Cristo. Mas a humanidade sempre terá sua natureza dual, o velho Adão do poder, o novo Adão do amor. E deve haver um equilíbrio entre os dois. O homem vai atingir sua natureza elevada e suas maiores realizações quando ele tentar atingir um modo de viver equilibrado entre sua natureza de poder e sua natureza de amor, sem negar a qualquer delas. É um equilíbrio que nunca será atingido, salvo em momentos, mas toda flor somente floresce por um momento, então morre. Isto faz dela uma flor. D. H. Lawrence 1929. P. 37.
Ø ... O ciclo do conhecimento, isto é, sua geração, organização intelectual e social, e difusão, pode ser sintetizado no esquema: (p.37)
a realidade (entorno natural e cultural)
informa (estimula, impressiona)
indivíduos e povos
que em conseqüência geram conhecimento
para explicar, entender, conviver com a realidade,
e que é organizado intelectualmente,
comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente,
e que é então expropriado pela estrutura de poder,
institucionalizado como sistemas (normas, códigos),
e mediante esquemas de transmissão e de difusão,
é devolvido ao povo mediante filtros (sistemas)
para sua sobrevivência e servidão ao poder.
Ø O acúmulo de conhecimento (fazeres, saberes, o saber como fazer) mostra-se, ao longo de gerações, importante e útil para satisfazer as necessidades materiais e espirituais de uma sociedade. Num determinado período na história da sociedade esse conhecimento é expropriado e manipulado por uma comunidade associada ao grupo de detém o poder (sacerdotes, autoridades, acadêmicos), e, através de mecanismos institucionais impregnados de controle, de mistificação e de filtros, é devolvido ao povo, que em primeira instância é o responsável pela origem desse conhecimento. P. 38.
Ø O indivíduo tomo consciência do nascimento e da morte e projeta sua busca e sua ação n o anterior ao seu nascimento (passado), e no posterior à sua morte (futuro). E procura superar esses momentos criando religiões, artes e ci6encias. Naturalmente, isso cria intermediações e tem profundas implicações no ciclo indivíduo <-> outro (sociedade) <-> natureza (realidade) <-> indivíduo. P. 41.
Ø O contínuo da vida consiste, portanto, na dinâmica: ...realidade que informa o indivíduo que processa essas informações e executa ação que modifica a realidade que informa o indivíduo que... p. 41.
Ø Embora o contínuo da vida seja reconhecido no comportamento de toda as espécies animais, nas espécies homo há mecanismos mais sofisticados de captação de informações e de processamento dessas informações. Sua ação modifica a realidade por meio de mentefatos que são acumulados numa memória e recuperados na definição de estratégias de ação. Eles têm consci6encia das conseqüências de sua ação. P. 42.
Ø A integralidade do sobreviver e do transcender, que é essencial e específica da espéie homo sapiens, resulta do processamento (individual) de informações captadas (individualmente) da realidade, e se manisfesta como comportamentos identificados como próprios a uma cultura. As conseqüências desse comportamento, que é necessariamente artificial, pois é construído pelo indivíduo, incorporam-se a realidade e modificam-na, dando a ela, realidade, um caráter dinâmico, de contínua e permanente transformação. P. 43.
Ø Na espécie homo sapiens, as relações indivíduo/outro (sociedade/natureza são intermediadas por instrumentos, cultura e produção. Dessas intermediações resultam as técnicas, o comportamento emocional e o trabalho.
O conhecimento possibilita a normatização dessas intermediações e manifesta-se na busca de explicações, de entendimentos, de estilos e modos de fazer/saber que, obviamente, respondem à especificidade do entorno natural e cultural. P. 43.
Ø A realidade é constituída de fatos que antecedem o momento, que antecedem nossa própria existência, que antecedem a própria espécie. São fatos natuurais, tais como o céu e os astros, a terra, os rios e as montanhas, os animais e as plantas. Junto com esses estão os fatos que resultam da intervenção do homem, artefatos - concretos - e mentefatos - idéias, conceitos.
A realidade informa o indivíduo através dos sentidos. Claro, os sentidos são diferentemente desenvolvidos e aguçados de indivíduo para indivíduo. Cada indivíduo capta da realidade informações distintas e processa essas informações por um mecanismo até hoje não desvendado pelas ci6encias. Isso permite a cada(p. 45) indivíduo definir estratégias de ação. Essa ação necessariamente se dá na realidade, modificando-a. A realidade assim modificada informa o indivíduo no instante, e o mesmo ciclo se repete. Esse é o ciclo vital de cada indivíduo. P. 46.
Ø Esse é o grande momento da espécie humana, a descoberta do outro e a troca com o outro, através da comunicação, de informações e de estratégias de ação.
Assim surge cultura, que leva indivíduos a reconhecer alguns fatos em comum, e a definir estratégias para ação comum. Cultura se manifesta através da possibilidade de indivíduos terem reações e comportamentos parecidos, compartilharem codificações para comunicação (linguagem), símbolos e mitos, e conseqüentemente valores.
Cultura e suas manifestações dão origem a organizações grupais, tais como família, tribo e comunidades, que caracterizam uma sociedade. P. 46.
Ø A ética é o que regula o comportamento. Os novos fatos (cultura) passam a informar os indivíduos e são, normalmente, recebidos da mesma maneira pelos que compartilham a mesma cultura e também são, normalmente, processados da mesma maneira. Conseqüentemente, normalmente, tem-se como resultado a mesma ação. P. 49.
Ø Desde seu aparecimento no planeta, a espécie homo sapiens tem seu comportamento impulsionado por duas grandes forças: a sobrevivência, sua e de toda a espécie - e isso é característico de qualquer espécie viva -, e a transcendência - que não se nota em qualquer outra espécie. P. 49.
Ø Estima-se que a Terra tenha-se consolidado há cerca de 4,5 bilhões de anos e a vida unicelular tenha surgido há cerca de 3,2 bilhões de anos. Os(p.49) dinossauros apareceram há cerca de 200 milhões de anos e pouco depois surgiram os mamíferos. Há cerca de 65 milhões de anos os dinossauros foram extintos. Espécies semelhantes à nossa, os chamados homens pré-históricos ou hominídeos, são notadas há cerca de 5 milhões de anos na África. O australopitecus afarensis foi identificado na Tanzânia há cerca de 3,6 milhões de anos. O homo habilis e o homo erectus começaram a emigrar da Árica há cerca de 1,8 mihão de anos, espalhando-se por todo o planeta. O homo sapiens, anatomicamente muito semelhante à nossa espécie, pode ter surgido na própria África há cerca de 200 mil anos e igualmente emigrado, ou pode ter surgido em várias regiões do planeta, já ocupadas pelo homo erectus. Ps. 49/50.
Ø A transcendência manifesta-se no culto aos mortos e à fertilidade, nos rituais religiosos, nas artes e nos rituais de iniciação. A sobrevivência vai se impregnando de transcendência. O homem integral é o ser em busca da sobrevivência associada à transcendência. Dessa busca surgem as culinárias, as bebidas, o pastoreio e a agricultura, todos com óbvias conotações religiosas. A espécie adquire poder sobre a natureza e poder sobre o outro indivíduo. O poder surge no momento em que sobrevivência e transcendência se mesclam. P. 51.
Ø O conhecimento é algo gerado, organizado e difundido e é difícil negar que essas três fases de sua elaboração não podem ser estudadas separadamente. O conhecimento,, nessas três fases, mostra várias dimensões: sensorial, intuitiva, emocional, racional, que igualmente não podem ser separadas. Esse é o princípio holístico que orienta minhas reflexões sobre conhecimento. P. 56.
Ø A complexidade do problema do conhecimento deriva-se do fato de que é impossível separar as suas várias dimensões, assim como é impossível estudar fragmentadamente sua elaboração.
Embora tendo o indivíduo como ponto de partida, o conhecimento se organiza e toma corpo como um fato social, resultado de interação entre indivíduos. Depende fundamentalmente do encontro com o "outro".
A primeira experiência de encontro com o outro se dá no nascimento. A transição do espaço uterino, limitado, e da sobrevivência dependente, para um espaço amplo, mesclado com experiência temporais, deflagra o processo de aquisição de conhecimento: geração de conhecimento (criatividade) e aprendizado de conhecimento (através de comunicação). P. 56.
Ø A história da espécie humana é dominada pela evolução de sistemas de normas e códigos e instrumentos de correção e punição. Assim distinguimos em todas as sociedade uma classe de excluídos. E, conseqüentemente, uma classe de privilegiados.
Falo em privilegiados e excluídos com um sentido semelhante a pegadores e largadores, que Daniel Quinn utiliza em seu livro Ismael, que é uma belíssima fábula sobre a história da humanidade contada por um gorila. A essência da fábula de Daniel Quinn é a aceitação, pela grande maioria da humanidade, de que as coisas são como são porque assim deve ser. Essa aceitação da "normalidade" é o que Jean-Yves Leloup chama normose. Sem dúvida, ao dizer que "sob este governo perfeito não haverá boa ação sem (p.57) recompensa, nem má sem castigo. Tudo deve resultar para o bem dos bom, quer dizer, dos que estão satisfeitos neste grande Estado, confiantes na Providência depois do cumprimento do dever, amando e imitando, como é devido, o Autor de todo o bem, alegrando-se na reflexão de suas perfeições. Ps. 57/58.
Ø ao extrapolar a aceitação de as coisas serem como são porque assim deve ser, institui-se a normopatia e assim se construíram as justificativas para vários comportamentos sociais.
A grande energia da humanidade tem sido dirigida para se prevenir de um número pequeno de psicopatas, enquanto a grande maioria de normopatas está à solta, impedindo a entrada numa nova era. P. 58.
Ø ... O reconhecimento da incapacidade de conhecimento total leva o homem à humildade da busca. P. 59.
Ø Chamo ético o indivíduo que no seu comportamento incorpora o conhecimento de si próprio, de sua inserção na sociedade, de suas responsabilidades planetárias e de sua essencialidade cósmica. P. 59.
Ø (O orador) deve saber excitar propriamente as paixões e inspirar aquelas que são próprias para mover o homem. São paixões as que nos movem; e não coisa que não possa fazer um homem, se acaso se lhes excitou a paixão proporcionada. Nisto, pois, é que deve estudar o orador, inspirando aquelas que são necessárias para abraçar a verdade que propõe. Luís Antônio Verney, Verdadeiro método de estudar, 1746. P. 61.
Ø Numa entrevista recente, Lofti Zadeh, criador da lógica fuzzy, diz:
Nos tempos de Aristóteles, as pessoas procuravam ser tão precisas quanto possível. Essa é a tradição aristotélica, a tradição cartesiana. Olhar as coisas como sendo pretas ou brancas vem dessa tradição. Mas tome o exemplo de bom e mau. O que estamos começando a entender agora é que algumas vezes as coisas que percebemos como más efetivamente se tornam boas, ou talvez, não tão más quanto nós pensávamos originalmente. As coisas servem a um fim. As pessoas no tempo de Aristóteles e mesmo mais tarde acreditavam ganhar muito ao perceber coisas em preto e branco (em termos absolutos). E de fato ganhavam. Mas ao mesmo tempo perderam muito no processo. (...) A lógica clássica errou ao devotar tão pouca atenção ao raciocínio e focalizar em tão alto grau o raciocínio exato. P. 65.
Ø O grande passo na evolução comunicativa das espécies homo foi o desenvolvimento de uma linguagem gestual e oral interativa, acompanhada de processos de contagem e de comparação. A capacidade de cada indivíduo captar informações da realidade, de processá-las e de definir estratégias ampliar a captação de informações e o seu processamento e assim definir ações comuns, deflagrando o processo de formação de culturas. Surge assim a espécie homo sapiens sapiens, distinguida das demais espécies. P. 66.
Ø A causa dos maus resultados em provas e "provões" não está nas crianças e nos jovens que são inegavelmente curiosos sobre coisas novas, interessados em soicas interessantes, ansiosos por se preparar para o mundo moderno - nem nos professores - que são surpreendentemente dedicados. A causa está no conteúdo que se pretende transmitir e testar, que é obsoleto, desinteressante e inútil. Isso é particularmente óbvio na matemática escolar em todos os graus, 1o, 2o e 3o. uma forma de rejeição é sair da escola ou ir mal nas provas. Muitas vezes a criatividade do aluno manifesta-se nos seus erros e não nos acertos. P. 77.
Ø O primeiro passo é que o professor conheça a si próprio. Ninguém pode pretender influenciar outros sem o domínio de si próprio. O professor deve conhecer a sociedade em que atua e ter uma visão crítica dos seus problemas maiores, bem como de seu ambiente natural e cultural, e da sua inserção numa realidade cósmica. O professor deve estar livre de preconceitos e predileções. Só sendo livre poderá permitir que outros sejam livres. Em vez de fazer com que o aluno saiba o que ele sabe, deve criar situações para que o aluno queira saber a realidade que o cerca. E dar a ele liberdade de encontrar significação no seu ambiente. Esse é um direito da criança. E cabe ao professo levar a criança a usufruir esse direito. E assim abrir para a criança a possibilidade de ser criativa. Ps. 79/80.
Ø Esse plano é inspirado e repousa sobre a Declaração de Nova Delhi (16 de dezembro de 1993), da qual o Brasil é signatário, que é explícito ao reconhecer que:
a educação é o instrumento preeminente da promoção dos valores humanos universais, da qualidade dos recursos humanos e do respeito pela diversidade cultural (e que) os conteúdos e métodos de educação precisam ser desenvolvidos e das sociedades, proporcionando-lhes o poder de enfrentar seus problemas mais urgentes - combate à pobreza, aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção ao meio ambiente - e permitindo que assumam seu papel por direito na construção de sociedades democráticas e no enriquecimento de sua herança cultural. P. 82.
Ø aprendizagem é a aquisição de capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar, criticamente, situações novas. Não é o mero domínio de técnicas, habilidades e muito menos a memorização de algumas explicações e teorias. P. 89.
Ø A adoção de uma nova postura educacional, na verdade a busca de um novo paradigma de educação, deve substituir o já desgastado ensino-aprendizagem, baseado numa relação obsoleta de causa-efeito. Um novo paradigma se faz necesssário para o desenvolvimento de criatividade desinibida e que conduz a novas formas de relações interculturais que devem proporcionar o espaço adequado para a eqüidade social e cultural.
Um dos maiores entraves da educação são o alto índice de reprovação e a enorme evasão. Ambos estão relacionados. Medidas dirigidas ao professor, tais como fornecer-lhe novas metodologias e melhorar, qualitativa e quantitativamente, seu domínio de conteúdo específico, são sem dúvida importantes, mas têm praticamente nenhum resultado apreciável. Igualmente, focalizar esses esforços no aluno através de uma maior freqüência a aulas e exames ou criando novos testes e mecanismos de avaliação tampouco tem dado resultados. P. 90.
Ø Claramente, as avaliações com vêm sendo conduzidas, utilizando exames e testes, tanto de indivíduos como de sistemas, pouca resposta têm dado à deplorável situação dos nossos sistemas escolares. Além disso, têm aberto espaço para deformações às vezes irrecuperáveis, tanto em nível de alunos e professores, individualmente, quanto de escolas e do próprio sistema. A situação, se medida por resultados de exames, revela um crescente índice de reprovação, de repetência e de evasão. E as propostas sempre vão na direção de reforçar os mecanismos de avaliação existentes. Esse é o panorama internacional. P. 92.
Ø A educação tradicional pretende cuidar prioritariamente do intelecto, como nada tendo a ver com as funções vitais. E, graças a isso, que se firmou na filosofia ocidental desde Descartes, dicotomiza-se o comportamento do ser humano entre corpo e mente, entre matéria e espírito, entre saber e fazer, entre trabalho intelectual e manual. Desenvolve-se a partir de então, teorias de aprendizagem que distinguem um saber/fazer repetitivo do saber/fazer dinâmico, privilegiando o repetitivo. Há expectativas de resultados que respondem ao padrão e que vêm priivilegiar o saber como conhecimento e o fazer como produção. Ora, a produção é confrontada com o padrão por controle de qualidade e o conhecimento por avaliação. Na verdade, ambos estão na mesma categoria de confronto com um padrão e são estáticos e inibidores. P. 95.
Ø A avaliação deve ser uma orientação para o professor na condução de sua prática docente e jamais um instrumento para reprovar ou reter alunos na construção de seus esquemas de conhecimento teórico e prático. Reprovar, selecionar, classificar, filtrar indivíduos não é missão do educador. Outros setores da sociedade devem se encarregar dessa missão..
Mas, como toda ação, o currículo deve ser acompanhado de elementos para sua avaliação, entendida como uma prática que permite orientar o professor na condução do processo, e efetuar ajustes permanentes dos objetivos, dos conteúdos e dos métodos. Mas, jamais a avaliação deve ser pensada como um instrumento para promover ou reprovar alunos. P. 98.
Ø Não há testes que respondam "ao que o aluno deve saber nessa idade ou nessa etapa de escolaridade". Cada aluno é um indivíduo com estilos próprios de aprendizagem. Classificar alunos por faixa etária, por horas de aulas e por resultados de exames é insustentável, como nos mostram as modernas teorias de cognição. Igualmente é impossível predizer o que motiva alunos no momento em que se aplica um teste ou prova.
Quando se afirma que pela avaliação se verifica continuamente o progresso da aprendizagem reconhece-se que este se manifesta na capacidade que o aluno tem de, quando quer ou necessite, enfrentar uma situação nova. não no que o aluno é capaz de repetir, através de memorização ou de uma verdadeira "musculação" cerebral.
O essencial está na motivação para executar uma tarefa e ela está ligada a categorias emocionais e culturais.
Como criar essa motivação?
É importante que o professor tenha possibilidade - e capacidade - de decidir o que é mais adequado fazer se a classe não estiver progredindo adequadamente. P. 99.
Ø Para satisfazer as necessidades básicas de aprendizado de todos é necessário mais que uma reafirmação do compromisso com a educação básica como já existe. O que se necessita é que, além de realizar o melhor nas práticas atuais, ofereça uma "visão ampliada" dos recursos atuais, das estruturas institucionais, dos currículos, e dos sistemas de difundir informação. P. 105.
Ø Gosto de parafrasear Sir John Eccles quando diz que o ser humano cobre todo o contínuo da existência humana, do zigoto unicelular à vida fetal e ao bebê autônomo, quando ele toma consciência de si próprio. E na tomada de consciência de outros - mãe, pai, amigos, estranhos - ele se torna uma pessoa humana e inicia a construção de seu sistema de valores.
Reconhece-se assim a importância do individual e do social em complementaridade, levando ao desenvolvimento da consciência individual e coletiva. Ancorado em ética, isso leva à cidadania. P. 106.
Ø Ética não se ensina: sugere-se através do discurso e mostra-se através do comportamento. Mas entre o discurso e o comportamento, é essencial que haja coerência.
A coerência entre o discurso e o comportamento é o que chamamos autenticidade. Ninguém pode se dizer educador ser autêntico. O que caracteriza um mestre é a sua autenticidade. P. 106.
Ø Na proposta ética se revela o rumo que um indivíduo pretende dar à sua vida e o que se espera de uma sociedade. Na ética se revelam os sonhos dos indivíduos e da sociedade... baseio minha proposta numa ética que repousa sobre respeito, solidariedade e cooperação.
Acredito ser a problemática da paz o centro de nossas reflexões sobre o futuro. Mas violações da paz não se resumem em confrontos militares, que são as guerras. Na verdade, a paz é um conceito multidimensional. Nosso objetivo é atingir um estado de paz total, sem o que o futuro da humanidade está comprometido.
Por paz total entendemos a paz nas suas várias dimensões:
. paz interior: estar em paz consigo mesmo;
. paz social: estar em paz com os outros;
. paz ambiental: estar em paz com as demais espécies e com a natureza em geral;
. paz militar: a ausência de confronto armado. P. 111.
Ø A proposta é a ética da diversidade:
respeito pelo outro com todas as suas diferenças;
solidariedade com o outro na satisfação das necessidade de sobrevivência e transcendência;
cooperação com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum.p. 111.
Ø Intimamente relacionada a ética está a questão ambiental. Lamentavelmente, no processo de globalização que se intensificou no período das grandes navegações e conseqüente conquista e colonização, impôs-se um modelo urbano que pouco respeitou as condições ambientais. P. 115.
Ø Amor é um tema sobre o qual poderíamos fazer reflexões indindáveis. Mas poderíamos dizer, não para terminar mas para dar continuidade à nossa reflexão, que a educação para o amor significa preservar a "infância" no homem, isto é, sua necessidade interior de crescer incessantemente. Shakti Datta, The place of love in education, 1960. P. 119
Ø Acredito ser a espiritualidade um dos pontos críticos dos sistemas educacionais. Fortes interesses levaram a nova LDB - Lei No. 9.475 de 22/07/1997, que dá nova redação ao Art. 33 da Lei no. 9.394 de 20/12/1996 - a incluir Ensino Religioso. Lamentavelmente, não aparece como espiritualidade e pode levar a interpretações equivocadas.
O tema é muito complexo. Nas escolas confessionais espera-se um programa de estudos de religião compatiível com a fé a que a escola adere. O problema maior está nas escolas públicas. Mas, em todas as escolas e em todas as formas de educação, o ensino religioso deveria ser focalizado na espiritualidade, num sentido amplo, e ter como meta a paz, na sua pluridimensionalidade: paz interior, paz social, paz ambiental e, conseqüentemente, paz militar. P. 119.
Ø Conhecimento é o conjunto de meios para sobrevivência e transcendência gerados por indivíduos, coletivizados e acumulados no curso da história. P. 124.
Ø É curiosa a descrição que o arquiteto romano Marcus Vitruvius Polio fez, no século I a.C., da origem da conversação:
Os homens de antigamente eram nascidos como bestas selvagens, nas florestas, cavernas, e grotas, e viviam selvagemente. Com o passar do tempo, as árvores densas em um certo lugar, arrancadas por tempestades e ventos, e esfregando seus galhos um contra o outro, pegaram fogo, e assim os habitantes do lugar fugiram, aterrorizados pelas chamas furiosas. Depois que elas acalmaram eles se aproximaram, e observando que se sentiam muito confortáveis estando frente ao fogo, acrescentaram a ele galhos e, assim avivado, ele atraiu outras pessoas para seu redor, mostrando quanto conforto elas poderiam obter dele, nesse encontro dos homens, num tempo em que os sons emitidos eram puramente individuais, dos hábitos diários eles se fixaram em palavras articuladas à medida que elas iam chegando; então, indicando por nome as coisas de uso comum, o resultado foi que deste modo puramente aleatório eles começaram a falar, e assim se originou a conversação de um com o outro. Portanto, foi a descoberta do fogo que originalmente deu origem ao encontro dos homens, às assembléias deliberativas, e ao relacionamento social. p. 126.
Ø ... Embora haja concordância que a linguagem tenha tido um papel fundamental no desenvolvimento das capacidade cognitivas do homem, o silêncio tem-se revelado uma importante estratégia na elaboração do conhecimento. Particularmente, o silêncio em companhia de outros. P. 127.
Ø Platão transmitia suas idéias num local onde teria sido sepultado o herói mitológico Academo. Etimologicamente, seu nome vem de héka (=longe, distante) e dêmos (=povo). Academo é "o que age independentemente". E daí o nome academia.
As academais, características da cultura grega, floresceram no Império romano. Mas, com a cristinização do Império Romano, no século IV, esse ambiente privilegiado pouco contribuía para a construção de uma filosofia cristã, que foi o grande problema enfrentado pela Igreja no seu início. A expansão do cristianismo, sobretudo nas civilizações pagãs do norte da Europa, fazia-se sem maiores problemas. Mas a conquista da intelectualidade mediterrânea era um grande obstáculo para a expansão do cristianismo. As academias ofereciam um pensamento contrário à doutrina cristã que se esboçava. Foi necessário criar um outro espaço onde a intelectualidade pudesse avançar nas suas reflexões. Esse espaço foram os mosteiros.
Etimologicamente, a palavra mosteiro é derivada do grego e seu significado é viver só, isolado. O objetivo dos mosteiros era a construção da doutrina cristã e a sua fundamentação filosófica. O conhecimento era construído com essa finalidade. P. 127.
Ø Com esse espírito foi criada, tardiamente, a universidade brasileira, a partir da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935). Na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal, em 1935, Anísio Teixeira, nomeado o primeiro reitor da nova universidade, dizia sobre a função das universidades:
A função da universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que universidades.
Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não o morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressista.
Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente.
O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração: o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem.
A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação...
Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer monótono de sua rotina; a vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber, e toda a nossa sede de melhorar, é a universidade. P. 133.
Ø Parafraseando V.V. Raman, do Rochester Institute Of Tecnology, pode-se afirmar que as metas para o novo século devem ser a identificação do que é comum na busca de verdade e sabedoria entre todas as culturas e civilizações do planeta, aprendendo um do outro a corrigir os equívocos, a resistir à tentação de considerar as percepções das nossas tradições como sendo, de algum modo, superiores a outras, a reconhecer que nossas tradições como sendo,, de algum modo, superiores a outras, a reconhecer que nossos ancentrais erraram gravemente em muitas decisões e ações, e a buscar em comum soluções para muitos problemas que a humanidade enfrenta(p.137) num espírito de harmonia e dedicação. Essa é, em outras palavras, a ética maior que tenho proposto:
. respeito pelo outro com todas as diferenças;
. solidariedade com o outro na satisfação de sua busca de sobrevivência e de transcendência;
. cooperação com o outro na preservação do bem e do patrimônio comuns. P. 137/138.
Ø A universidade não será transformada por alguma mudança de legislação. Tentará resistir às mudanças e preservar seu estilo e seu lugar privilegiado na sociedade. Mas aquelas que forem incapazes de entrar no futuro - que é, como todo futuro, desconhecido - serão colhidas pelo processo de exclusão. Ao mesmo tempo em que as universidades vão encontrando dificuldades na sua operação cotifdiana, vê-se um florescimento das chamadas universidades alternativas.
A própria universidade convencional deve buscar novos caminhos. A proposta de Michael S.Gazzaniga, do Center for Cognitive Neuroscience, do Dartmouth College, em New Hampshire, é radical. Abandonar a organização departamental e reestruturar a universidade de acordo com interesses dos seus pesquisadores, em torno de laboratórios e núcleos temáticos. Isso permitirá o surgimento de novas áreas interdisciplinares, um primeiro passo em direção à transdisciplinaridade.
Ø Não há dúvida de que a expectativa de uma profissão está presente em todos os indivíduos que procuram uma escola. Num estudo preparado para um simpósio sobre "Educação para a cidadania no século XXI", um grupo de especialistas alerta para esse fato: "Os estudantes esperam que sua educação tenha alguma influência na sua habilidade de conseguir bons empregos bem como na satisfação de sua curiosidade intelectual. Porém, a força de trabalho no século XXI, deverá ser preparada diferentemente da força de trabalho do século XX. P. 143.
Ø Reduzir a importância da escola à preparação dos indivíduos para se integrarem no sistema de produção é de um primarismo inadmissível. Seria necessário reconhecer que a escola tem tido como objetivo maior moldar futuros consumidores de uma produção irresponsável e interesseira. P. 148.
Ø Eliminar arrogância, inveja, prepotência e adotar respeito, solidariedade, cooperação é a idéia de base na busca de uma nova espiritualidade, ancorada num sistema de conhecimento transdisciplinar. Busca-se um pacto moral entre todos os homens definitivamente interessados numa nova perspectiva de futuro para a humanidade, através de uma ética total. P. 152.
Ø Qualquer discurso sobre educação se esvazia se não focalizar a questão maior da existência humana. Vou resumir os pontos exxenciais da minha visão de homem, que foram abordados até aqui. As categorias de análise que tenho usado são: > Cosmos, > Planeta, > A vida, com a resolução das relações entre: Indivíduo, natureza e outro(s)/sociedade,(p153) > Sobrevivência do indivíduo e da espécie, > Homem, como uma espécie diferenciada, > Intermediações entre indivíduos, outro e natureza, criada pelo homem, > Comportamento, > Conhecimento, > Consciência, > Transcendência, > Comunicação, > Valores, > Ética.
O problema fundamental é entender a relação entre o indivíduo e o seu comportamento, isto é, entre o ser (substantivo) e o ser (verbo). P. 153/154.
Ø Na busca de sobrevivência, o indivíduo se sujeita a comportamentos básicos:
. reconhece o outro,
. aprende,
. é ensinado,
. adapta-se
. e cruza,
com objetivo de sobreviver e dar continuidade à espécie. P. 156.
Ø No encontro com o outro, que também está em busca de sobrevivência e de transcendência, desenvolve-se a comunicação.
Na resposta à pulsão de sobrevivência, o, homem define suas relações com a natureza e com o outro e desenvolve as intermediações já mencionadas anteriormente.
Na resposta à pulsão de transcendências guardam uma relação simbiótica e distinguem o ser humano das demais espécies. Dão origem a conhecimento e definem o comportamento. P. 157.
Ø O conhecimento disciplinar tem priorizado a defesa de saberes concluídos, inibindo a criação de novos saberes e determinando um comportamento social a eles subordinado.
A transdisciplinaridade rejeita a arrogância do saber concluído e das certezas convencionadas e propõe a humildade da busca permanente. P. 158.
Ø O maior equívoco da filosofia ocidental tem sido considerar o homem como um corpo mais uma mente, e separar o que sentimos do que somos. O conhecimento tem focalizado corpo e mente, muitas vezes privilegiando um sobre o outro.
Ø Mariotti sintetiza, em duas frases, o que podemos fazer e qual a nossa meta:
A mão estendida é o início do abraço, isto é, o ponto de partida para o pensamento complexo, o marco inaugural do longo processo de busca da espiritualidade. (...) Estou falando algo que possa livrar-nos de um padrão de vida segundo o qual em muitos casos a palavra é separada do real, a justiça se preocupa menos com o sofrimento dos homen do que com a letra da lei, e esta, em muitos casos, busca verdades que pouco ou nada têm a ver com o cotidiano das pessoas. P. 160.
É importante lembrar a ação do professor e dos sistemas educacionais em geral mostrará seus efeitos somente no futuro. Um futuro que ninguém conhece. Um futuro no qual estarão agindo as crianças que hoje confia a nós, os educadores. 14
Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comuns, e compartilhando mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento – o que entendemos por cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada elemento da sociedade. Ao mesmo tempo, para se ter uma sociedade é necessário que os indivíduos adiram a comportamentos e compartilhem conhecimentos. 14
O exercício de direitos e deveres acordados pela sociedade é o que se denomina cidadania. 15
Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedade e exercer cidadania. 15
... o professor deve subordinar sua disciplina, em particular os conteúdos, aos objetivos da educação e não subordinar a educação aos objetivos, à transmissão e aos avanços de sua disciplina. O aprendiz deve ser, como indivíduo, o determinante do conhecimento que lhe é transmitido. 15
Currículo é o conjunto de estratégias para se atingir as metas maiores da educação. 16
O impulso de sobrevivência, essencial no fenômeno vida em geral, provoca curiosidade sobre seu relacionamento com a natureza em sua totalidade, e o homem reconhece sua influência sobre o ambiente próximo. 22
Conhecimento resulta da ligação de explicações e de práticas as mais diversas, motivadas por situações aparentemente sem qualquer relação. 23
Muito da prática educativa tem focalizado o treinamento. Um exemplo disso é o condicionamento militar e o profissional. No sistema escolar, vê-se isso na pedagogia dominante nos cursinhos. 23
O fato inegável é que o conhecimento aparece, cognitiva e historicamente, como um todo. Mas não é apresentado assim. 26
Admitindo que a fonte primeira de conhecimento é a realidade na qual estamos imersos, o conhecimento é gerado holisticamente, de maneira total, e não seguindo qualquer esquema e estruturação disciplinar. 29
O enfoque holístico à história do conhecimento consiste essencialmente de uma análise crítica da geração e produção de conhecimento, de sua organização intelectual e social e de sua difusão. No enfoque disciplinar, essas análises se fazem desvinculadas, subordinadas a áreas de conhecimento muitas vezes estanques: ciência da cognição, epistemologia, ciências e arte, história, política, educação, comunicações. 31
A transdisciplinaridade é, então, um enfoque holístico ao conhecimento que procura levar a essa consequências e se apóia na recuperação de várias dimensões do ser humano par a compreensão do mundo na usa integralidade. 32
A multidciplinaridade procura reunir resultados obtidos mediante o enfoque disciplinar. Como se pratica nos programas de um curso escolar. 32
A interdisciplinaridade, muito procurada a praticada hoje em dia, sobretudo nas escolas, transfere métodos de algumas disciplinas para outras , identificando assim novos objetos de estudo. 32
A transdisciplinaridade vai além das limitações impostas pelos métodos e objetos de estudo das disciplinas e das interdisciplinas. 32
O ciclo do conhecimento pode ser sintetizado no esquema: a realidade (entorno natural e cultural) informa (estimula, impressiona) indivíduos e povos que em conseqüência geram conhecimento para explicar, entender, conviver com a realidade, e que é organizado intelectualmente, comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente, o que é então expropriado pela estrutura de poder, institucionalizado como sistemas (normas, códigos), e mediante esquemas de transmissão e de difusão, é devolvido ao povo mediante filtros (sistemas) para sua sobrevivência e servidão ao poder. 38
É inegável o fato de que o povo gera conhecimento. Esse mesmo conhecimento passa , após ter sido expropriado pelos grupos de poder, por um processo de estruturação e codificação. Assim, esse mesmo conhecimento, que foi originado do povo, torna-se inacessível a ele, povo. 38
Os executores da devolução ao povo dos diversos corpos de conhecimento, isto é, os professores, os advogados, os economistas, os médicos, etc. devem ser credenciados pela própria estrutura de poder, de maneira a assegurar se compromisso ideológico. Esse credenciamento se dá através de um sistema de “filtros”, tais como diplomas, exames, habilitações profissionais, títulos acadêmicos, certificados e outros semelhantes, destinados a identificar aqueles confiáveis para dar continuidade ao sistema. 39
O trabalho do educador não é servir a esse sistema de filtros, mas sim estimular cada indivíduo a atingir sua potencialidade criativa e também estimular e facilitar a ação comum. 39
Com as espécies homo surge um impulso de transcender essas limitações de espaço e tempo. Essas espécies desenvolveram habilidades, capacidade de fazer coisas, capacidade gerar idéias e pensamentos e de se comunicar. 41
O comportamento de um indivíduo é o resultado de sua capacidade de captar informações da realidade e processar essas informações para assim executar uma ação. 41
(As espécies homo) Eles têm consciência das consequências de sua ação. 42
Conseqüentemente essas espécies desenvolvem outras capacidades de exercer ação: aprendem. Poderíamos dizer que o contínuo da vida se assemelha a uma aspiral. 42
A relação de artefatos e mentefatos é o que se costuma chamar símbolo. 47
A ética é o que regula o comportamento. 49
A visão holística procura entender o homem na sua integralidade como um fato (indivíduo e espécie) que, ao longo da sua história de vida e da história de vida e da história de toda espécie, tem procurado adquirir conhecimento para sobreviver e transcender, como indivíduo e como espécie, em distintos ambientes naturais e culturais. 49
O conhecimento resulta da busca de sobrevivência e de transcendência. 51
O conhecimento é algo gerado, organizado e difundido e é difícil negar que essas três fases de sua elaboração não podem ser estudadas separadamente. O conhecimento, nessas três fases, mostra várias dimensões: sensorial, intuitiva, emocional, racional, que igualmente não podem ser separadas. Esse é o princípio holístico que orienta minhas reflexões sobre conhecimento. 56
Ao extrapolar a aceitação de as coisas serem como são porque assim deve ser, instituiu-se a normopatia e assim se construíram as justificativas para vários comportamentos sociais. 58
A crença na regularidade dos fenômenos e do comportamento conduziu à Ciência Moderna, entendida como o corpus de conhecimentos, explicações e práticas que se desenvolvem a partir do século XVI nos países europeus. E conduziu, em conseqüência à arrogância da certeza. 59
O reconhecimento da incapacidade de conhecimento total leva o homem à humildade da busca. 59
Literacia é a capacidade de processar informação escrita, o que inclui escrita, leitura e cálculo, na vida cotidiana. 63
Materacia é a capacidade de interpretar e manejar sinais e códigos e de propor e utilizar modelos na vida cotidiana. 63
Tecnoracia é a capacidade de usar e combinar instrumentos, simples ou complexos, avaliando suas possibilidades, limitações e adequações a necessidades e situações. 63
... o homem é afetado, desde seu nascimento, por duas doenças congênitas e incuráveis: vida e esperança de que a morte não seja o fim. 64
A causa dos maus resultados em provas e “provões” não está nas crianças e nos jovens que são inegavelmente curiosos sobre coisas novas, interessados em coisas interessantes, ansiosos por se preparar para o mundo moderno – nem nos professores - que são surpreendentemente dedicados. A causa está no conteúdo que se pretende transmitir e testar, que é obsoleto, desinteressante e inútil. 77
Efetivamente, o mau uso da tecnologia domina a atenção da sociedade. Os grandes benefícios que resultam do uso adequado da tecnologia são muitas vezes absorvidos pela população como tendo um caráter de normalidade, ficando assim as críticas para o que não andou bem. 78
Aprendizagem é a aquisição de capacidade de explicar, de aprender e compreender, de enfrentar, criticamente, situações novas. Não é o mero domínio de técnicas, habilidades e muito menos a memorização de algumas explicações e teorias. 89
Um dos maiores entraves a uma melhoria da educação são o alto índice de reprovação e a enorme evasão. Ambos estão relacionados. Medidas dirigidas ao professor, tais como fornecer-lhe novas metodologias e melhorar, qualitativa e quantitativamente, seu domínio de conteúdo específico, são sem dúvida importantes, mas tem praticamente nenhum resultado apreciável. 90
É uma visão napoleônica achar que um currículo obrigatório, que atenda a todo o país, tenha qualquer efeito no melhoramento da educação. O que há de mais moderno em educação trata o currículo como definido a partir da classe, isto é combinado, entre alunos mais os professores e mais a comunidade. 92
A avaliação deve ser uma orientação para o professor na condução de sua prática docente e jamais um instrumento para reprovar ou reter alunos na construção de seus esquemas de conhecimento teórico e prático. Reprovar, selecionar, classificar, filtrar indivíduos não é missão do educador. Outros setores da sociedade devem se encarregar dessa missão. 98
No mesmo ambiente e saúde, bem como empregabilidade e violência, são temas que escapam disciplinar, multidisciplinar e mesmo interdisciplinar. São temas transversais, que só podem ser abordados segundo uma visão holística e num enfoquem transdisciplinar. 104
As próprias ciências – no conceito disciplinar que predomina na educação, isto é, matemática, física, química, etc. – devem ser contempladas em relacionamento íntimo, numa verdadeira simbiose, na prática educativa e também na pesquisa. 104
Ética não se ensina: sugere-se através do discurso e mostra-se através do comportamento. Mas entre o discurso e o comportamento, é essencial que haja coerência. 106
A coerência entre o discurso e comportamento é o que chamamos autenticidade. Ninguém pode se dizer educador sem ser autêntico. O que caracteriza um mestre é a sua autenticidade. 106
A educação plena concilia esses dois aspectos, o individual – que leva a atingir a plenitude de sua criatividade – e o social – que leva a integrar-se na humanidade como um todo. Essa integração na humanidade é o que entendo por cidadania planetária. 108
Acredito ser a problemática da paz o centro de nossas reflexões sobre o futuro. 111
A proposta é a ética da diversidade:
1. respeito pelo outro com todas as suas diferenças;
2. solidariedade com o outro na satisfação das necessidades de sobrevivência e transcendência;
3. cooperação com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum. 111
Procuramos uma ética que conduz à paz interior, à paz social e à paz ambiental, e, conseqüentemente, à paz militar. Atingir essa paz total é o objetivo maior da educação. 112
O ponto crítico é a passagem de um modelo de currículo cartesiano, estruturado previamente à prática educativa, a um currículo dinâmico, que reflete o momento sócio-cultural e a prática educativa nele inserida.112
Sintetizando, o currículo dinâmico é uma estratégia de ação comum e repousa sobre três etapas que se desenvolvem simultaneamente:
· motivação, resultado de condições emocionais e da interfase passado/futuro;
· elaboração de novo conhecimento mediante troca/construção/reconstrução de conhecimentos;
· socialização mediante a realização de tarefas comuns. 113
D'AMBROSIO Ubiratan. Educação para uma sociedade em transição. Campinas, SP: Papirus, 1999.
Ø Não é óbvio que os cursos de instrução nas nossas instituições superiores de aprendizagem serão tão estranhos e inúteis aos nossos descendentes no século 21 quanto são as escolas medievais para nós agora? Tolstói 1862. P. 7.
Ø Todos nós somos resultado de nossas próprias histórias, minha formação, como a de toda a minha geração e mesmo a da geração seguinte, é disciplinas. Carregamos nosso passado, para bem ou para mal. Mas a autocrítica permanente permite evitar a satisfação ilusória de se crer que é possível ter as soluções para situações novas naquilo que já se sabe, no que já se sabe, no que já se fez, no que já se aprendeu, e que serviu para situações velhas. Claro que quanto maior nossa experiência, mais elementos temos para enveredar pelo novo. Mas a mesmice dificilmente nos leva ao novo. Isso é fundamental na educação. P. 9.
Ø ... A linguagem é um elemento fundamental na evolução da espécie e da aprendizagem, que não é resultado de um processo apenas, mas de muitos.
O problema da comunicação e das transformações sociais é central. Novas formas de conhecer, novos modelos de ciência, novas relações conhecimento-professor-aluno exigem um novo paradigma para a educação. P. 9.
Ø Vivemos ainda com a estrutura institucional desenvolvida pelos romanos. As instituições políticas e sociais, o sistema jurídico e as prioridades econômicas são essencialmente romanas. Basta uma leitura de Vitruvius, que se refere principalmente à organização urbana, para se reconhecer que, mesmo no cotidiano, seguimos o modelo romano.
É natural buscar no principal filósofo do mundo romano, Marcus Tullius Cícero(106-43 a.C.), as conceituações b'sicas do sistema educacional.
Cécero conceitua educatio como a criação dos filhos, a instrução e a doutrina. Isso é, fundamentalmente, a continuidade do modelo social e comunitário. Nada estranho que esses objetivos ainda prevaleçam. Naturalmente, esse objetivo é - dever ser! - desempenhado pelo ambiente familiar ou pré-escolar.
Mas Cícero fala também em educere como fazer sair, tirar para fora. Perguntamos: o quê? Naturalmente, o novo. De fato educere ou ex-ducere foi usado no sentido de dar à luz no parto. É uma vida nova que resulta desse ato. P.14.
Ø Lamentavelmente, o mais comum nos sistemas escolares é a prática de uma "ducação" no sentido que lhe dá Cícero, que é nada mais que uma reprodução do velho. P. 14.
Ø Mas o que vem a ser sociedade? Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos (todos diferentes) vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comunus, e compartilhando mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento - o que entendemos por cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada elemento da sociedade. Ao mesmo tempo, para se ter uma sociedade é necessário que os indivíduos adiram a comportamentos e compartilhem conhecimentos. P. 14.
Ø O exercício de direitos e deveres acordados pela sociedade é o que se denomina cidadania.
Resumo isso na definição: Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedae e exercer cidadania. P. 15.
Ø A missão do professor não é usar sua condição de profesor ou ensinar uma disciplina para fazer proselitismo, isto é, converter o aprendiz à sua doutrina, idéia ou disciplina, mas sim usar a sua disciplina para cumprir os objetivos maiores da educação.
Em outros termos, o profesor deve subordinar sua disciplina, em particular os conteúdos, aos objetivos da educação e não subordinar a educação aos objetivos, à transmissão e aos avanços da sua disciplina. O aprendiz deve ser, como indivíduo, o determinante do conhecimento que lhe é transmitido. P. 15.
Ø A história da educação nos mostra que os romanos organizavam os conteúdos do seu currículo em três componentes, a gramática, a retórica e a dialética, nos quais consistia o trivium. Essas disciplinas tinham como objetivos ler e escrever com correção, discursar com clareza e argumentar sobre os temas diversos. Isso respondia às necessidades do exercício de cidadania numa sociedade estruturada segundo leis e códigos. P. 16.
Ø Comenius dizia que tudo pode ser ensinado a todos. E que os ensinamentos tinham um caráter de universalidade. As técnicas para se lograr essa educação universal estão, até hoje, presentes na prática educacional. P. 17.
Ø Sagrado princípio de unidade entre os deuses, eu apelo a você; diz-se que você agracia casamentos com sua canção; diz-se que uma Musa era sua mãe. Você ata as facções conflitantes do mundo com vínculos secretos e encoraja a união de opostos pelo seu abraço sagrado. Você causa os elementos a interagirem reciprocamente, você faz o mundo fértil; através de você, a Mente é insuflada nos corpos por uma união de concórdia que comanda a Natureza, enquanto você traz harmonia entre sexos e promove lealdade pelo amor. Martianus Capella, o casamento de Filogia e Mercurio, séc. V. P. 21.
Ø Solidariamente com o sobreviver, o homem busca transcender o período de sua vida através de explicações sobre o que foi e o que se deu e de predições sobre o que será e o que se dará. Na satisfação não dissociada dessas duas pulsões, sobreviv6encia e transcend6encia, a espécie desenvolveu o que talvez seja sua característica mais distinta, que é o sentido de tempo, de passado e de futuro, aparentemente inexistente nas demais espécies animais.
O ser humano procura se entender não só com uma realidade em si, como um indivíduo, mas igualmente no seu relacionamento com outros, como uma realidade social. No homo sapiens sapiens, a continuidade da espécie, que é o principal gerador de poder em todas as espécies animais, é associada a prazer e a emoç'~oes. O indivíduo amplia o reconhecimento da essencialidade do outro.
O impulso de sobrevivência, essencial no fenômeno vida em geral, provoca curiosidade sobre seu relacionamento com a natureza em sua totalidade, e o homem reconhece sua influência sobre o ambiente próximo. A regularidade de fenômenos leva o homem a percrustar o distante, em espaço e tempo, e a agir sobre ele.
Ao reconhecer o espaço e o tempo, o homem se pergunda como é, o que é, o que será, e procura explicações nas tradições e na história. Ele quer respostas e pretende influir no que será, adivinhando e fazendo, e assim desenvolve fazeres e saberes, organizados como técnicas, religiões e ciências. O acúmulo de experiências e práticas e das reflexões sobre elas, e explicações e teorizações, é o conhecimento de um indivíduo, de uma comunidade, de uma cultura, das civilizações e da humanidade. P. 22.
Ø Conhecimento resulta da ligação de explicações e de práticas as mais diversas, motivadas por situações aparentemente sem qualquer relação, por exemplo, que relação haveria entre a cultur tradicional chinesa, particularmente a acupuntura e o do-in, e a informática educativa e musical? A procura de relações entre manisfestações tão distintas, em tempo e espaço, da inquietação do homem buscando satisfazer suas pulsões de sobrevivência e de transcendência é tão válida quanto o aprimoramento da técnica de um acupunturista ou do desenvolvimento de um software para aprendizado ou composição musical. P. 23.
Ø Vejo o conhecimento na espécie humana como a busca de satisfação das pulsões de sobrevivência associada com a busca de transcendência. Embora sobrevivência esteja presente em todas as espécies, trancend6encia é algo característico da nossa espécie. Não há indicações de outras espécies que tenham(p.23) um sentido de história e de futuro. Portanto, conhecimento considerado como esa associação é próprio da espécie humana. Naturalmente, isso implica uma dinâmica muito mais complexa, na qual intervém a vontade. Não há conhecimento estático, congelado. Conhecimento está em permanente transformação. P. 24.
Ø Os conhecimentos coletivos de uma sociedade incluem valores, explicações e modos de comportamento e são muitas vezes chamados as tradições, que orientam o comportamento dos indivíduos das gerações seguintes. Organizadas como História, as tradições orientam todo o comportamento de uma sociedade e de indivíduos. O homem é o resultado de sua história. P. 24..
Ø O que vem a ser o conhecimento disciplinar ou as disciplinas? São conjuntos de modos de explicar (saber), de manejar (fazer), de refletir, de prever comportamentos e fenômenos, e dos métodos e normas associados a esses modos. Os modos, os métodos e as normas são organizados segundo critérios próprios e específicos e constituem a epistemologia da disciplina. Cada disciplina, focalizada em certos tipos de comportamento e de fenômenos, tem sua história, que relata como o homem reagiu a certos comportamentos e fenômenos na sua busca de sobrevivência e transcendência. P. 25.
Ø Um modo de encarar a história da humanidade é analisar a evolução da relações fundamentais para a sobrevivência: indivíduo/natureza, indivíduo/outro(sociedade) e sociedade/natureza. Notam-se grandes distorções nessas relações, que têm como resultado o tratamento abusivo e destrutivo(p.27) dos recursos naturais, o divórcio mente e corpo, a tensão e a agressividade entre grupos sociais, a rivalidade entre nações, e inúmeras outras situações nas quais se recorre à violência para resolver conflitos.
Sem dúvida, enfocar o saber de forma compartimentalizada tem inúmeras vantagens. Possibilita a organização e o aprofundamento das diversas especialidades, graças à redução de redundâncias, ao aprimoramento da linguagem, à codificação das explicações. Assim tem sido no curso da história das idéias em todas as civilizações. Implicações e conseqüências aparentemente desnecessárias têm sido eliminadas. Mas, ao mesmo tempo, assistimos a uma crescente desatenção e a um crescente descaso com valores, irreflexão sobre conseqüências e implicações, e a geração de conflitos interiores, conflitos sociais, conflitos ambientais e conflitos armados. Isso abre espaço para a decadência do indivíduo, para o desamor entre indivíduos, para a depredação ambiental. A guerra encontra assim facilidade para se justificar.
Uma visão holística da história e do conhecimento é um passo para restabelecer a paz nas suas várias dimensões: paz interior, paz social, paz ambiental e paz militar. P. 28.
Ø A tarefa da ciência é descobrir as relações que existem no fluxo de percepções, sensações e emoções que constituem nossa experiência de vida. O panorama produzido pela visão, audição, gosto, odor, toque, e por sensações ainda menos ordenadas, é o único campo de ação. É dessa maneira que ci6encia é o pensar organizado da experiência. O aspecto mais óbvio deste campo de experiência é seu caráter desordenado. Alfred North Whitehead 1929.
Ø A transdisciplinaridade é um enfoque holístico, que procura elos entre peças que por séculos foram isoladas. Não se contenta com o aprofundamento do conhecimento das partes, mas com a mesma intensidade procura conhecer as ligações entre essas partes. E vai além, pois não reconhece maior ou menor essencialidade de qualquer das partes sobre o todo. P. 30.
Ø A transdisciplinaridade é, então, um enfoque holístico ao conhecimento que procura levar essas conseqüências e se apóia na recuperação das várias dimensões do ser humano para a compreensão do mundo na sua integralidade. P. 32.
Ø É oportuno falarmos de cultura. Há muitos escritos e teorias fortemente ideológicas sobre o que é cultura. Uso a conceituação de cultura já utilizada anteriormente, isto é, o conjunto de mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento compartilhados por indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço. P. 33.
Ø O conhecimento é um ser de poder, e então um ser de amor. O indivíduo tenta simplesmente poder, como Alexandre, ou simplesmente amor, como Cristo. Mas a humanidade sempre terá sua natureza dual, o velho Adão do poder, o novo Adão do amor. E deve haver um equilíbrio entre os dois. O homem vai atingir sua natureza elevada e suas maiores realizações quando ele tentar atingir um modo de viver equilibrado entre sua natureza de poder e sua natureza de amor, sem negar a qualquer delas. É um equilíbrio que nunca será atingido, salvo em momentos, mas toda flor somente floresce por um momento, então morre. Isto faz dela uma flor. D. H. Lawrence 1929. P. 37.
Ø ... O ciclo do conhecimento, isto é, sua geração, organização intelectual e social, e difusão, pode ser sintetizado no esquema: (p.37)
a realidade (entorno natural e cultural)
informa (estimula, impressiona)
indivíduos e povos
que em conseqüência geram conhecimento
para explicar, entender, conviver com a realidade,
e que é organizado intelectualmente,
comunicado e socializado, compartilhado e organizado socialmente,
e que é então expropriado pela estrutura de poder,
institucionalizado como sistemas (normas, códigos),
e mediante esquemas de transmissão e de difusão,
é devolvido ao povo mediante filtros (sistemas)
para sua sobrevivência e servidão ao poder.
Ø O acúmulo de conhecimento (fazeres, saberes, o saber como fazer) mostra-se, ao longo de gerações, importante e útil para satisfazer as necessidades materiais e espirituais de uma sociedade. Num determinado período na história da sociedade esse conhecimento é expropriado e manipulado por uma comunidade associada ao grupo de detém o poder (sacerdotes, autoridades, acadêmicos), e, através de mecanismos institucionais impregnados de controle, de mistificação e de filtros, é devolvido ao povo, que em primeira instância é o responsável pela origem desse conhecimento. P. 38.
Ø O indivíduo tomo consciência do nascimento e da morte e projeta sua busca e sua ação n o anterior ao seu nascimento (passado), e no posterior à sua morte (futuro). E procura superar esses momentos criando religiões, artes e ci6encias. Naturalmente, isso cria intermediações e tem profundas implicações no ciclo indivíduo <-> outro (sociedade) <-> natureza (realidade) <-> indivíduo. P. 41.
Ø O contínuo da vida consiste, portanto, na dinâmica: ...realidade que informa o indivíduo que processa essas informações e executa ação que modifica a realidade que informa o indivíduo que... p. 41.
Ø Embora o contínuo da vida seja reconhecido no comportamento de toda as espécies animais, nas espécies homo há mecanismos mais sofisticados de captação de informações e de processamento dessas informações. Sua ação modifica a realidade por meio de mentefatos que são acumulados numa memória e recuperados na definição de estratégias de ação. Eles têm consci6encia das conseqüências de sua ação. P. 42.
Ø A integralidade do sobreviver e do transcender, que é essencial e específica da espéie homo sapiens, resulta do processamento (individual) de informações captadas (individualmente) da realidade, e se manisfesta como comportamentos identificados como próprios a uma cultura. As conseqüências desse comportamento, que é necessariamente artificial, pois é construído pelo indivíduo, incorporam-se a realidade e modificam-na, dando a ela, realidade, um caráter dinâmico, de contínua e permanente transformação. P. 43.
Ø Na espécie homo sapiens, as relações indivíduo/outro (sociedade/natureza são intermediadas por instrumentos, cultura e produção. Dessas intermediações resultam as técnicas, o comportamento emocional e o trabalho.
O conhecimento possibilita a normatização dessas intermediações e manifesta-se na busca de explicações, de entendimentos, de estilos e modos de fazer/saber que, obviamente, respondem à especificidade do entorno natural e cultural. P. 43.
Ø A realidade é constituída de fatos que antecedem o momento, que antecedem nossa própria existência, que antecedem a própria espécie. São fatos natuurais, tais como o céu e os astros, a terra, os rios e as montanhas, os animais e as plantas. Junto com esses estão os fatos que resultam da intervenção do homem, artefatos - concretos - e mentefatos - idéias, conceitos.
A realidade informa o indivíduo através dos sentidos. Claro, os sentidos são diferentemente desenvolvidos e aguçados de indivíduo para indivíduo. Cada indivíduo capta da realidade informações distintas e processa essas informações por um mecanismo até hoje não desvendado pelas ci6encias. Isso permite a cada(p. 45) indivíduo definir estratégias de ação. Essa ação necessariamente se dá na realidade, modificando-a. A realidade assim modificada informa o indivíduo no instante, e o mesmo ciclo se repete. Esse é o ciclo vital de cada indivíduo. P. 46.
Ø Esse é o grande momento da espécie humana, a descoberta do outro e a troca com o outro, através da comunicação, de informações e de estratégias de ação.
Assim surge cultura, que leva indivíduos a reconhecer alguns fatos em comum, e a definir estratégias para ação comum. Cultura se manifesta através da possibilidade de indivíduos terem reações e comportamentos parecidos, compartilharem codificações para comunicação (linguagem), símbolos e mitos, e conseqüentemente valores.
Cultura e suas manifestações dão origem a organizações grupais, tais como família, tribo e comunidades, que caracterizam uma sociedade. P. 46.
Ø A ética é o que regula o comportamento. Os novos fatos (cultura) passam a informar os indivíduos e são, normalmente, recebidos da mesma maneira pelos que compartilham a mesma cultura e também são, normalmente, processados da mesma maneira. Conseqüentemente, normalmente, tem-se como resultado a mesma ação. P. 49.
Ø Desde seu aparecimento no planeta, a espécie homo sapiens tem seu comportamento impulsionado por duas grandes forças: a sobrevivência, sua e de toda a espécie - e isso é característico de qualquer espécie viva -, e a transcendência - que não se nota em qualquer outra espécie. P. 49.
Ø Estima-se que a Terra tenha-se consolidado há cerca de 4,5 bilhões de anos e a vida unicelular tenha surgido há cerca de 3,2 bilhões de anos. Os(p.49) dinossauros apareceram há cerca de 200 milhões de anos e pouco depois surgiram os mamíferos. Há cerca de 65 milhões de anos os dinossauros foram extintos. Espécies semelhantes à nossa, os chamados homens pré-históricos ou hominídeos, são notadas há cerca de 5 milhões de anos na África. O australopitecus afarensis foi identificado na Tanzânia há cerca de 3,6 milhões de anos. O homo habilis e o homo erectus começaram a emigrar da Árica há cerca de 1,8 mihão de anos, espalhando-se por todo o planeta. O homo sapiens, anatomicamente muito semelhante à nossa espécie, pode ter surgido na própria África há cerca de 200 mil anos e igualmente emigrado, ou pode ter surgido em várias regiões do planeta, já ocupadas pelo homo erectus. Ps. 49/50.
Ø A transcendência manifesta-se no culto aos mortos e à fertilidade, nos rituais religiosos, nas artes e nos rituais de iniciação. A sobrevivência vai se impregnando de transcendência. O homem integral é o ser em busca da sobrevivência associada à transcendência. Dessa busca surgem as culinárias, as bebidas, o pastoreio e a agricultura, todos com óbvias conotações religiosas. A espécie adquire poder sobre a natureza e poder sobre o outro indivíduo. O poder surge no momento em que sobrevivência e transcendência se mesclam. P. 51.
Ø O conhecimento é algo gerado, organizado e difundido e é difícil negar que essas três fases de sua elaboração não podem ser estudadas separadamente. O conhecimento,, nessas três fases, mostra várias dimensões: sensorial, intuitiva, emocional, racional, que igualmente não podem ser separadas. Esse é o princípio holístico que orienta minhas reflexões sobre conhecimento. P. 56.
Ø A complexidade do problema do conhecimento deriva-se do fato de que é impossível separar as suas várias dimensões, assim como é impossível estudar fragmentadamente sua elaboração.
Embora tendo o indivíduo como ponto de partida, o conhecimento se organiza e toma corpo como um fato social, resultado de interação entre indivíduos. Depende fundamentalmente do encontro com o "outro".
A primeira experiência de encontro com o outro se dá no nascimento. A transição do espaço uterino, limitado, e da sobrevivência dependente, para um espaço amplo, mesclado com experiência temporais, deflagra o processo de aquisição de conhecimento: geração de conhecimento (criatividade) e aprendizado de conhecimento (através de comunicação). P. 56.
Ø A história da espécie humana é dominada pela evolução de sistemas de normas e códigos e instrumentos de correção e punição. Assim distinguimos em todas as sociedade uma classe de excluídos. E, conseqüentemente, uma classe de privilegiados.
Falo em privilegiados e excluídos com um sentido semelhante a pegadores e largadores, que Daniel Quinn utiliza em seu livro Ismael, que é uma belíssima fábula sobre a história da humanidade contada por um gorila. A essência da fábula de Daniel Quinn é a aceitação, pela grande maioria da humanidade, de que as coisas são como são porque assim deve ser. Essa aceitação da "normalidade" é o que Jean-Yves Leloup chama normose. Sem dúvida, ao dizer que "sob este governo perfeito não haverá boa ação sem (p.57) recompensa, nem má sem castigo. Tudo deve resultar para o bem dos bom, quer dizer, dos que estão satisfeitos neste grande Estado, confiantes na Providência depois do cumprimento do dever, amando e imitando, como é devido, o Autor de todo o bem, alegrando-se na reflexão de suas perfeições. Ps. 57/58.
Ø ao extrapolar a aceitação de as coisas serem como são porque assim deve ser, institui-se a normopatia e assim se construíram as justificativas para vários comportamentos sociais.
A grande energia da humanidade tem sido dirigida para se prevenir de um número pequeno de psicopatas, enquanto a grande maioria de normopatas está à solta, impedindo a entrada numa nova era. P. 58.
Ø ... O reconhecimento da incapacidade de conhecimento total leva o homem à humildade da busca. P. 59.
Ø Chamo ético o indivíduo que no seu comportamento incorpora o conhecimento de si próprio, de sua inserção na sociedade, de suas responsabilidades planetárias e de sua essencialidade cósmica. P. 59.
Ø (O orador) deve saber excitar propriamente as paixões e inspirar aquelas que são próprias para mover o homem. São paixões as que nos movem; e não coisa que não possa fazer um homem, se acaso se lhes excitou a paixão proporcionada. Nisto, pois, é que deve estudar o orador, inspirando aquelas que são necessárias para abraçar a verdade que propõe. Luís Antônio Verney, Verdadeiro método de estudar, 1746. P. 61.
Ø Numa entrevista recente, Lofti Zadeh, criador da lógica fuzzy, diz:
Nos tempos de Aristóteles, as pessoas procuravam ser tão precisas quanto possível. Essa é a tradição aristotélica, a tradição cartesiana. Olhar as coisas como sendo pretas ou brancas vem dessa tradição. Mas tome o exemplo de bom e mau. O que estamos começando a entender agora é que algumas vezes as coisas que percebemos como más efetivamente se tornam boas, ou talvez, não tão más quanto nós pensávamos originalmente. As coisas servem a um fim. As pessoas no tempo de Aristóteles e mesmo mais tarde acreditavam ganhar muito ao perceber coisas em preto e branco (em termos absolutos). E de fato ganhavam. Mas ao mesmo tempo perderam muito no processo. (...) A lógica clássica errou ao devotar tão pouca atenção ao raciocínio e focalizar em tão alto grau o raciocínio exato. P. 65.
Ø O grande passo na evolução comunicativa das espécies homo foi o desenvolvimento de uma linguagem gestual e oral interativa, acompanhada de processos de contagem e de comparação. A capacidade de cada indivíduo captar informações da realidade, de processá-las e de definir estratégias ampliar a captação de informações e o seu processamento e assim definir ações comuns, deflagrando o processo de formação de culturas. Surge assim a espécie homo sapiens sapiens, distinguida das demais espécies. P. 66.
Ø A causa dos maus resultados em provas e "provões" não está nas crianças e nos jovens que são inegavelmente curiosos sobre coisas novas, interessados em soicas interessantes, ansiosos por se preparar para o mundo moderno - nem nos professores - que são surpreendentemente dedicados. A causa está no conteúdo que se pretende transmitir e testar, que é obsoleto, desinteressante e inútil. Isso é particularmente óbvio na matemática escolar em todos os graus, 1o, 2o e 3o. uma forma de rejeição é sair da escola ou ir mal nas provas. Muitas vezes a criatividade do aluno manifesta-se nos seus erros e não nos acertos. P. 77.
Ø O primeiro passo é que o professor conheça a si próprio. Ninguém pode pretender influenciar outros sem o domínio de si próprio. O professor deve conhecer a sociedade em que atua e ter uma visão crítica dos seus problemas maiores, bem como de seu ambiente natural e cultural, e da sua inserção numa realidade cósmica. O professor deve estar livre de preconceitos e predileções. Só sendo livre poderá permitir que outros sejam livres. Em vez de fazer com que o aluno saiba o que ele sabe, deve criar situações para que o aluno queira saber a realidade que o cerca. E dar a ele liberdade de encontrar significação no seu ambiente. Esse é um direito da criança. E cabe ao professo levar a criança a usufruir esse direito. E assim abrir para a criança a possibilidade de ser criativa. Ps. 79/80.
Ø Esse plano é inspirado e repousa sobre a Declaração de Nova Delhi (16 de dezembro de 1993), da qual o Brasil é signatário, que é explícito ao reconhecer que:
a educação é o instrumento preeminente da promoção dos valores humanos universais, da qualidade dos recursos humanos e do respeito pela diversidade cultural (e que) os conteúdos e métodos de educação precisam ser desenvolvidos e das sociedades, proporcionando-lhes o poder de enfrentar seus problemas mais urgentes - combate à pobreza, aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção ao meio ambiente - e permitindo que assumam seu papel por direito na construção de sociedades democráticas e no enriquecimento de sua herança cultural. P. 82.
Ø aprendizagem é a aquisição de capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar, criticamente, situações novas. Não é o mero domínio de técnicas, habilidades e muito menos a memorização de algumas explicações e teorias. P. 89.
Ø A adoção de uma nova postura educacional, na verdade a busca de um novo paradigma de educação, deve substituir o já desgastado ensino-aprendizagem, baseado numa relação obsoleta de causa-efeito. Um novo paradigma se faz necesssário para o desenvolvimento de criatividade desinibida e que conduz a novas formas de relações interculturais que devem proporcionar o espaço adequado para a eqüidade social e cultural.
Um dos maiores entraves da educação são o alto índice de reprovação e a enorme evasão. Ambos estão relacionados. Medidas dirigidas ao professor, tais como fornecer-lhe novas metodologias e melhorar, qualitativa e quantitativamente, seu domínio de conteúdo específico, são sem dúvida importantes, mas têm praticamente nenhum resultado apreciável. Igualmente, focalizar esses esforços no aluno através de uma maior freqüência a aulas e exames ou criando novos testes e mecanismos de avaliação tampouco tem dado resultados. P. 90.
Ø Claramente, as avaliações com vêm sendo conduzidas, utilizando exames e testes, tanto de indivíduos como de sistemas, pouca resposta têm dado à deplorável situação dos nossos sistemas escolares. Além disso, têm aberto espaço para deformações às vezes irrecuperáveis, tanto em nível de alunos e professores, individualmente, quanto de escolas e do próprio sistema. A situação, se medida por resultados de exames, revela um crescente índice de reprovação, de repetência e de evasão. E as propostas sempre vão na direção de reforçar os mecanismos de avaliação existentes. Esse é o panorama internacional. P. 92.
Ø A educação tradicional pretende cuidar prioritariamente do intelecto, como nada tendo a ver com as funções vitais. E, graças a isso, que se firmou na filosofia ocidental desde Descartes, dicotomiza-se o comportamento do ser humano entre corpo e mente, entre matéria e espírito, entre saber e fazer, entre trabalho intelectual e manual. Desenvolve-se a partir de então, teorias de aprendizagem que distinguem um saber/fazer repetitivo do saber/fazer dinâmico, privilegiando o repetitivo. Há expectativas de resultados que respondem ao padrão e que vêm priivilegiar o saber como conhecimento e o fazer como produção. Ora, a produção é confrontada com o padrão por controle de qualidade e o conhecimento por avaliação. Na verdade, ambos estão na mesma categoria de confronto com um padrão e são estáticos e inibidores. P. 95.
Ø A avaliação deve ser uma orientação para o professor na condução de sua prática docente e jamais um instrumento para reprovar ou reter alunos na construção de seus esquemas de conhecimento teórico e prático. Reprovar, selecionar, classificar, filtrar indivíduos não é missão do educador. Outros setores da sociedade devem se encarregar dessa missão..
Mas, como toda ação, o currículo deve ser acompanhado de elementos para sua avaliação, entendida como uma prática que permite orientar o professor na condução do processo, e efetuar ajustes permanentes dos objetivos, dos conteúdos e dos métodos. Mas, jamais a avaliação deve ser pensada como um instrumento para promover ou reprovar alunos. P. 98.
Ø Não há testes que respondam "ao que o aluno deve saber nessa idade ou nessa etapa de escolaridade". Cada aluno é um indivíduo com estilos próprios de aprendizagem. Classificar alunos por faixa etária, por horas de aulas e por resultados de exames é insustentável, como nos mostram as modernas teorias de cognição. Igualmente é impossível predizer o que motiva alunos no momento em que se aplica um teste ou prova.
Quando se afirma que pela avaliação se verifica continuamente o progresso da aprendizagem reconhece-se que este se manifesta na capacidade que o aluno tem de, quando quer ou necessite, enfrentar uma situação nova. não no que o aluno é capaz de repetir, através de memorização ou de uma verdadeira "musculação" cerebral.
O essencial está na motivação para executar uma tarefa e ela está ligada a categorias emocionais e culturais.
Como criar essa motivação?
É importante que o professor tenha possibilidade - e capacidade - de decidir o que é mais adequado fazer se a classe não estiver progredindo adequadamente. P. 99.
Ø Para satisfazer as necessidades básicas de aprendizado de todos é necessário mais que uma reafirmação do compromisso com a educação básica como já existe. O que se necessita é que, além de realizar o melhor nas práticas atuais, ofereça uma "visão ampliada" dos recursos atuais, das estruturas institucionais, dos currículos, e dos sistemas de difundir informação. P. 105.
Ø Gosto de parafrasear Sir John Eccles quando diz que o ser humano cobre todo o contínuo da existência humana, do zigoto unicelular à vida fetal e ao bebê autônomo, quando ele toma consciência de si próprio. E na tomada de consciência de outros - mãe, pai, amigos, estranhos - ele se torna uma pessoa humana e inicia a construção de seu sistema de valores.
Reconhece-se assim a importância do individual e do social em complementaridade, levando ao desenvolvimento da consciência individual e coletiva. Ancorado em ética, isso leva à cidadania. P. 106.
Ø Ética não se ensina: sugere-se através do discurso e mostra-se através do comportamento. Mas entre o discurso e o comportamento, é essencial que haja coerência.
A coerência entre o discurso e o comportamento é o que chamamos autenticidade. Ninguém pode se dizer educador ser autêntico. O que caracteriza um mestre é a sua autenticidade. P. 106.
Ø Na proposta ética se revela o rumo que um indivíduo pretende dar à sua vida e o que se espera de uma sociedade. Na ética se revelam os sonhos dos indivíduos e da sociedade... baseio minha proposta numa ética que repousa sobre respeito, solidariedade e cooperação.
Acredito ser a problemática da paz o centro de nossas reflexões sobre o futuro. Mas violações da paz não se resumem em confrontos militares, que são as guerras. Na verdade, a paz é um conceito multidimensional. Nosso objetivo é atingir um estado de paz total, sem o que o futuro da humanidade está comprometido.
Por paz total entendemos a paz nas suas várias dimensões:
. paz interior: estar em paz consigo mesmo;
. paz social: estar em paz com os outros;
. paz ambiental: estar em paz com as demais espécies e com a natureza em geral;
. paz militar: a ausência de confronto armado. P. 111.
Ø A proposta é a ética da diversidade:
respeito pelo outro com todas as suas diferenças;
solidariedade com o outro na satisfação das necessidade de sobrevivência e transcendência;
cooperação com o outro na preservação do patrimônio natural e cultural comum.p. 111.
Ø Intimamente relacionada a ética está a questão ambiental. Lamentavelmente, no processo de globalização que se intensificou no período das grandes navegações e conseqüente conquista e colonização, impôs-se um modelo urbano que pouco respeitou as condições ambientais. P. 115.
Ø Amor é um tema sobre o qual poderíamos fazer reflexões indindáveis. Mas poderíamos dizer, não para terminar mas para dar continuidade à nossa reflexão, que a educação para o amor significa preservar a "infância" no homem, isto é, sua necessidade interior de crescer incessantemente. Shakti Datta, The place of love in education, 1960. P. 119
Ø Acredito ser a espiritualidade um dos pontos críticos dos sistemas educacionais. Fortes interesses levaram a nova LDB - Lei No. 9.475 de 22/07/1997, que dá nova redação ao Art. 33 da Lei no. 9.394 de 20/12/1996 - a incluir Ensino Religioso. Lamentavelmente, não aparece como espiritualidade e pode levar a interpretações equivocadas.
O tema é muito complexo. Nas escolas confessionais espera-se um programa de estudos de religião compatiível com a fé a que a escola adere. O problema maior está nas escolas públicas. Mas, em todas as escolas e em todas as formas de educação, o ensino religioso deveria ser focalizado na espiritualidade, num sentido amplo, e ter como meta a paz, na sua pluridimensionalidade: paz interior, paz social, paz ambiental e, conseqüentemente, paz militar. P. 119.
Ø Conhecimento é o conjunto de meios para sobrevivência e transcendência gerados por indivíduos, coletivizados e acumulados no curso da história. P. 124.
Ø É curiosa a descrição que o arquiteto romano Marcus Vitruvius Polio fez, no século I a.C., da origem da conversação:
Os homens de antigamente eram nascidos como bestas selvagens, nas florestas, cavernas, e grotas, e viviam selvagemente. Com o passar do tempo, as árvores densas em um certo lugar, arrancadas por tempestades e ventos, e esfregando seus galhos um contra o outro, pegaram fogo, e assim os habitantes do lugar fugiram, aterrorizados pelas chamas furiosas. Depois que elas acalmaram eles se aproximaram, e observando que se sentiam muito confortáveis estando frente ao fogo, acrescentaram a ele galhos e, assim avivado, ele atraiu outras pessoas para seu redor, mostrando quanto conforto elas poderiam obter dele, nesse encontro dos homens, num tempo em que os sons emitidos eram puramente individuais, dos hábitos diários eles se fixaram em palavras articuladas à medida que elas iam chegando; então, indicando por nome as coisas de uso comum, o resultado foi que deste modo puramente aleatório eles começaram a falar, e assim se originou a conversação de um com o outro. Portanto, foi a descoberta do fogo que originalmente deu origem ao encontro dos homens, às assembléias deliberativas, e ao relacionamento social. p. 126.
Ø ... Embora haja concordância que a linguagem tenha tido um papel fundamental no desenvolvimento das capacidade cognitivas do homem, o silêncio tem-se revelado uma importante estratégia na elaboração do conhecimento. Particularmente, o silêncio em companhia de outros. P. 127.
Ø Platão transmitia suas idéias num local onde teria sido sepultado o herói mitológico Academo. Etimologicamente, seu nome vem de héka (=longe, distante) e dêmos (=povo). Academo é "o que age independentemente". E daí o nome academia.
As academais, características da cultura grega, floresceram no Império romano. Mas, com a cristinização do Império Romano, no século IV, esse ambiente privilegiado pouco contribuía para a construção de uma filosofia cristã, que foi o grande problema enfrentado pela Igreja no seu início. A expansão do cristianismo, sobretudo nas civilizações pagãs do norte da Europa, fazia-se sem maiores problemas. Mas a conquista da intelectualidade mediterrânea era um grande obstáculo para a expansão do cristianismo. As academias ofereciam um pensamento contrário à doutrina cristã que se esboçava. Foi necessário criar um outro espaço onde a intelectualidade pudesse avançar nas suas reflexões. Esse espaço foram os mosteiros.
Etimologicamente, a palavra mosteiro é derivada do grego e seu significado é viver só, isolado. O objetivo dos mosteiros era a construção da doutrina cristã e a sua fundamentação filosófica. O conhecimento era construído com essa finalidade. P. 127.
Ø Com esse espírito foi criada, tardiamente, a universidade brasileira, a partir da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935). Na inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal, em 1935, Anísio Teixeira, nomeado o primeiro reitor da nova universidade, dizia sobre a função das universidades:
A função da universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que universidades.
Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não o morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressista.
Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente.
O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração: o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem.
A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação...
Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer monótono de sua rotina; a vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber, e toda a nossa sede de melhorar, é a universidade. P. 133.
Ø Parafraseando V.V. Raman, do Rochester Institute Of Tecnology, pode-se afirmar que as metas para o novo século devem ser a identificação do que é comum na busca de verdade e sabedoria entre todas as culturas e civilizações do planeta, aprendendo um do outro a corrigir os equívocos, a resistir à tentação de considerar as percepções das nossas tradições como sendo, de algum modo, superiores a outras, a reconhecer que nossas tradições como sendo,, de algum modo, superiores a outras, a reconhecer que nossos ancentrais erraram gravemente em muitas decisões e ações, e a buscar em comum soluções para muitos problemas que a humanidade enfrenta(p.137) num espírito de harmonia e dedicação. Essa é, em outras palavras, a ética maior que tenho proposto:
. respeito pelo outro com todas as diferenças;
. solidariedade com o outro na satisfação de sua busca de sobrevivência e de transcendência;
. cooperação com o outro na preservação do bem e do patrimônio comuns. P. 137/138.
Ø A universidade não será transformada por alguma mudança de legislação. Tentará resistir às mudanças e preservar seu estilo e seu lugar privilegiado na sociedade. Mas aquelas que forem incapazes de entrar no futuro - que é, como todo futuro, desconhecido - serão colhidas pelo processo de exclusão. Ao mesmo tempo em que as universidades vão encontrando dificuldades na sua operação cotifdiana, vê-se um florescimento das chamadas universidades alternativas.
A própria universidade convencional deve buscar novos caminhos. A proposta de Michael S.Gazzaniga, do Center for Cognitive Neuroscience, do Dartmouth College, em New Hampshire, é radical. Abandonar a organização departamental e reestruturar a universidade de acordo com interesses dos seus pesquisadores, em torno de laboratórios e núcleos temáticos. Isso permitirá o surgimento de novas áreas interdisciplinares, um primeiro passo em direção à transdisciplinaridade.
Ø Não há dúvida de que a expectativa de uma profissão está presente em todos os indivíduos que procuram uma escola. Num estudo preparado para um simpósio sobre "Educação para a cidadania no século XXI", um grupo de especialistas alerta para esse fato: "Os estudantes esperam que sua educação tenha alguma influência na sua habilidade de conseguir bons empregos bem como na satisfação de sua curiosidade intelectual. Porém, a força de trabalho no século XXI, deverá ser preparada diferentemente da força de trabalho do século XX. P. 143.
Ø Reduzir a importância da escola à preparação dos indivíduos para se integrarem no sistema de produção é de um primarismo inadmissível. Seria necessário reconhecer que a escola tem tido como objetivo maior moldar futuros consumidores de uma produção irresponsável e interesseira. P. 148.
Ø Eliminar arrogância, inveja, prepotência e adotar respeito, solidariedade, cooperação é a idéia de base na busca de uma nova espiritualidade, ancorada num sistema de conhecimento transdisciplinar. Busca-se um pacto moral entre todos os homens definitivamente interessados numa nova perspectiva de futuro para a humanidade, através de uma ética total. P. 152.
Ø Qualquer discurso sobre educação se esvazia se não focalizar a questão maior da existência humana. Vou resumir os pontos exxenciais da minha visão de homem, que foram abordados até aqui. As categorias de análise que tenho usado são: > Cosmos, > Planeta, > A vida, com a resolução das relações entre: Indivíduo, natureza e outro(s)/sociedade,(p153) > Sobrevivência do indivíduo e da espécie, > Homem, como uma espécie diferenciada, > Intermediações entre indivíduos, outro e natureza, criada pelo homem, > Comportamento, > Conhecimento, > Consciência, > Transcendência, > Comunicação, > Valores, > Ética.
O problema fundamental é entender a relação entre o indivíduo e o seu comportamento, isto é, entre o ser (substantivo) e o ser (verbo). P. 153/154.
Ø Na busca de sobrevivência, o indivíduo se sujeita a comportamentos básicos:
. reconhece o outro,
. aprende,
. é ensinado,
. adapta-se
. e cruza,
com objetivo de sobreviver e dar continuidade à espécie. P. 156.
Ø No encontro com o outro, que também está em busca de sobrevivência e de transcendência, desenvolve-se a comunicação.
Na resposta à pulsão de sobrevivência, o, homem define suas relações com a natureza e com o outro e desenvolve as intermediações já mencionadas anteriormente.
Na resposta à pulsão de transcendências guardam uma relação simbiótica e distinguem o ser humano das demais espécies. Dão origem a conhecimento e definem o comportamento. P. 157.
Ø O conhecimento disciplinar tem priorizado a defesa de saberes concluídos, inibindo a criação de novos saberes e determinando um comportamento social a eles subordinado.
A transdisciplinaridade rejeita a arrogância do saber concluído e das certezas convencionadas e propõe a humildade da busca permanente. P. 158.
Ø O maior equívoco da filosofia ocidental tem sido considerar o homem como um corpo mais uma mente, e separar o que sentimos do que somos. O conhecimento tem focalizado corpo e mente, muitas vezes privilegiando um sobre o outro.
Ø Mariotti sintetiza, em duas frases, o que podemos fazer e qual a nossa meta:
A mão estendida é o início do abraço, isto é, o ponto de partida para o pensamento complexo, o marco inaugural do longo processo de busca da espiritualidade. (...) Estou falando algo que possa livrar-nos de um padrão de vida segundo o qual em muitos casos a palavra é separada do real, a justiça se preocupa menos com o sofrimento dos homen do que com a letra da lei, e esta, em muitos casos, busca verdades que pouco ou nada têm a ver com o cotidiano das pessoas. P. 160.
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